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19 de fev. de 2025

A rápida passagem dos Cem Anos de Solidão.

Sempre ouvi o ditado “nem tudo que brilha é ouro”. E ao ler o aclamado Cem Anos de Solidão, do consagrado escritor colombiano Gabriel García Márquez, tive a exata sensação de estar no âmago da frase, pois apesar de todo o brilho do autor, sua obra máxima está além do ouro e resplandece como um grande diamante.

A solidão do título se impregna na maioria de seus personagens, seja um cigano, um padre, um ourives, uma múltipla mãe solteira, um líder revolucionário... E para contradizer todo esse conceito, seu protagonista é uma família. E seu hábitat, Macondo, uma fictícia cidade, esta sim, solitária e longe de tudo, no meio de um pantanal, que floresce e depois desaparece.

Gabo – como também é conhecido Márquez – arrasta-nos para um ambiente efervescente e tumultuoso como a própria história recente da América Latina. De repente o leitor está ingressando lenta e figurativamente nas entranhas de um continente que entrou em ebulição no século 19 e não parou até nossos dias, principalmente nas terras e pátrias de colonização espanhola.

Essas regiões permanentemente revolucionárias e seus anti-heróis são incrustadas por Gabo em seu romance de forma criativamente brilhante com base nas histórias contadas por seu avô sobre as guerras entre conservadores e liberais nas disputas por poder na Colômbia de quase dois séculos atrás. Junta-se a esse poderoso contexto personagens de gloriosa inspiração, ricos em características e personalidades típicas regionais, das mais ignorantes, simplórias e surreais às mais inteligentes, fortes e diferenciadas.

A universalidade é outra característica patente na obra. Gabo contextualiza a transcendência histórica e geográfica de diferentes culturas e épocas, fugindo assim do que poderia ser chamado de regionalismo barato. Sua linguagem exuberante e poética – às vezes até grotesca -  demonstra sua capacidade de entender e expor (e até subliminarmente criticar) as nuances da diversidade humana.

Os cem anos passam rapidamente numa leitura extremamente aprazível em suas cerca de 450  páginas, escritas em dezoito meses (1965 a 1967). E a solidão saltitante de personagem em personagem demonstra e registra sua presença tanto no poder como na labuta doméstica; tanto na ordem quanto nos desmandos e arbitrariedades, tanto nos inimigos como nas amizades.

O leitor, sem dúvida, toma um porre de Aurelianos e Arcadios, no incrível e fantástico nascer e renascer de personagens. Mas, ao integrar o fantástico ao cotidiano dos personagens, Gabo pontua cada geração de Aurelianos e Arcadios permitindo que não os confundamos como os gêmeos, da terceira ascendência, com esses mesmos nomes que resolveram trocar de identidade mutuamente. Uma tirada excepcional do autor.

Possivelmente, além de beber nas obras do mexicano Juan Rulfo – pai do Realismo Fantástico latino americano -, Gabo tenha sofrido influências dos textos do chamado “teatro do absurdo” produzidos pelo romeno Eugène Ionesco, pelo irlandês Samuel Beckett e pelo francês Jean Genet. Além da fantasia, cenas com tratamento inusitado de aspectos da vida dos personagens e da cidade são constantes nesta obra, transcendendo o tempo de forma magistral.

Um livro repleto de conteúdo; inteligente, criativo, cheio de histórias contadas por Gabo de forma envolvente trazendo-nos aventuras, romances, dramalhões, guerras e religiosidade como o fio condutor de uma família. Destacam-se, então, as ironias, as análises de caráter, o envelhecimento solitário, o valor das amizades e da família, bem como críticas aos costumes, à falsidade e à hipocrisia. E, apesar de tudo, fala de amor, de bondade e de liberdade. E, claro, de solidão.

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Valdemir Martins

28.01.2025

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Um  dos prováveis mapas da fictícia Macondo; 3. A imortal matriarca; 4. O revolucionário patriarca; 5. A incrível árvore genealógica; 6. As borboletas de um dos delírios de personagens; 7. O autor colombiano Gabo, Gabriel García Márquez.

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