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15 de dez. de 2019

O intimista e surpreendente Sobre os Ossos dos Mortos ****


Para nós brasileiros que praticamente não conhecíamos a escritora polonesa Olga Tokarczuk, recém-laureada com o Nobel de Literatura e o Man Booker International Prize, lê-la converte-se numa agradabilíssima surpresa. É uma brilhante contadora de histórias com simplicidade sofisticada.

Cartaz do filme holandês
Em 2014 foi editado no Brasil, em uma tiragem limitada pela Tinta Negra, seu romance fragmentário Os Vagantes, que se encontra esgotado. Agora, em função das premiações, a Editora Todavia lançou “Sobre os Ossos dos Mortos”, obra selecionada pelo jornal britânico The Guardian como um dos 100 melhores livros do século 21; foi adaptado para o cinema no filme holandês Rastros e levou o Urso de Prata no Festival de Berlim de 2017.

A obra, muito bem estruturada e com uma escrita moderna, inovadora, é um diferenciado suspense, não convencional, cuja história se passa na atualidade numa remota e gélida vila polonesa. Sua protagonista, Janina, uma ex-engenheira e professora de inglês aposentada, costuma se dedicar ao estudo da astrologia, à poesia do inglês William Blake, à manutenção de casas de veraneio e a sabotar armadilhas visando impedir a matança de animais silvestres.

Ela, em primeira pessoa, é a narradora do enredo, misturando thriller e humor, numa reflexão permanente sobre a condição humana e a natureza. O leitor (a) viaja com a cabeça de Janina, uma vez que ela descreve ricamente os fatos e simultaneamente faz reflexões filosóficas e divagações astrológicas sobre os fatos narrados, seus conviventes, suas moléstias e sua solidão: “A realidade envelheceu e ficou senil; está sujeita às mesmas leis que qualquer organismo vivo – envelhece. Assim como as células do corpo, seus componentes mais elementares – os sentidos – sucumbem à apoptose. A apoptose é a morte natural, provocada pelo cansaço e pelo esgotamento da matéria.”.

Janina é uma excêntrica senhora ateia que subverte o corriqueiro na vida das pessoas. Até suas convicções sobre a morte chegam a beirar a comicidade. Aliás, o cômico, é algo que espreita muitas das situações vividas por ela. Baseado em suas narrativas, o livro torna-se intimista, com devaneios sobre tudo, até sobre o que as pessoas pensam quando estão em silêncio na igreja.

Olga Tokarczuk
Perturbador, algo macabro, abordando temas como o mundo natural e a civilização, este livro é um romance instigante sobre temas como loucura, injustiça contra indivíduos marginalizados e direitos dos animais, causa da qual Olga é ativista.

O livro extrapola a história de crimes e investigações convencionais, sua espinha dorsal, para se tornar um belo suspense existencial. Com um final surpreendente, tem tudo para ser uma bela fantasia, mas é de um realismo irretorquível.

Valdemir Martins
em 14/12/2019.

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