Inebriante! Talvez não seja o adjetivo mais adequado para definir o belíssimo romance O Pacto da Água, do médico e escritor etíope americano Abraham Verghese, um destaque entre os best-sellers campeões do New York Times. Mas, fica difícil escapar dessa definição depois que se inicia a leitura da obra. Você simplesmente não consegue parar.
A água, presente no título, e a medicina inundam toda a obra. E nesse aluvião Verghese revela-se um perito em enredar situações, biografias e histórias. Sem dúvida, trata-se de uma saga familiar, com diversos protagonistas, elaborada numa linguagem direta, descrições precisas, rica na elucidação dos cenários e diálogos dinâmicos, entremeados de colocações poéticas e precisões políticas, históricas e geográficas.
É o enredo de uma família hindu cristã do sul da Índia, marcada por um carma, como acredita ter boa parte das famílias daquela região. O livro desenvolve-se revelando os costumes e diferenças daquela população de forma desenvolta e com o uso dos nomes originais das coisas, entre apetrechos, roupas, comidas, profissões, frutas, peixes, por exemplo.
Após rápida e dramática escala na Escócia, a narrativa prossegue na tradicional cidade de Madras (hoje Chennai) no Golfo de Bengala, no leste da Índia, com o médico Digby, trazendo uma crítica refinada à colonização inglesa na Índia, embrutecida pelo esnobismo e discriminação da maioria dos britânicos que lá atuaram. Aí surge um médico sueco, que além de competente, surpreende-nos com suas atitudes espiritualistas e humanitárias. E faz o primeiro link entre as histórias dos protagonistas.
Verghese expõe a hoje abominável separação social por castas na Índia, atingindo níveis inacreditáveis de intolerância e preconceito - graças à incivilidade -, condenando as castas inferiores à extrema pobreza e suprema ignorância. A independência da Índia do jugo colonialista britânico e o maligno risco comunista percorre também todo o enredo.
Então, algo inédito e surpreendente: a cena de uma relação sexual absolutamente sublime e nada erótica é outra proeza literária elaborada por Verghese, onde o autor se supera. Como já disse no início, simplesmente inebriante.
Em meio a diversas situações médicas, brilhantemente descritas por Verghese - que é médico -, tornando-as acessíveis aos leigos, dramas passageiros e até arrasadores desenrolam-se numa atmosfera excepcionalmente humanística que permeia toda a obra. Alguns momentos tristes que nos tocam profundamente podem trazer lágrimas aos olhos, pois ao correr da leitura passamos, involuntariamente, a amar alguns protagonistas e personagens.
Esta obra tem o dom de a cada personagem introduzido no enredo, gerar uma rica figura ou situação que abrilhanta o livro, mantendo-o num alto nível de excelência literária. Personagens fascinantes, diálogos preciosos, informações valiosas, históricas e contundentes constituem o liame e a espinha dorsal da formação da maravilhosa saga. Esta obra somada à anterior O Décimo Primeiro Mandamento demonstra que Abraham Verghese já está a merecer alguma premiação literária expressiva e as atenções mais profícuas dos membros do conselho da Academia Sueca do Prêmio Nobel.
Na gíria, um livro gigante; no popular, um livro maravilhoso. Ou seja, uma gigantesca e maravilhosa obra literária, com drama, romance, aventura, poesia, culinária, geografia, artes e muita medicina para os que gostam de uma ótima e inebriante leitura. Imperdível!
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Valdemir Martins
24.05.2024
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O Sul da Índia; 3. A predominância dos rios; 4. O elefante amigo da família; 5. As maravilhas de Tamil Nadu; 6. A estação de Madras; 7. As inundações das Monções; 8. Abraham Verghese.
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