“E, de inopino, a resposta lhe
ocorreu. Soltou uma risada. Agora que a tinha, ela era como um desses
quebra-cabeças que nos obsedam até que alguém nos mostre a solução; ficamos
então a imaginar como aquilo nos pode escapar. A resposta era evidente. A vida
não tinha sentido.”
Quem gosta de ler, sempre tem um
livro favorito, marcante. Um, dois, dez, cinquenta. Tudo depende,
evidentemente, do nível dos livros que se lê em face ao seu gosto pessoal. Mas
sempre há aquela obra que nos fascina, intoxica a alma, entranha-se no coração
e nos marca a mente.
Terminei a leitura de um desses.
Uma obra prima – também assim considerada – de William Somerset Maugham, denominada
por este britânico talentoso de “Servidão Humana”. Pelo título, presume-se a
dimensão e profundidade da mesma. Considerado pela crítica como um dos romances
mais emblemáticos do século XX, é uma narrativa clássica da pré-adolescência e entrada na idade adulta contando
a história de Philip Carey, alter ego de Maugham na sua juventude,
dividido entre o fervor religioso da família anglicana e o desejo de liberdade
que os livros, as artes e os estudos lhe dão a conhecer. Na sua ânsia por
independência e aventura, Philip, mesmo com uma deficiência física, sai de casa
em busca de uma carreira como artista em Paris. Mas os seus planos vão ser
postos em causa quando se apaixona perdidamente pela mulher que mudará a sua
vida para sempre. Sua deformidade lhe moldará o caráter e devido a ela irá adquirir o poder da
introspecção através da qual desenvolverá a sua intensa apreciação da beleza, a
sua paixão pela arte e pela literatura, e o seu interesse pelo espetáculo da
vida.
Relato inigualável sobre o poder do desejo e
da sede de liberdade do homem moderno, Servidão Humana coloca-nos
friamente perante a nossa própria visão da vida, as nossas dúvidas e o poder
transformador das decisões. Somos levados a nos deparar inúmeras vezes com
situações que exigem decisões, sacrifícios, ousadia. Você deseja isso, mas,
talvez, como o personagem, ver-se-á às voltas com soluções que não são suas.
Você com certeza tem um lugar garantido na obra. Sofrerá muito como o próprio
protagonista. Ficará feliz, ansioso, sofrido. Viajará por livros e obras de
arte. Ansiará para que Philip tome as decisões corretas, suas atitudes lhe
darão nos nervos, mas você acabará incorporando-o. Um herói rico e denso que certamente possui alguma
faceta com a qual qualquer leitor logo se identifica.
Um raro romance que não aborda sexo e dele
independe. Em contraposição, explora a moral a braçadas, sem se tornar chato,
apenas reflexivo. Um livro que constrói, mesmo em suas páginas mais tenebrosas.
Desde a adolescência, minha britânica senhora
professora de língua inglesa recomendava-me esta leitura. Mas somente agora
tive este ensejo e a sorte de conseguir um exemplar de 564 páginas, volume 19
da coleção Os Imortais da Literatura Universal, da Editora Abril, de 1971, com
a brilhante tradução do português António Barata (a qual recomendo). Hoje,
infelizmente não se encontram novas edições e uma obra prima como Servidão
Humana acha-se esgotada nas livrarias. Uma excelente alternativa são os sebos
digitais, como o Estante Virtual, onde você encontra vários exemplares da obra
por valores irrisórios (R$ 4,00), por incrível que pareça. Não perca a chance!
Por Valdemir Martins, em 14/10/2016
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