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13 de dez. de 2016

A Melhor Defesa de Deus.

Pare de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a Minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti. 


Baruch Spinoza, ou Bento Espinosa em sua língua mãe, fundador do racionalismo e da moderna filosofia, sempre foi um contestador das religiões. Não por ser ateu. Ele sempre acreditou no Criador, mas de uma forma natural, pura, sem vícios humanísticos como a prevalente nas igrejas, templos e sinagogas. Filho de família judaica portuguesa, nascido e criado em Amsterdã, favorito do rabino por sua inteligência, desde cedo começou a contestar as cerimônias da sinagoga e a dar interpretações corretas, simples e racionais aos textos religiosos. Excomungado do judaísmo holandês, viveu como artesão, professor livre de teologia e como filósofo. Por seu racionalismo, fundou o criticismo bíblico moderno. Sua definição de Deus – abaixo reproduzida - deixa bem claro o posicionamento de sua escola. O difícil, sem dúvida, é contestá-lo sem esbarrar na religiosidade e, portanto, no sentimentalismo religioso e no interpretativo fantasioso.

Esta introdução faz-se imperativa para abordarmos mais uma obra excepcional de Irvin D. Yalom intitulada “O Enigma de Espinosa”. Este escritor judeu americano, psicoterapeuta e fascinado estudioso de filosofia que escolheu estudar medicina por se sentir mais perto de Dostoievsky ou de Tolstoi, não poderia deixar de ser, assim, um grande escritor.

De fato, nesta obra adentramos nas vidas de duas personagens centrais – e reais -, por um lado temos Bento Espinosa – como dito acima - e por outro, Alfred Rosenberg, um forte ideólogo e criador de algumas das principais crenças do Nazismo, com uma estranha fascinação por Espinosa. Ambos, com o liame do grande poeta Goethe como um enigma. Os capítulos vão alternando entre as vidas dos dois protagonistas e, ao explorar a de Spinoza, nos é permitido penetrar em seus pensamentos e ideias, como também mergulhar numa época conturbada, com a inquisição perseguindo os judeus por toda a Europa, mas especialmente pelos governos ibéricos e luteranos alemães. Já na abordagem da vida de Rosenberg, é explorada a sua personalidade e pensamentos, a sua interação com Hitler, além de episódios decisivos para a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha. A forma que o autor cria diálogos ficcionais entre as personagens (que retratam pessoas reais) é credível, a narrativa explora diversos tópicos, onde podemos encontrar filosofia, psicologia, teologia, historia e política, além de termos apresentada uma dualidade de conceitos, pelo meio da narrativa, e ainda nos deparamos com fatos históricos passados no século XVII e no século XX.

Desta forma, Yalom explora a mente de dois homens separados por trezentos anos, dois homens que mudaram o rumo do mundo, as vidas interiores de Espinosa, o virtuoso filósofo secular, e de Rosenberg, o ímpio assassino de massas. Yalom tem um talento único para personificar de forma inesquecível os maiores pensadores da História. Deixa-nos fascinados e os seus livros marcam-nos para sempre, como são o caso dos best-sellers “Quando Nietzsche Chorou” e “A Cura de Schopenhauer”.


O Deus cósmico e universal de Espinosa

Em seu “Livro I da Ética e no Tratado sobre a Religião e o Estado”, Espinosa delineia a sua concepção de um Deus despersonalizado e geométrico, contrária a todas as formas de se idealizar Deus como uma espécie de entidade, oculta e transcendente, que age conforme os seus desígnios e a sua vontade suprema. Vejamos:
“Pare de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que eu fiz para ti.
Pare de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pare de me culpar da tua vida miserável: eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pare de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho..., não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor. Pare de me pedir perdão. Não há nada a perdoar.
Se eu te fiz, eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse, como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pare de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pare de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pare de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... Aí é que estou batendo dentro de ti.

Baruch de Espinosa (1632-1677)

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2 de dez. de 2016

A 25ª hora é a do começo ou a do fim?


“A Sociedade Técnica reintroduziu o desprezo pelo ser humano. Hoje, o homem se limita à sua dimensão social... Talvez devêssemos partir. Já é tarde.

- Meu relógio parou – disse. - Pode me dizer a hora, pai?

- É a vigésima quinta hora!

- Não entendi – estranhou o filho.

- Acredito piamente em você. Ninguém quer entender. É a vigésima quinta hora. A hora da civilização europeia.”

(Época: período das atrocidades recorrentes do pós II Guerra Mundial.)


