Reminiscências, boas e más, são o
muito que sobra para boa parte dos idosos. E nada além disso ou de uma vida
inútil, dependente e estagnada. Não fossem os mais jovens, os velhos teriam
sobrevivência naquele lugar? É nesse espírito que a escritora mineira Marcela Dantés principia seu romance Vento
Vazio.
E, não, não desgruda depois de
começada a leitura dessa linda obra. Com uma linguagem descontraída, fluente,
rica e criativa, Dantés romanceia um local de ventania constante e cortante,
gelada, ou um lugarejo tão árido que contamina a alma das pessoas. O que de
mais novo tem – além dos nenéns -, é velho: torres eólicas há muito
abandonadas. E com elas, o protagonista velho há muito tempo.
Velho e vizinho da morte e narrador
mágico do lugarejo e seus personagens, vivos e mortos. A fictícia Quina da Capivara, na longínqua mineira Serra do Espinhaço, um aglomerado de
oito casas, uma venda, a capela e quatro torres esquecidas.
Entram em destaque na segunda
parte, duas novas protagonistas narradoras, antes personagens. Antes distantes;
agora próximas, apesar de distantes. Você vai entender. Uma delas, inclusive,
com o segredo de uma escavação. A outra, um pouco citadina, tida como maluca
por suas reações imprevisíveis e surpreendentes.
São os capítulos das mulheres.
Fortes, diferenciadas e até estranhas para a maioria de nós, também citadinos.
Mulheres, assim como a autora, que contam tudo. Duas únicas famílias comparecem
à obra: uma destruída pelo fogo, outra pelas tetas de uma das mulheres.
Já na terceira parte, outra
mulher – também personagem anterior - enlouquece de vez na figura de uma adolescente
libertina e liberada por absoluta falta de estrutura familiar. Consequentemente,
sua narrativa é desregrada e erotizada, em dosagem bem superior à das outras
mulheres. E a morte, que já vinha crescendo, com ela torna-se uma ode. Uma ode
à morte. Uma ode assimétrica. Uma loucura.
Como grande coadjuvante no enredo
temos o vento constante que assola o lugar. Um “vento que enlouquece”, segundo
a autora. O Vento Vazio que maltrata e enlouquece os moradores; participa de
tudo e que ali em tudo está presente. “...só
o vazio inteiro que cabe no fim do mundo, não tem ninguém, não tem mais ninguém
mas continua ventando.”
Desmonta figuras religiosas,
cheirando assim a crença gnóstica, apesar de abusar de experiências
transcendentais. Em seu estilo inovador, Dantés traz renovações literárias.
Embala-nos em um ritmo narrativo deleitoso, palatável e até surpreendente. A
construção tanto dos protagonistas como dos demais personagens é gradual e cativante.
Cada faceta é relevante. Cada fato uma surpresa. Um romance com aroma de poema.
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Valdemir Martins
29.08.2024
Fotos: 1. Capas do livro. 2. O velho sobrevivente; 3. As velhas torres eólicas; 4. Os coronéis do sertão; 5. A muralha da Serra do Espinhaço; 6. A amante do coronel; 7. A autora Marcela Dantés.
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