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18 de abr. de 2022

Véspera: a dramaticidade suprema

Muito provavelmente você jamais colocaria nomes como Barrabás, Zebedeu ou Gestas em seus filhos, pelas evidentes conotações maléficas oriundas da Bíblia. E é um nome precito como esses que traz à baila o contexto do excelente livro Véspera, da talentosa escritora mineira Carla Madeira, segundo autor brasileiro mais lido em 2021.

Num texto envolventemente criativo, Madeira joga com ideias e palavras de forma magistral num enredo narrado em dois tempos, em meio ao alcoolismo, ao radicalismo e temor religiosos e ao forte e pavoroso sentimento de perda em todos os personagens.

A autora coloca em pauta questões religiosas polêmicas, demonstrando a força da religião no caráter das pessoas, com personagens fragilizadas por supostos sacrilégios -tornando-se inseguras e indecisas perante a vida - e até um sacerdote querendo provar que Deus pode ser violento.

Neste conturbado romance, Madeira expõe uma família infeliz que atravessa uma tragédia urbana, no melhor estilo grego, cujos membros, numa disputadíssima prova de revezamento por protagonismo, brilham em suas respectivas performances e tornam-se personagens inesquecíveis do romance brasileiro.

Uma obra que destaca, além dos chamados desígnios de Deus, o livre arbítrio humano e sua capacidade – ou não – de tomar decisões e impor atitudes. O ser humano precisa, para sua sobrevivência e para viver em sociedade, constantemente tomar decisões.

O que comer, o que vestir, que nome dar aos filhos, quanto gastar, dar um presente, escolher amigos, fazer uma reclamação, que curso fazer, que programa assistir, que livro ler, hora do banho, e por aí vai. Intermitentemente e eternamente decidindo. E é disto que a mineira Madeira trata dramaticamente neste livro, demostrando de maneira romanceada, com muita criatividade e num texto deslumbrante, o cotidiano de uma família desestruturada desde suas origens.

Uma decisão errada, uma atitude titubeante, um olhar distraído e pronto, pode-se mudar uma ou várias vidas. Usando esse subterfúgio, a autora explora a complexidade e a diversidade da família na linha central desta sua obra. Consegue levar-nos a uma viagem com todos os tipos de emoções, desde tensão e suspense a leves traços de humor e de familiaridade com personagens e situações.

Carla Madeira é sem dúvida uma das melhores escritoras brasileiras contemporâneas, infelizmente ainda sem o devido reconhecimento do público, e somente recuperada graças à visão literária (e comercial, claro) da Editora Record. Carla lançou seu primeiro livro, “Tudo é Rio”, em 2014 pela Editora Quixote, o qual, apesar do sucesso de crítica, não decolou. Fica a nossa forte recomendação.

Valdemir Martins

15.04.2022 

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Caim e Abel; 3. A loja de ferragens; 4. Matemática; 5. Fazendo tricô; 6. Carla Madeira

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