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21 de dez. de 2017

E assim vocês foram criados, neste imenso universo.



Eis-me aqui lendo novamente Dan Brown. Apenas pela curiosidade gerada por um comentário solto sobre o livro “Origem”. Neste, Langdom torna-se Superman apenas uma vez. E para quem for seu fã, é desestimulante. Mas, dessa figura pode-se esperar principalmente conhecimento. E nisso, o livro é pródigo.



Apesar da história medíocre, com espasmos de brilhante, valeu a leitura porque consegui aprender mais sobre informática, o revolucionário catalão Gaudì e sua obra e sobre o magnífico Museu Guggenheim, além de um pouco mais sobre física, química e biologia. E até um pouco sobre Barcelona.


Obra de baixa qualidade literária, sua leitura vale sobretudo para quem fizer sérias reflexões sobre o que está lendo, colocando os leitores em cheque com suas crenças e seus conhecimentos, fazendo-os pensar com rigor sobre o que nos espera no futuro. E, aqui sim, qualifico o livro como essencial. Ignoro outras obras populares que nos levem a refletir, desta forma,  sobre a origem de tudo – e principalmente da vida - fora da confortável aceitação das diversas imposições religiosas. Este é um livro essencialmente agnóstico, assim como seu autor, cujas demais obras também são balizadas pelo frequente constrangimento de/ou desvirtuar ou dar ênfase a idiotias relacionadas principalmente ao cristianismo e seus escritos.

Até onde a tecnologia é uma benesse? A partir de quando se torna prejudicial à humanidade? E as crendices e as religiões, podem ser avaliadas da mesma forma? Eis aqui o cerne do enredo conduzido em sua maior parte por um programa de computador humanizado e super desenvolvido, colocando o nosso conhecido Hal, do filme 2001, Uma Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke) na sola do chinelo. Cada coisa no seu tempo, afinal estamos já em 2018.

Enfim, trata-se de um livro que tanto nos meios acadêmicos e científicos como nos religiosos deve tornar-se razão de eventuais comentários, com certeza grotescos. E para que o meu também não o fique, paro por aqui. Realmente não há mais o que falar sobre esta obra.

E para quem ficar (bem ou mal) impressionado com Origem, recomendo a leitura de A Questão Vital - Por que a vida é como é? , de Nick Lane, da Editora Rocco, uma instigante viagem que começa quatro bilhões de anos atrás, quando uma célula sofisticada surgiu de progenitores bacterianos, e mostra que toda forma de vida complexa na Terra – de seres humanos a árvores e abelhas – compartilha de um único ancestral comum. Um evento que nunca mais se repetiu na história.

Todavia, não posso deixar de recomendar também a leitura dos dois best sellers da atualidade, pesquisados e escritos pelo dedicado professor israelense Yuval Noah Harari: Sapiens: Uma breve história da Humanidade e Homo Deus: Uma breve história do amanhã.


Por Valdemir Martins
Em 18/12/2017.
Revisado em 18/01/2018.

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7 de dez. de 2017

Bovary: a madame que corre com os lobos


Desde o primórdio dos tempos a mulher costumava ser secundária. Nem Charles Darwin – ou mesmo Freud - conseguiria explicar satisfatoriamente esta distorção comportamental do ser humano, não fosse o fanatismo cristão. Muitas teorias foram desenvolvidas, inclusive religiosas e cientificas. Pode-se atribuir à predominância da força física do macho, à condição feminina mais delicada pela maternidade, aos instintos naturais ou ao que mais se aproximar à realidade de cada um. Mas, independentemente das condições de guerreiras, deusas, fadas, caçadoras, rainhas, atletas, bruxas, santas, educadoras, policiais ou executivas, ainda hoje o ranço da hegemonia machista se faz presente, e de forma inescrupulosa em sociedades patriarcais e de preeminência religiosa.

Atravessando o tempo, um livro essencial, em particular, registra, em meados do século XIX, de forma magistral a colocação da mulher no secundário. Falo de “Madame Bovary”, a magnífica obra prima de Gustave Flaubert, onde a bela protagonista Emma, afogada na sua condição de mulher, antes filha, depois esposa, mãe e, finalmente, amante, submete-se aos martírios lhe impostos pelos algozes da sociedade rural machista daquele tempo.

