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9 de fev. de 2018

O gigante não enterrado, mas esquecido.

Apesar de Ishiguro repudiar a classificação desta sua brilhante obra “O Gigante Enterrado” (The Buried Giant) como romance de fantasia, a mestra da fantasia e da ficção científica Ursula Le Guin a considerou uma fábula adulta (“Isso é fantasia, e sua recusa em colocar o rótulo é evidência de que o autor se sente superior a isso.”), com o que concordo. O atual Prêmio Nobel provavelmente está ponderando todas as implicações subliminares do livro, desconsiderando seu formato ou estilo. E ele, com certeza, como criador, está correto, pois somente ele sabe exatamente a fórmula engendrada para transmitir suas mensagens e dar o seu recado.

E deu. Comecemos com o fato de que o gigante enterrado não existe, limitando-se a uma citação inicial de que seria a causa de uma elevação no relevo; uma colina. E aí, as inúmeras montanhas da obra, galgadas com enorme esforço pelos personagens, tomam conta das paisagens, principalmente em seu terço final. Outra figura nessa simbologia do gigante é a memória, enterrada por uma dominante névoa emanada pelo bafo de uma dragoa – provavelmente simbolizando a religião – que causa a perda de memória nas pessoas.

Não li ainda outras obras do britânico Kazuo Ishiguro. Acredito que meu première foi acertado nesta magnífica obra onde são entrelaçados elementos históricos do século oito na Grã Bretanha com suas lendas e mitologia grega. A crendice domina a obra e predomina nos desígnios de vida dos seus protagonistas, dois simpáticos e cativantes idosos que só transmitem amor e bondade. Mesmo nas piores circunstâncias o casal tem sempre uma pergunta ou uma colocação que indica o lado bom das situações ou mostram um novo caminho. Ajudam e são ajudados. É sempre o bem compensando o bem.

Outra conjuntura simbólica é frisada pela ideia fixa dos anciães Axl e Beatrice em visitar o filho em sua aldeia que eles não veem há anos, tão saudoso quanto um defunto querido ou tão distante quanto a vela (ou a luz) que eles não podem ter. A não admissão da perda de algo que muito se ama ou se necessita marca obsessivamente não só a história, como também os principais personagens. O texto registra muitas perdas: históricas, materiais, pessoais e de memória. E as compensações são adquiridas de forma singela, quase natural, mostrando aqui o autor que não se deve extrapolar nas tentativas ou na recuperação de perdas importantes. Existem maneiras simples e leves de se apaziguar o coração e a alma.

Um velho guerreiro descendente do rei Arthur – e seu garboso cavalo -, um jovem competente e impetuoso guerreiro – e sua égua manca –, compreensivelmente antagonistas, convivem tolerantes por solidariedade aos velhos. E um rapazote marcado fisicamente pelo mal e vítima de perseguições, além de um bando de frades do bem e do mal completam as principais figuras dramáticas desta magnífica história.

Como declarou o próprio Ishiguro, esta não é sua principal obra – ele destaca sempre “Os Vestígios do Dia” -, mas com certeza é sua mais profunda reflexão escrita sobre o esquecimento, o respeito e o amor.

Por Valdemir Martins

Em 30 de janeiro de 2018.

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