Sempre ouvi o ditado “nem tudo
que brilha é ouro”. E ao ler o aclamado Cem Anos de Solidão, do consagrado
escritor colombiano Gabriel García
Márquez, tive a exata sensação de estar no âmago da frase, pois apesar de
todo o brilho do autor, sua obra máxima está além do ouro e resplandece como um
grande diamante.
A
solidão do título se impregna na maioria de seus personagens, seja um cigano,
um padre, um ourives, uma múltipla mãe solteira, um líder revolucionário... E
para contradizer todo esse conceito, seu protagonista é uma família. E seu hábitat,
Macondo, uma fictícia cidade, esta sim, solitária e longe de tudo, no meio de
um pantanal, que floresce e depois desaparece.

Gabo – como também é conhecido Márquez
– arrasta-nos para um ambiente efervescente e tumultuoso como a própria
história recente da América Latina. De repente o leitor está ingressando lenta
e figurativamente nas entranhas de um continente que entrou em ebulição no
século 19 e não parou até nossos dias, principalmente nas terras e pátrias de
colonização espanhola.
Essas regiões permanentemente
revolucionárias e seus anti-heróis são incrustadas por Gabo em seu romance de
forma criativamente brilhante com base nas histórias contadas por seu avô sobre
as guerras entre conservadores e liberais nas disputas por poder na Colômbia de
quase dois séculos atrás. Junta-se a esse poderoso contexto personagens de
gloriosa inspiração, ricos em características e personalidades típicas
regionais, das mais ignorantes, simplórias e surreais às mais inteligentes,
fortes e diferenciadas.
A universalidade é outra
característica patente na obra. Gabo contextualiza a transcendência histórica e
geográfica de diferentes culturas e épocas, fugindo assim do que poderia ser
chamado de regionalismo barato. Sua linguagem exuberante e poética – às vezes
até grotesca - demonstra sua capacidade
de entender e expor (e até subliminarmente criticar) as nuances da diversidade
humana.
Os cem anos passam rapidamente
numa leitura extremamente aprazível em suas cerca de 450 páginas, escritas em dezoito meses (1965 a
1967). E a solidão saltitante de personagem em personagem demonstra e
registra sua presença tanto no poder como na labuta doméstica; tanto na ordem
quanto nos desmandos e arbitrariedades, tanto nos inimigos como nas amizades.
O leitor, sem dúvida, toma um
porre de Aurelianos e Arcadios, no incrível e fantástico nascer e renascer de
personagens. Mas, ao integrar o fantástico ao cotidiano dos personagens, Gabo
pontua cada geração de Aurelianos e Arcadios permitindo que não os confundamos
como os gêmeos, da terceira ascendência, com esses mesmos nomes que resolveram trocar
de identidade mutuamente. Uma tirada excepcional do autor.
Possivelmente, além de beber nas
obras do mexicano Juan Rulfo – pai do Realismo Fantástico latino americano -,
Gabo tenha sofrido influências dos textos do chamado “teatro do absurdo”
produzidos pelo romeno Eugène Ionesco, pelo irlandês Samuel Beckett e pelo
francês Jean Genet. Além da fantasia, cenas com tratamento inusitado de
aspectos da vida dos personagens e da cidade são constantes nesta obra,
transcendendo o tempo de forma magistral.
Um livro repleto de conteúdo; inteligente,
criativo, cheio de histórias contadas por Gabo de forma envolvente trazendo-nos
aventuras, romances, dramalhões, guerras e religiosidade como o fio condutor de
uma família. Destacam-se, então, as ironias, as análises de caráter, o
envelhecimento solitário, o valor das amizades e da família, bem como críticas
aos costumes, à falsidade e à hipocrisia. E, apesar de tudo, fala de amor, de
bondade e de liberdade. E, claro, de solidão.
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Valdemir Martins
28.01.2025
Fotos: 1. Capa do livro; 2. Um dos prováveis mapas da fictícia Macondo; 3. A imortal matriarca; 4. O revolucionário patriarca; 5. A incrível árvore genealógica; 6. As borboletas de um dos delírios de personagens; 7. O autor colombiano Gabo, Gabriel García Márquez.
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