Tido como um dos maiores nomes da literatura latina americana ao lado de Borges, Márquez e Llosa, e o melhor de sua geração, o premiado escritor chileno Roberto Bolaño tem um invejável acervo finalizado pelo excelente livro de contos O Gaúcho Insofrível. Ainda novo, infelizmente teve sua vida interrompida aos 50 anos por uma doença galopante, privando-nos de sua literatura inovadora. Neste livro, concluído pouco antes de sua morte, o escritor aborda degradação e finitude em cinco contos e dois ensaios.
O curto primeiro conto aborda Jim que, como um morto-vivo, revela-se um americano perdido no México depois de sobreviver no Peru. O segundo dá o nome ao livro e trata de um advogado argentino e seu amadurecimento com a família. De forma clara e precisa, Bolaño retrata realisticamente os procedimentos e decisões de uma pessoa madura, apresentando-nos então um velho maravilhoso. Desgraças causadas pelos governantes transformam as vidas do país e do velho protagonista na deliciosa linguagem de Bolaño. Muda-se para sua estância no pampa argentino, pois se recusa a fazer parte de uma sociedade que ele não mais entende. E sua vida muda completamente. E para sempre.
A seguir, O Policial dos Ratos, é uma surpreendente paródia que trata da investigação de estranhos assassinatos de ratos, laboriosamente encabeçado pelo rato policial “Pepe, o tira”. Aqui ele retorna ao tema policial e investigativo que tanto gostava. E até na ficção fica indelével, pelo autor, o perpétuo abuso de poder.
No intenso conto A viagem de Álvaro Rousselot, Bolaño esbanja criatividade para apresentar um escritor argentino à procura de si mesmo em Paris. Um texto literariamente arrebatador, envolvente e sensível. O leitor flutua involuntariamente na liberdade ao acompanhar as peripécias do protagonista. Brilhante.
Já em Dois Contos Católicos, as orações dos personagens e as reminiscências das vidas de santos não evitam a violência das mortes, do frio e da fome. Um jovem e um assassino transitam num mesmo destino sem se cruzarem, num estupendo ato de criatividade e de genialidade literária de Bolaño.
Passando para os ensaios, ou conferências como insistem os críticos, o autor oferece-nos sua própria enfermidade em forma de arte. Já plenamente consciente da gravidade de sua doença no fígado, Bolaño escreve como um ato libertador. Após recomendar o poema “A Viagem”, de Baudelaire, ele conclui o primeiro excepcional texto dizendo que “... tudo chega. Os filhos chegam. Os livros chegam. A enfermidade chega. O fim da viagem chega.”
No derradeiro ensaio, denominado Os Mitos de Cthulhu, o assunto não poderia ser outro senão literatura. A começar pelo título, um monstro clássico de Lovecraft, ele desanda a falar da qualidade da literatura espanhola atual: “Imbatível! Ótima!”. Ironiza os “monstruosos” autores best-sellers por suas histórias amenas e claras. Da mesma forma, valida a crítica ao nível medíocre dos leitores – ou do povo em geral -, ao pensamento fraco, e aos leitores também de autoajuda e telespectadores de Big Brother e novelas. E estende sua crítica aos sistemas educacionais latino-americanos.
Assim, neste exuberante livro tem-se uma radiografia do pensamento e da herança cultural do autor. E, desta forma, Bolaño enfrentou a morte nestes seus derradeiros textos com uma lucidez poética inimaginável. E com esses dois ensaios sobre doença e literatura, leva-nos ao céu e ao abismo de Ulisses; à clara escuridão da mediocridade e da morte.
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01.03.2024
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O comedor de fogo no México; 3. O pampa argentino; 4. O rato policial; 5. Uma aventura em Paris; 6. O assassino e o jovem; 7. Os monstros de Cthulhu; 8. Roberto Bolaño.
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