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28 de abr. de 2021

Verity: bom suspense, com fortes doses sexuais.

Tudo começa muito brando, simplesinho, parece até mais um pobre roteiro de novela de televisão. E, num crescendo, o livro Verity, da dramaturga texana Colleen Hoover, vai se transformando num autêntico e vigoroso thriller psicológico. É sua estreia no gênero suspense.
Com linguagem bastante sucinta e objetiva, sem arroubos de qualidade literária, Hoover leva o leitor para situações corriqueiras, mas de profunda complexidade psicológica, de forma ritmada, gradual, numa tensão perturbadora de expectativas. A autora explora magistralmente as condições e perturbações psicológicas dos personagens. Aos poucos, aqueles leitores mais ansiosos podem até entrar em desespero.

São magistrais as sequências e sobreposições de cenas fortes. E, ao tempo em que a autora desenvolve a permanente tensão do livro e constrói excelentes personagens, premia explicitamente aqueles adeptos de fortes emoções sexuais com frequentes descrições de relações para lá de íntimas.

Com um pensamento de uma das protagonistas, Hoover acaba expondo uma síntese desta sua obra: “O que espreita a mente pode ser tão perigoso quanto as ameaças da vida real”. E, assim, nesse clima a leitura flui com facilidade, mas passa a não convencer quando vai chegando ao seu final, com pontas da história ficando soltas e estranhas. Para mim, apesar de surpreendente, o final é repentino demais e deficiente, como se a história vá ter alguma continuidade.

Realmente aí somente a sua imaginação ou a própria autora para responder.

Valdemir Martins

21.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. a protagonista; 3. o passeio de barco; 4. Coleen Hoover.

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17 de abr. de 2021

Sobre a Terra Somos Belos por um Instante *****

Pense em como você escreveria uma carta para a sua mãe, viva ou falecida, relembrando a vida em comum, o cotidiano compartilhado, as companhias, os momentos ruins e os bons. Como seria? Ah, e não esqueça que sua mãe não sabe ler.

Aqui, neste caso, teria que dosar sua escrita com boas porções poéticas. Pois estou falando do inebriante romance epistolar do poeta vietnamita-americano Ocean Vuong, em sua obra de estreia como romancista Sobre a Terra Somos Belos por um Instante. Este é o mais recente lançamento da Editora Rocco, celebrado vigorosamente pela crítica internacional, principalmente a norte-americana. E você só vai entender esse título após concluir a leitura da obra.

Uma leitura prazerosa que nos faz lembrar, em certas passagens, situações similares ou próximas de algumas que também vivenciamos com nossa família. Mas, certamente, não as escreveríamos em qualquer carta. Mas Vuong, num trabalho autobiográfico, consegue valorizá-las entremeando passado e presente, num misto de narrativa literária com carta-narrativa. Traz à luz vidas diferenciadas, de mundos díspares, e coloca em cheque como podemos curar e resgatar uns aos outros sem deixar de ser o que somos.

Seu texto é esplendoroso. Sem contestações: “Acordo com o som de um animal aflito. O quarto tão escuro que nem sei dizer se meus olhos estão abertos. Uma brisa passa pela janela rachada, e com ela entra a noite de agosto. ...Eu me equilibro no ar negro e vou rumo ao corredor.”

Sua crítica social é suave, ao tempo que ferina e realista, principalmente no contexto da Guerra do Vietnã, seus sobreviventes e interação com os jovens soldados americanos, quase meninos, e a vida de imigrantes na América. Trata do preconceito racial e religioso ao relembrar para a mãe suas passagens como “invisíveis” aos olhos americanos por não falarem o inglês corretamente. Versa sobre perdas; perdas terríveis. Sobre aprendizados e conquistas, lentas, suaves e profundas.

Passagens magistrais serão inesquecíveis, como o trabalho de manicure numa senhora amputada, ou o porquê crianças vietnamitas são chamadas por nomes terríveis. Ou, ainda, a importância da palavra “desculpe”. E alguém se encontrando e encontrando alguém numa fazenda de tabaco. Ou, emocionantemente, a volta de um feto num sonho.

De forma bastante criativa, de repente Vuong narra um fato diferente, estranho ao assunto que vinha abordando e, num jogo de palavras em transição, vai desvendar a dessemelhança numa ligação de história inesperada. Uma técnica literária difícil e rara, mas extremamente encantadora. Assim como ele trabalha os jogos de palavras como trocadilhos de ideias que se completam. Literariamente brilhantes, pois este é um livro para as pessoas sensíveis ou dispostas a sê-lo.

