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17 de nov. de 2017

Coito interrompido


O mestre do terror consegue, mais uma vez, construir uma atmosfera opressiva de medo em sua obra It – A Coisa. As cenas dramáticas e assustadoras descritas por Stephen King na morte principalmente de crianças e nas descrições de enfrentamentos à Coisa proporcionam inquietantes situações de suspender o fôlego, de entesar os músculos e alterar a respiração. E a personagem aterradora do Mal é a alegre, debochada e extremamente mal cheirosa figura predominante de um palhaço, ora lobisomem, ora múmia, ora outra coisa, dependendo do garoto que se deparava com ela e seus antecedentes de figuras aterradoras.

Isso tudo num livro. Não quero aqui entrar no mérito do filme, mas no de um livro de 1.104 páginas; sem música tenebrosa e outros efeitos sonoros e visuais, é uma magistral consumação do medo, digna de um catedrático no assunto. E, apesar disso, King consegue apresentar-nos belíssimos sete protagonistas, crianças pré-adolescentes, que desenvolvem e expõe o real sentido da amizade, do amor, da confiança absoluta e, claro, do medo.


Some-se ainda a forma narrativa (objetiva e subjetiva), com a alternação da ordem temporal - usando a anisocronia; a construção dos protagonistas e dos demais personagens e antagonistas; os locais, as situações predominantemente tensas, os acontecimentos surpreendentes, as ocorrências que extrapolam os limites da violência, as apavorantes perseguições (e não são poucas), as reviravoltas, os dados históricos e geográficos, e até o lirismo de algumas situações, tudo banhado em muita insegurança, sangue e medo. Aqui, nada é previsível e tudo é inusitado. Quem gosta do gênero e do estilo de King não conseguirá largar o livro.

Todo esse crescente terror a buscar um ápice na apoteose da obra, presume-se, em seu quinto final, onde, inevitavelmente o Bem enfrentará o Mal de forma decisiva. E aí? O Bem vencerá o Mal? Ou tudo se converterá naquela babaquice de que algo sobre para um retorno do Mal numa próxima aventura? Aí não seria King.

Mas, por incrível que possa parecer, apesar da continuidade de todas as qualidades aterrorizantes descritas anteriormente até o fim da narrativa, King tropeça. E a sensação é a mesma de um coito interrompido por uma circunstância esdrúxula. Você começa a brochar e resta apenas continuar curtindo o texto, sempre muito bom do autor, até o final, por que o enredo foi comprometido.



O encontro apoteótico do Bem com o Mal decepciona. Era de se esperar algo mega-assustador. E o que se encontra é medíocre diante do brilhantismo das situações anteriores já descritas. King partiu para uma solução metafísica e foge totalmente do âmago da obra, saindo do clima aterrorizante para entrar numa atmosfera fantasiosa, com situações meramente forçadas, sem brilho, descrições cansativas e, o pior, sem o apreciado terror kinguiniano, sem a múmia, sem o lobisomem e sequer o esperado embate com o palhaço, ícone ilustrativo de todo o Mal da obra que se transforma numa ridícula e imensa aranha coadjuvada por uma milenar e filosófica tartaruga.



Enfim, é uma obra artística e como tal deve ser respeitada. E com toda minha reverência por Stephen King, acredito que esta crítica positiva é cabível, pois ele é o único responsável pelo que transmite ao leitor. E ninguém é perfeito. Nem eu, que me atrevi a escrever esta crítica.

Por Valdemir Martins
Novembro de 2017.

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