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23 de fev. de 2021

As Sombras do Mal: um texto do mau.

Autores que partem do estranho para o coloquial é, mais uma vez, a marcante característica de mais uma obra de ritmo alucinante da dupla norte-americana Guillermo Del Toro e Chuck Hogan. Estou falando do livro As Sombras do Mal: As Fitas de Blackwood (vol. 1), recém-lançado pela Editora Intrínseca.

A criatividade superlativa de Del Toro – já demonstrada em O Labirinto do Fauno e A Forma da Água – somada ao suspense consagrado de Hogan já nos brindaram com a fantástica Trilogia da Escuridão. Porém, nesta nova parceria para o que pretende ser uma trilogia macabra, eles tentam nos arrebatar com o pífio enredo sobre um ser maligno ancestral que vaga pela Terra desde o início dos tempos. Isso, entrelaçado aos dramas pessoais de uma insegura agente do FBI.

Um ser etéreo maligno está à solta e pode assumir o corpo de qualquer pessoa. Um gancho incrível para o desenvolvimento de situações fortemente emocionantes e horripilantes. Mas, lamentavelmente, o tema é explorado de forma branda, sem a força que um fato terrível como este pode oferecer.

Por não ter grande abrangência dramática, limitando-se às desgraças pessoais de três protagonistas, o texto patina e não comove. E a obra é uma tremenda decepção. Uma história com fatos sempre previsíveis, muito, mas muito diferente do sempre surpreendente enredo da Trilogia da Escuridão que tanto encantou quem se deleita com esse tipo de histórias.

O que mais nos faz estranhar essa obra é o fato de ser bastante perceptível a falta de contexto e conteúdo para ser um enredo realmente empolgante. Parece até que os autores estavam com preguiça de pensar e escrever, além de uma absoluta falta de criatividade. As situações são bastante improváveis e as soluções patéticas. Um livro puramente comercial, sem valor literário.

Lamentável para um autor, roteirista e diretor da grandeza e do talento do premiado mexicano Guillermo Del Toro.

Se mudarmos o título do livro para “As sombras do Mau” seria mais adequado. Nesta, Del Toro foi mau!

Valdemir Martins

18.02.2021

Fotos: 1. capa; 2. Mortos atacando vivos; 3. A caixa de correio de Manhattan; 4. Guillermo Del Toro

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6 de fev. de 2021

O Terror: realmente, um livro para fortes. *****

Leitores ansiosos e impacientes não devem ler O Terror, primeiro livro do premiado escritor estadunidense de ficção científica e terror Dan Simmons lançado no Brasil. Trata-se de uma caudalosa obra de aventura histórica, baseada em fatos reais, entremeada de uma aterradora fantasia, especialidade de Simmons. 

E não há como escapar: para relatar a torturante e perigosa viagem histórica do capitão inglês Sir John Franklin, em 1845, à procura da cobiçada Passagem Noroeste, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico através do Círculo Polar Ártico, há a necessidade de detalhes. E eles são fundamentais para se entender o que deu certo e errado nesta famosa peripécia oficial da Real Marinha Britânica há quase dois séculos.

Entre o certo e o errado, acontece o pior: um ser tenebroso passa a fazer parte dos personagens e intromete-se no enredo, tornando tudo muitas vezes pior do que poderia ser. Isto, numa região inóspita, enregelante, extremamente mutante, onde nem a bússola funciona por estarem quase diretamente sobre o polo magnético, no extremo norte do Canadá. Assim, para o leitor não ficar tão desorientado quanto a tripulação, recomendo abrir o mapa da região na internet e ilustrar-se dos locais de agruras dessa gente. Vale a pena.

Para reconstituir essa história, Simmons enreda-nos numa atmosfera sufocante, congelante e muito, muito escura e obscura, numa época de tecnologia e medicina muito elementares e limitadas. A aflição é permanente. O leitor participa como ouvinte incrédulo das conversas, relatos e reuniões dos comandantes e oficiais das duas reforçadas embarcações Erebus e Terror, as mais fortes para enfrentar o gelo glacial e munidas com os equipamentos mais modernos da época.   

O trabalho de pesquisa histórica, geográfica e científica de Simmons é brilhante, reinventando de maneira original uma das mais sedutoras histórias da exploração marítima no século XIX. Conduz-nos à fascinante narrativa quase lendária do Sir John Franklin, num crescente de suspense, incredulidade e terror. Pela permanente condição de ambiente e situações inóspitas, essa incredulidade é permanente, principalmente para nós de um mundo de tecnologia que se renova a cada hora e por não conhecermos uma atmosfera extremamente gélida como a deste livro.

Simmons não escreve tão bem quanto Jules Verne, mas esta aventura nada deixa a desejar às do consagrado escritor francês, reforçadas pela persistente névoa de terror que envolve o texto. O autor é hábil ao estruturar o enredo, partindo de uma história real documentada em registros oficiais da Marinha Real Britânica e dos diversos diários dos oficiais da expedição. Retrospectivas e belos momentos de recordações, além da fantasia, descontraem e iluminam o que poderia ser um chato relato de viagem. É um incrível livro de aventuras que, superados os 5% mais pesados e iniciais do texto, quem gosta do gênero não consegue largar a leitura.

Porém, próximo à metade do livro, um capitão, em sua condição de abstinência, entra em delirium tremens, com uma sequência aborrecida de visões, desestimulando até a continuidade da leitura. Mas não se engane. A partir daí a obra recrudesce e entra num ritmo alucinante, descortinando efetivamente o terror e o desespero, dominando o leitor com narrativas sufocantes, escatológicas, enregelantes e, enfim, insuperáveis em sua constância de crueldade. Realmente, um livro para fortes.

Depois de muita escuridão ao longo do livro, Simmons brinda-nos com uma linda lenda esquimó, trazendo luz, então, a toda a escuridão que atravessamos na leitura. E um final deslumbrante como uma aurora boreal.

O livro gerou a antológica minissérie de televisão The Terror, do Ridley Scott, que estreou nos Estados Unidos e no Canadá em 2018. No Brasil, pode ser vista no streaming Amazon Prime. Mas, não recomendo a série por ser extremamente condensada, perdendo detalhes riquíssimos do livro e desvirtuando seu enredo. Seu final óbvio, diferente do livro, foi elaborado para pessoas extremamente racionais, sem a beleza que a sensibilidade dos leitores pode desfrutar com o ápice da obra escrita.

Valdemir Martins

03. FEV. 2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Local da tragédia; 3. O navio Terror encalhado; 4. Capitão irlandês Francis Crozier; 5. A esquimó Silna; 6. Barco salva-vidas com sobreviventes; 7. O autor  Dan Simmons.

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