Numa linguagem simples e direta a sul-coreana Bora Chung desperta nossa atenção, em sua obra Coelho Maldito, para exatamente a importância das palavras simples e diretas proferidas por pessoas em seus comentários. Uma experiência que todos os leitores já devem ter passado na vida, quando explanações ou palavras suas são ignoradas pelas pessoas que mal educadamente fingem que prestaram atenção.
Na realidade o livro traz uma coletânea de contos desta prestigiada escritora oriental sendo esta sua primeira obra publicada fora da Coreia. Coelho Maldito é o título do surpreendente conto de abertura que nos leva a uma fascinante historieta fantasiosa e sarcástica sobre maldição e vingança.
Cabeça, o premiado* segundo conto, é suspense escatológico. O grotesco e o improvável tornam-se ansiosamente envolventes e ressurge a vingança, alertando-nos para a mansidão e a falsidade. O seguinte, Dedos Gélidos, traz a escuridão permeando as narrativas de falsidade e mentira. Menorreia é literalmente uma descarga de improbabilidades, deixando-nos incrédulos. E expõe um alerta importante sobre as narrativas impositivas e tóxicas, principalmente as empregadas pelos poderosos.
Em Adeus, Meu Amor temos um forte alerta sobre a IA (Inteligência Artificial) superando a nossa inteligência normal, sentimental e humana. Já em Armadilha o alerta é sobre a ganância incomensurável e trágica. O abuso e exploração da ingenuidade e da fragilidade humana é o tema do fantástico conto Cicatriz, corroborado pela perda da infância e do sentido da vida.
Lar, Doce Lar é o conto que demonstra o perigo de um anticapitalista que não trabalha e vive do suor e do sacrifício da mulher que, sozinha, adota uma criança inexistente. A seguir, O Senhor do Vento e da Areia desfaz uma maldição e em Reencontro encontra-se permissão para continuar vivendo.
Ao tempo de sua insolência literária, Chung coloca alta dose de simbologia e metáforas em seus textos, deixando fortes recados subliminares aos leitores. Coelho Maldito é uma obra literariamente corajosa e irreverentemente diferenciada e digna representante da cultura popular das gerações contemporâneas. Provavelmente em função disso tornou-se uma das finalistas do International Booker Prize em 2022.
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Valdemir Martins
01.04.2024
*Prêmio Yonsei de Literatura de 1998.
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O coelho maldito; 3. A cabeça na privada; 4. O acidente; 5. O prédio antigo; 6. Boara Chung.