Em mais uma incrível sacada, no terço final da obra, para nos fazer crer que o texto foi escrito por um drogado, vários trechos parecem-nos incompreensíveis, como se resultasse realmente da escrita elaborada sob o efeito de narcóticos. Se assim não for. Apesar de o sexo ser tratado com poesia, transmuta-se em algo que poderia ser violento, mas é apenas colocado aqui como algo verdadeiro e fortuito. Descrições explícitas de atos em exageros de detalhes – até escatológicos - maculam a obra apenas por destoar de seu contexto geral.

Assim, como num grande poema, sua especialidade, Ocean Vuong, a grande revelação literária americana, brinda-nos com um pequeno compêndio de contos de sobrevivência sempre dos mesmos personagens. A sobrevivência no cotidiano. Os destroços e os resumos de um sonho.

Exatamente isso. Sobre a terra somos belos por um instanteUma obra diferente, encantadora. Nos limites da linguagem.

Valdemir Martins

18.04.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Fugitivos do Vietnã; 3. Fazenda de tabaco; 4. Preparo de heroína; 5. Búfalos em queda;  6. O autor Ocean Vuong.

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11 de abr. de 2021

Waterloo: o triunfo da bestialidade humana

Após admirar o meticuloso trabalho de pesquisa histórica e de costumes da obra literária do competente e brilhante galês Ken Follett, deparo-me agora com outro incrível trabalho detalhista e preciso de pesquisa histórica de outro britânico: o livro Waterloo, do veterano londrino Bernard Cornwell. Este é seu primeiro trabalho de não ficção, publicado em 2014, tratando da batalha que derrotou, definitivamente para a história, o imperador francês Napoleão Bonaparte.

Afastando-nos da simplicidade inconclusa da publicidade do livro que diz “A história de quatro dias, três exércitos e três batalhas”, podemos destacar a complexidade dessa história real proporcionada por Cornwell, apresentando detalhes importantíssimos para se entender um momento histórico ímpar que culminou com a queda decisiva de um dos maiores gênios militar de todos os tempos: o persistente e inabalável Napoleão.

Reflexões estratégicas, imprevistos naturais e do acaso, dramas pessoais, glórias relembradas, o contragolpe de Bonaparte, dramáticas cenas da guerra com e sem batalhas, dentre outros contextos, dão corpo a um bem estruturado texto. O enredo é a própria espantosa história que a competente narrativa de Cornwell revive. O que mais impressiona, em destaque, são a prepotência e arrogância do líder francês e as intermitentes confusões de seus comandados ao não entender explicitamente suas ordens estratégicas.

Esses dois aspectos, predominantemente, aliados à competência, visão e experiência militar – somados a um pouquinho de sorte - do comandante inglês Arthur Colley Wellesley, o Duque de Wellington, além da fidelidade das tropas aliadas da Prússia (Alemanha), Nassau (Holanda) e Bélgica, conduzem quase duzentos mil homens a três renhidos e sangrentos combates campais, tornando-se das mais conhecidas e famosas batalhas da história da humanidade. E Cornwell, fiel à verdade, descreve-as impiedosamente e de forma crescente em detalhes que chocam e impressionam ao mais frio leitor.

Todas as guerras são cruéis. Mas estas batalhas descritas por Cornwell
apresentam-nos características que pouco conhecemos em outras guerras geralmente mostradas em filmes e livros e restritas às primeira e segunda guerras mundiais e às lutas de espadas e flechas de períodos mais antigos. Estas de Waterloo são diferentes devido à utilização basicamente de artilharia de canhões e obuses primários, com munições e técnicas extremamente destrutivas; a cavalaria com espadas e lanças e a infantaria em combates na maioria das vezes corpo a corpo, com sabres, baionetas e lanças e, contra a cavalaria, os mosquetes simultâneos. Imaginem as estratégias para a utilização de tal variedade de destrutivas armas nos momentos apropriados.

O autor utiliza-se de trechos de cartas e depoimentos de participantes de todos os lados desse evento bélico, até reproduzindo alguns trechos cruciais, o que traz bastante realismo e credibilidade à obra.

Após esta leitura, com certeza você irá refletir sobre a estupidez e a bestialidade humanas. Tudo foi real. Não se trata de um filme ou uma narrativa de ficção. A guerra sempre foi a atitude mais irracional e criminosa do ser humano e as batalhas de Waterloo, aqui brilhantemente retratada por Bernard Cornwell, bem atestam essa ignomínia que percorre e entremeia toda a história da humanidade.

Valdemir Martins

10.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Localização da batalha; 3. Napoleão ; 4. Duque Wellington; 5. Uso de canhões; 6. Batalha na cidade; 7. Bernard Cornwell.

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