Emma foi uma mulher forte para a época. Sabia exatamente o que queria; era decidida, corajosa e fogosa. Mas, no lar, egoísta, nunca soube conquistar seu marido como homem e seu relacionamento com ele era apenas como mãe e dona de casa. Graças a um esposo acomodado – um médico provinciano medíocre -, retrógrado e com muito pejo, Emma precisou ser mulher fora de casa. Tudo isso, descrito de forma bastante realista por Flaubert, sem retoques românticos e já com alguns leves toques parnasianos. Com o surgimento do discurso indireto livre de Flaubert, onde a personagem ocupa, com certeza, o lugar do tradicional narrador na literatura, Emma passa à sua condição real de mulher. Uma mulher em busca de vida.

Uma mulher forte como protagonista e fraca como heroína. Uma mulher que correu atrás do que realmente queria. Ambiciosa, superou obstáculos sociais, familiares, religiosos e físicos. Na realidade, superou-se para ser mulher não importando quem estava a subjugar. E, por isso, pagou muito caro por seus desmandos em todos os sentidos.


Um dos clássicos mais famosos e polêmicos da literatura mundial, Madame Bovary traz o realismo para a literatura de forma definitiva, graças ao talento maiúsculo de Gustave Flaubert. Alcançou um nível de texto fabuloso para transformar o que poderia ser uma simples história piegas numa das principais obras da literatura mundial, um dos marcos do fim da escola romântica. Flaubert, por retratar fielmente uma época, não teve condições de suplantar os resquícios do ainda forte machismo então predominante. Mas soube superar arquétipos e colocar a madame a correr com todos os seus lobos, lembrando aqui a importante obra da psicanalista junguiana estadunidense Clarissa Pinkola Estés, intitulada “Mulheres que Correm com os Lobos”, dento da qual esta história de Emma também se ajustaria perfeitamente.

Por Valdemir Martins em 07/12/2017.

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17 de nov. de 2017

Coito interrompido


O mestre do terror consegue, mais uma vez, construir uma atmosfera opressiva de medo em sua obra It – A Coisa. As cenas dramáticas e assustadoras descritas por Stephen King na morte principalmente de crianças e nas descrições de enfrentamentos à Coisa proporcionam inquietantes situações de suspender o fôlego, de entesar os músculos e alterar a respiração. E a personagem aterradora do Mal é a alegre, debochada e extremamente mal cheirosa figura predominante de um palhaço, ora lobisomem, ora múmia, ora outra coisa, dependendo do garoto que se deparava com ela e seus antecedentes de figuras aterradoras.

Isso tudo num livro. Não quero aqui entrar no mérito do filme, mas no de um livro de 1.104 páginas; sem música tenebrosa e outros efeitos sonoros e visuais, é uma magistral consumação do medo, digna de um catedrático no assunto. E, apesar disso, King consegue apresentar-nos belíssimos sete protagonistas, crianças pré-adolescentes, que desenvolvem e expõe o real sentido da amizade, do amor, da confiança absoluta e, claro, do medo.


Some-se ainda a forma narrativa (objetiva e subjetiva), com a alternação da ordem temporal - usando a anisocronia; a construção dos protagonistas e dos demais personagens e antagonistas; os locais, as situações predominantemente tensas, os acontecimentos surpreendentes, as ocorrências que extrapolam os limites da violência, as apavorantes perseguições (e não são poucas), as reviravoltas, os dados históricos e geográficos, e até o lirismo de algumas situações, tudo banhado em muita insegurança, sangue e medo. Aqui, nada é previsível e tudo é inusitado. Quem gosta do gênero e do estilo de King não conseguirá largar o livro.

Todo esse crescente terror a buscar um ápice na apoteose da obra, presume-se, em seu quinto final, onde, inevitavelmente o Bem enfrentará o Mal de forma decisiva. E aí? O Bem vencerá o Mal? Ou tudo se converterá naquela babaquice de que algo sobre para um retorno do Mal numa próxima aventura? Aí não seria King.

Mas, por incrível que possa parecer, apesar da continuidade de todas as qualidades aterrorizantes descritas anteriormente até o fim da narrativa, King tropeça. E a sensação é a mesma de um coito interrompido por uma circunstância esdrúxula. Você começa a brochar e resta apenas continuar curtindo o texto, sempre muito bom do autor, até o final, por que o enredo foi comprometido.



O encontro apoteótico do Bem com o Mal decepciona. Era de se esperar algo mega-assustador. E o que se encontra é medíocre diante do brilhantismo das situações anteriores já descritas. King partiu para uma solução metafísica e foge totalmente do âmago da obra, saindo do clima aterrorizante para entrar numa atmosfera fantasiosa, com situações meramente forçadas, sem brilho, descrições cansativas e, o pior, sem o apreciado terror kinguiniano, sem a múmia, sem o lobisomem e sequer o esperado embate com o palhaço, ícone ilustrativo de todo o Mal da obra que se transforma numa ridícula e imensa aranha coadjuvada por uma milenar e filosófica tartaruga.



