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7 de mai. de 2024

Os arrulhos literários de O Pombo-torcaz.

O polêmico e consagrado escritor e editor francês André Gide, Prêmio Nobel de Literatura de 1947, sempre esteve envolvido na defesa de grupos minoritários e principalmente do homossexualismo, extremamente combatido em sua época. Casado e pai de uma filha, nunca deixou de assumir sua pederastia. O fato veio a público com maior ênfase após a descoberta de seu conto O Pombo-torcaz, publicado postumamente na França em 2002 e no Brasil em 2009 (pela editora Estação Liberdade).

Ao organizar os papéis e documentos de seu pai, Catherine Gide encontrou num envelope o conto inédito, datado de 1907. Segundo ela, “o conto transmite ao leitor a emoção da descoberta erótica, a alegria da cumplicidade, a vitória do desejo e do prazer partilhados”, razão pela qual resolveu publicá-lo. Este fato atraiu-me para a leitura, em se tratando de um grande e polêmico escritor.

Enquanto no rico prefácio, o crítico Jean-Claude Perrier revela que o contexto do escrito ocorreu quando Gide tinha aproximadamente 38 anos, a capa da edição brasileira apresenta, erroneamente, o autor por volta dos 70 anos, incompatível com a obra. Revela também que o autor teve convívio frequente com jovens e que sempre atuou junto a eles não no sentido erótico, mas no contexto moral, recuperando para o bom caminho a maioria deles que convivia com maus hábitos.

O acontecido e narrado neste conto foge a essas experiências de Gide, pois foi algo tão profundo para ele que “comunica uma sensação de frescor e poesia”, segundo Catherine. E realmente, num texto exuberante em sensibilidade, paixão e imensa ternura, seu pai expõe delicadamente todo o teor do encontro. Escrito numa época em que o homossexualismo era não apenas marginal, mas fora da lei, esse breve relato é uma delicada vitória do desejo e da liberdade sobre a hipocrisia.

Pombo-torcaz é a designação comum da espécie Columba palumbus, o mais corpulento de todos os pombos, chegando a medir mais de 40 cm. É a espécie europeia de pombo mais comum. E com arrulhar profundo e característico.

Gide enreda-nos numa comemoração política de um amigo, onde prevalece a companhia de jovens, dado o comportamento jovial de Gide onde ele descobre o adolescente ciclista Ferdinand. Que iria transformar-se no pombo-torcaz, quando num contato físico com o autor, arfava feito o arrulho de um pombo.

Então, num posfácio que supera em volume três vezes o texto do autor, temos detalhados em importância os fatos da vida de Gide, seus familiares e amigos e o destino de Ferdinand. Claro, no mais alto nível literário. Assim, o breve conto converte-se numa rica história de um personagem e de sua época riquíssimos em fatos literários e de vida.

A quem não tiver preconceitos, recomendo a leitura por todo o valor literário que nos traz.

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Valdemir Martins

03.03.2024

Fotos: 1. Capa do livro; 2. O pombo-torcaz; 3. A bicicleta de Ferdinand; 4. Gide e a filha; 5. Catherine Gide; 6. André Gide em 1947 quando ganhou o Nobel.

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