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22 de out. de 2024

Vento Vazio que enche todas as mentes.

Reminiscências, boas e más, são o muito que sobra para boa parte dos idosos. E nada além disso ou de uma vida inútil, dependente e estagnada. Não fossem os mais jovens, os velhos teriam sobrevivência naquele lugar? É nesse espírito que a escritora mineira Marcela Dantés principia seu romance Vento Vazio.

E, não, não desgruda depois de começada a leitura dessa linda obra. Com uma linguagem descontraída, fluente, rica e criativa, Dantés romanceia um local de ventania constante e cortante, gelada, ou um lugarejo tão árido que contamina a alma das pessoas. O que de mais novo tem – além dos nenéns -, é velho: torres eólicas há muito abandonadas. E com elas, o protagonista velho há muito tempo.

Velho e vizinho da morte e narrador mágico do lugarejo e seus personagens, vivos e mortos. A fictícia Quina da Capivara, na longínqua mineira Serra do Espinhaço, um aglomerado de oito casas, uma venda, a capela e quatro torres esquecidas.

Entram em destaque na segunda parte, duas novas protagonistas narradoras, antes personagens. Antes distantes; agora próximas, apesar de distantes. Você vai entender. Uma delas, inclusive, com o segredo de uma escavação. A outra, um pouco citadina, tida como maluca por suas reações imprevisíveis e surpreendentes.

São os capítulos das mulheres. Fortes, diferenciadas e até estranhas para a maioria de nós, também citadinos. Mulheres, assim como a autora, que contam tudo. Duas únicas famílias comparecem à obra: uma destruída pelo fogo, outra pelas tetas de uma das mulheres.

Já na terceira parte, outra mulher – também personagem anterior -  enlouquece de vez na figura de uma adolescente libertina e liberada por absoluta falta de estrutura familiar. Consequentemente, sua narrativa é desregrada e erotizada, em dosagem bem superior à das outras mulheres. E a morte, que já vinha crescendo, com ela torna-se uma ode. Uma ode à morte. Uma ode assimétrica. Uma loucura.

Como grande coadjuvante no enredo temos o vento constante que assola o lugar. Um “vento que enlouquece”, segundo a autora. O Vento Vazio que maltrata e enlouquece os moradores; participa de tudo e que ali em tudo está presente. “...só o vazio inteiro que cabe no fim do mundo, não tem ninguém, não tem mais ninguém mas continua ventando.

Desmonta figuras religiosas, cheirando assim a crença gnóstica, apesar de abusar de experiências transcendentais. Em seu estilo inovador, Dantés traz renovações literárias. Embala-nos em um ritmo narrativo deleitoso, palatável e até surpreendente. A construção tanto dos protagonistas como dos demais personagens é gradual e cativante. Cada faceta é relevante. Cada fato uma surpresa. Um romance com aroma de poema.

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Valdemir Martins

29.08.2024

Fotos: 1. Capas do livro. 2. O velho sobrevivente; 3. As velhas torres eólicas; 4. Os coronéis do sertão; 5. A muralha da Serra do Espinhaço; 6. A amante do coronel; 7. A autora Marcela Dantés.

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