Enfim, é uma obra artística e como tal deve ser respeitada. E com toda minha reverência por Stephen King, acredito que esta crítica positiva é cabível, pois ele é o único responsável pelo que transmite ao leitor. E ninguém é perfeito. Nem eu, que me atrevi a escrever esta crítica.

Por Valdemir Martins
Novembro de 2017.

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19 de ago. de 2017

A história essencial da grande celebridade musical

Afinal, o que é música para você? Talvez aquele som agradável, rítmico, cantado ou não, que o (a) faz dançar, cantar e lhe traz alegria, tristeza, recordações; ou então outro som harmonioso, gerado por um, poucos ou muitos instrumentos e/ou vozes, com características e variações técnicas que mexem com seu âmago, seus sentimentos, transmitindo-lhe as mais diversas sensações, como alegria, tristeza, suspense, flutuação, sonhos, uma história.

Seja música popular ou erudita, ambas são incrivelmente benéficas para nós. Mas apesar de a música erudita – que nos faz bem à alma – não ter a preferência da maioria, tem popularmente o nome destacado de compositores como Bach, Beethoven, Chopin e Mozart pelo fato de algumas de suas obras serem mais utilizadas midiaticamente em eventos, filmes, televisão e até em comerciais. Algumas até caíram no gosto popular, seja por sua beleza, seja pela repetição. Mas, excetuando-se os estudiosos, poucos sabem quem é ou o que representa o genial e brilhante maestro Liszt para a música de verdade.

Seja como for, para ler “Rapsódia Húngara”, do escritor húngaro Zsolt Harsányi, completamente ignorado por aqui, você vai precisar conhecer um pouquinho sobre música e, principalmente, gostar dos assuntos música clássica e história. Trata-se de um livro de rara beleza estética, pois nos insere numa reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico, assim como um fato filosófico, gerado por consagrados compositores do século XIX, época de ouro da música erudita. E, para não parecer radical, confesso que o livro pode ser lido também pelos que gostam de biografias, romances de amor ou simplesmente de história, mesmo sem embasamento musical. Aliás, este foi o livro favorito de Anne Frank em seu cativeiro, fato que me levou a lê-lo.

A obra leva-nos à biografia de Franz Liszt. E, como Liszt, seu autor era húngaro e, apesar de desconhecido no presente, criou um livro muito bem escrito, com grande valor literário e histórico. Harsányi ressuscita o grande músico, pintando-o com carinhosa naturalidade, fazendo-o viver com todas as suas humanas virtudes e fraquezas. Afinal Lizt foi um dos mais importantes compositores e singular virtuose do piano de todos os tempos. A vida de Liszt é um verdadeiro romance e Zsolt soube recriá-lo em toda sua pulsante realidade, como um psicólogo de arguta penetração.

Nascido em Raiding no interior da Hungria, em 1811, aos nove anos Liszt já dava seu primeiro concerto e tinha catorze apenas quando escreveu para a ópera um trabalho em um ato, “Dom Sancho ou O Castelo do Amor”.  Aos 11 anos, num concorrido concerto em Viena, foi aplaudido e cumprimentado pessoalmente pelo já veterano Beethoven. Católico fervoroso, cresceu, estudou, enriqueceu e evoluiu como artista e líder viajando toda por toda Europa. Como pouco viveu na Hungria, não sabia sua língua natal. Sua base de vida maior foi Paris, onde fez grande amizade com George Sand, Victor Hugo, Lamartine e, sobretudo, com os inseparáveis parceiros Chopin e Berlioz. Foi admirado e reverenciado por inúmeros músicos, pela nobreza européia e até por monarcas de diversas nações.
Em 1847 Liszt, convidado pelos soberanos alemães, aceitou o cargo de mestre de capela em Weimar, cidade de Goethe e de Schiller. Lá criou o poema sinfônico e escreveu considerável número de obras, entre as quais seus 14 poemas sinfônicos. Empregou toda a sua autoridade para tornar conhecidas as obras de Wagner, seu idólatra, cujo “Lohengrin” fez representar pela primeira vez. Wagner o venerava e Liszt apostava nele como um revolucionário da música, promovendo, apoiando e prestigiando-o sempre que possível.