Por aqui, queriam eliminar a importante história das Guerras Mundiais do currículo escolar. Na Europa, berço dessas beligerâncias, aprende-se na escola. Sem reconhecer os fatos históricos desses períodos será impossível conhecer o Homem pré-contemporâneo, responsável principal pelo que o mundo é hoje. A ganância humana pelo poder e, para isso, o uso indiscriminado da força, levou as tradicionais civilizações europeias ao caos. Sob múltiplas justificativas - ameaça territorial e econômica, supramacia política, limpeza étnica e religiosa, e ambições inúmeras – foram liberadas as bestialidades humanas da inteligência e do corpo.
Impossível de se ensinar e de se demonstrar nas escolas a selvageria humana que transcendeu as guerras. Nos livros didáticos, tudo cabe num relato bastante simplificado e muito mais comportado do que numa descrição mais detalhada dos fatos, assim, para não assustar as crianças ou os adolescentes. Ou mesmo, para não incutir-lhes violência, segundo algumas correntes pedagógicas.
Daí a importância de se ler e recomendar a leitura – responsabilidade de pais e educadores - de obras de historiadores sérios e mesmo alguns romances históricos baseados em pesquisas de fatos reais e depoimentos de testemunhas. E esse, dentre tantos outros, é o caso do livro “A 25ª Hora”, do romeno Virgil Gheorghiu.
Escrito durante seu cativeiro, quando Gheorghiu foi preso pelas tropas norte-americanas no fim da Segunda Guerra Mundial, este livro narra a história de Iohan Moritz, um camponês romeno que é equivocadamente denunciado como judeu por um gendarme que lhe cobiça a esposa. E sua odisseia, a partir daí, é indescritível: trabalhos forçados, prisioneiro, soldado, desertor, ferido, herói, prisioneiro, prisioneiro... enfim, prisioneiro, condição que lhe é imposta sucessivamente por vários governos, por vários domínios, por vários exércitos. Consegue sobreviver graças à sua ingenuidade e à companhia de seu amigo intelectual romeno Traian Koruga – o personagem escritor que deu o título ao livro.


Queira-se ou não, este é praticamente um documento histórico. Ambientado num cenário sufocante, irrespirável, narra as barbaridades humanas contra o meio ambiente e principalmente, contra a própria humanidade e seus valores mais pessoais e íntimos. Mais do que em qualquer aula de história, o “professor” Gheorghiu nos ensina sobre todas as desavenças e as barbáries perpetradas em função da cobiça, da ambição política, da conquista e da preservação do poder, da supremacia em todas as circunstâncias e até da soberba e da saciedade sexual. Isso tudo, no período pós-guerra, tão brutal e estúpido quanto ela própria, e pouco conhecido, pelo menos por aqui. Especificamente, o autor nos apresenta a brutalidade e selvageria não dos nazistas, mas dos bolcheviques russos, turbas de ferozes, cruéis e sanguinários soldados do nordeste europeu.
     O









O livro teve várias edições brasileiras por diversas editoras. A edição atual é da Intrínseca, detentora dos direitos de publicação.

Além de seu valor como documento histórico impressionante, o livro nos traz a crítica do autor, às vezes até utópica, mas correta e honesta em sua essência, no que diz respeito ao que ele designa a "sociedade técnica ocidental", ou seja, num conceito mais contemporâneo, a sociedade tecnológica ou pela tecnologia dominada como hoje, e isso, surpreendentemente escrito na década de 1940.
“A 25 a hora” revela-se uma condenação não só do nazismo e do militarismo, como de todo tipo de totalitarismo, além da sociedade tecnológica. Um romance emocionante, com reflexões atuais e necessárias.
“O título do livro faz alusão a um momento onde todas as alternativas de socorro já não são mais possíveis, a última hora do dia já passou, não há mais nada que possa evitar a destruição do homem.” (Frase do prof. Elvis Fernandes – FAM).

Virou um filme clássico

Em 1967, o diretor turco, radicado na França, Henri Verneuil, numa produção ítalo/francesa/iugoslava, lança o filme A 25ª Hora (La vingt-cinquième heure), estrelado por nada menos que o fantástico Anthony Quinn, como Johann Moritz, e pela belíssima e talentosa Virna Lisi, como sua esposa Suzanna. Considerado hoje um clássico, o filme é referência às interpretações soberbas de Anthony Quinn.
Se quiser, você pode baixar o filme gratuitamente: http://www.filmesclassicosraros.com.br/a-vigesima-quinta-hora/

Por Valdemir Martins, em 02/12/2016.

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