Dentre sua principais obras estão 19 rapsódias húngaras, sendo que a Rapsódia nº 2 ( https://www.youtube.com/watch?v=goeOUTRy2es ), a mais tocada delas, tornou-se muito popular até como trilha sonora de desenhos animados. De suas magníficas peças para piano destaca-se a peça nº 3, conhecida como “Liebestraum”, a qual faz parte do repertório de aclamados pianistas de todos os tempos ( https://www.youtube.com/watch?v=KpOtuoHL45Y ).

Era um cobiçado homem bonito e não resistia a uma bela mulher. Casou-se não oficialmente com três delas, lindas e de forte personalidade. A música sempre o separou de seus filhos. E, Cósima, uma de suas filhas, casou-se atribuladamente com Wagner, dando-lhe, além dos netos, inúmeros aborrecimentos. Passou seus últimos anos entre Roma, Weimar e Budapeste, festejado como nunca o fora nenhum outro músico. Morreu em  Bayreuth, na Baviera, aos 74anos.

Não há, infelizmente, novas edições para este valioso livro. Apenas as editoras Globo (RS 1944) e Melhoramentos (Coleção Caminhos da Vida, volume 28, de 1954). E por incrível que pareça, vários exemplares podem ser encontrados no site Estante Virtual, a partir de – acredite – R$ 4,00. Se você gosta de música e de história, não perca esta chance.

Valdemir Martins

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26 de abr. de 2017

Um filme da esquerda


A criança não acompanha o pai. Fica, ajoelhada, fazendo carinho na terra que acaba de cobrir o corpo da sua mãe. Esta é uma linda cena e uma das várias emocionantes deste grande filme “Colheita Amarga” que deveria ser assistido por todos os jovens e, especialmente, por todos os simpatizantes das correntes chamadas de esquerda, seja socialista ou comunista.

A Ucrânia historicamente sempre foi um competente estado agrícola. Com o assassinato do Czar pelos bolcheviques em fevereiro de 1917, no início da revolução comunista na Rússia, os ucranianos respiraram alguns anos de independência fictícia. A partir de 1920, para atender a necessidade de maiores suprimentos de alimentos e para financiar a industrialização, Stálin estabeleceu um programa de coletivização da agricultura pelo qual o Estado combinava as terras e rebanhos dos camponeses em fazendas coletivas, principalmente visando a força agrícola da Ucrânia. O processo era garantido pela atuação dos militares e da polícia secreta: os que resistiam eram presos e deportados. Ou sumariamente executados in loco. Os camponeses viam-se obrigados a lidar com os efeitos devastadores da coletivização sobre a produtividade agrícola e as exigências de quotas de produção ampliadas. Tendo em vista que os integrantes das fazendas coletivas não estavam autorizados a receber grãos até completaram as suas impossíveis quotas de produção, a fome tornou-se generalizada. Este processo histórico, conhecido como Holodomor, levou milhões de pessoas a morrer de fome e muitas enterradas ainda vivas, paralisadas pela inanição, em grandes valas comuns ou amontoadas ao relento.
O quase desconhecido Holodomor matou de sete a dez milhões de ucranianos entre 1933 e 1934, bem mais que os seis milhões do super divulgado Holocausto judeu pelos nazistas e dos demais conhecidos genocídios por Idi Amin Dada, Pol Pot, Mao Tsé Tung e dos paraguaios pelos brasileiros na Guerra do Paraguai.

Colheita Amarga é uma história de amor e fé durante esse período. O amor profundo, de infância, entre dois jovens; o amor familiar e o fraterno da coletividade. Um filme canadense rodado na própria Ucrânia, com uma fotografia e figurinos impecáveis, e com as interpretações marcantes de Max Irons, Samantha Barks e do veterano Terence Stamp. A competentíssima direção é do canadense, nascido alemão, George Mendeluk, de descendência ucraniana. A ideia do filme, além de homenagear e honrar as vítimas dessa carnificina, é também mostrar como Stalin massacrou uma população estrangeira inteira em nome do seu poder e do comunismo, fazendo-o de uma forma extremamente cruel.

Não consegui descobrir se o filme entrou no circuito nacional, uma vez que foi lançado ainda em fevereiro deste ano e não há registros na internet. Mas quem quiser assisti-lo, com legendas em português e imagem HD pode entrar no link https://www.megafilmesserieshd.com/colheita-amarga/  * e ver até mesmo no computador ou via Bluetooth na TV.

Em Curitiba há o Memorial Ucraniano em homenagem à cultura ucraniana. Lá também tem uma lápide que é uma réplica da que existe em Kiev, em homenagem às vítimas do Holodomor.

Em tempos de bolivarianismo e lulapetismo, movimentos e tendências políticas inspiradas na revolução socialista bolchevique de Vladmir Lênin, tornada totalitária por Joseph Stálin, será sempre oportuno conhecer um pouco mais da realidade histórica. Não quero aqui provocar discussões doutrinárias. A História não mente. Ela está escrita, documentada e testemunhada. Só não entende quem realmente for obtuso, insensível ou mal-intencionado.




Por Valdemir Martins

26 de abril de 2017.

* Para assistir o filme, tecle Ctrl, segure e clique no link.

11 de mar. de 2017

O Pintassilgo: uma monumental montanha-russa

Acabei de ler um livro monumental. Digam o que quiserem meia dúzia de críticos que não conseguem escrever o próprio nome e precisam depreciar para pretensamente serem apreciados.

A obra-prima ‘O Pintassilgo’*, da norte americana Donna Tartt, é uma raridade literária moderna, estando a autora, para a literatura atual, como George Gershwin está para a música clássica contemporânea. A rigor, um clássico moderno. E consagrado por colegas escritores e pela nata da crítica literária internacional.

Como ‘O Pintassilgo’, há livros que nos fazem imergir em suas linhas e entrelinhas, impactando-nos imensamente com a criação de certa dependência da leitura enquanto não terminada. Comigo aconteceu com ‘O Vermelho e o Negro’, de Stendhal, ‘Servidão Humana’, de W. Somerset Maugham, ‘Crime e Castigo’, de Dostoiévski, ‘Os Pilares da Terra’, de Ken Follet, ‘A Catedral do Mar’, de Ildefonso Falcones, ‘Ana-não’, de Agostin Gomes Arcos, entre outros.

Mas o livro de Tartt é insuperável no seu envolvimento emocional, levando-nos, como sempre acontece com as obras-primas, a escrever mentalmente para o autor o que virá a seguir, segundo gostaríamos. E somos sempre surpreendidos por viradas espetaculares de situações, por refluxos de emoções e pela magistral criatividade aliada ao conhecimento técnico do que está sendo abordado. Em “O Pintassilgo” o leitor faz viagens incríveis pelo mundo da pintura, da restauração e do mobiliário clássico, das drogas e do álcool, da alta e baixa Nova Iorque, do desmoronamento de famílias, do amor e das amizades sinceras. Tudo na contemporaneidade de e-mails e celulares, banhado pelo medo, solidão, traição, profundo amor inconsciente, confiança mútua e separações. Uma leitura como num filme de suspense – por suas impecáveis descrições -, onde o leitor navega por caminhos tortuosos e retos, altos e baixos, numa permanente viagem de montanha russa.

Tudo começa quando o garoto Theo Decker, de treze anos, sobrevive milagrosamente a um acidente que mata sua mãe. Abandonado pelo pai, Theo é adotado pela família rica de um amigo. Estranho em seu novo lar na Park Avenue (NY), perseguido por colegas de escola com quem não consegue se comunicar e, acima de tudo, atormentado pela ausência da mãe, ele se apega a uma pequena, misteriosa e cativante pintura que acabará por arrastá-lo, mais tarde, ao submundo da arte. Antes disso, seu pai reaparece, mudando radicalmente sua vida ao levá-lo para Las Vegas, onde Theo conhece um menino russo que se torna seu amigo íntimo e será responsável por virar a vida do protagonista de cabeça para baixo. Já adulto, Theo circula com desenvoltura entre os salões nobres e o empoeirado labirinto da loja de antiguidades de um “amigo tutor” onde vem a trabalhar. Apaixonado e em transe, ele será lançado ao centro de uma perigosa conspiração internacional.


Em ‘O pintassilgo', Donna Tartt não se limita a contar esta história com grande qualidade literária, como por exemplo, a descrição de uma chuva torrencial ambientando uma cena no começo da obra que faz o leitor sentir-se inteiramente molhado. Mas, ela também nos leva a incríveis reflexões sobre a vida, a sociedade, as trocas e perdas, o amor e a família. Enfim, “é uma hipnotizante história de perda, obsessão e sobrevivência; um triunfo da prosa contemporânea que explora com rara sensibilidade as cruéis maquinações do destino.


*‘O Pintassilgo’ (The Goldfinch) é o nome de uma obra rara do pintor holandês Carel Fabritius (1654), discípulo de Rembrandt e mestre de Vermeer.

**O livro foi vencedor do Prêmio Pulitzer de 2014, categoria Ficção.

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