Romances policiais, via de regra, envolvem sempre um criminoso,
policiais e investigadores como protagonistas. Não é o caso, por exemplo, do
livro A Boa Filha, da norte-americana Karin Slaughter.
Nesta obra, a autora nos enreda num clima de desespero cruciante logo no início
do livro, não por uma, mas por duas sequências descritivas diferenciadas do
mesmo fato, após a narrativa de um brando e corriqueiro cenário familiar. E
como num degradê literário invertido, o fato volta a ser relatado quase ao
final da obra, numa riqueza de detalhes dramáticos que dificilmente o leitor
deixará de se emocionar.
Sim, logo no início o leitor perde o fôlego. Como num tropeção, ele cai
de um universo regular para um profundo e assombrador mundo de horrores, pelas
descrições apavorantes e nauseantes, que traduzem o mais profundo desespero. Uma
dessas sequências é novamente descrita por outra personagem e, sem ser maçante,
parece um novo fato.
A autora faz dessas situações seu diferencial literário. E, na sequência,
ingressa em narrativas descritivas de detalhes de pressões e fatores
psicológicos sem ser cansativa. Neste caminho, constrói cenários, estrutura
histórica e constituição dos personagens.
Longe de ser um John Grisham, Slaughter parte para uma nova narrativa
onde usa como condimento novo fato mixado com as narrativas anteriores,
construindo um romance excepcional e de imensa expectativa, criando grande
ansiedade no leitor. Um drama familiar acompanha todo o desenrolar das ações do
enredo, tendo até alguns curtos diálogos um pouco maçantes, mas de fundamental
importância na estrutura da obra.
Traumas de infância, violência diversa, escatologia, técnicas jurídicas,
dramas pessoais e familiares, luto e fisiologia marcam este surpreendente A Boa Filha como um livro denso, porém
de leitura fluida e final inesperado.
Excelente entretenimento com doses
culturais.
Valdemir Martins
06.09.2022
Fotos: 1. Capa do livro; 2. Atentado na floresta; 3. Atentado na escola: 4. Acusação popular; 5. Karin Slaughter.
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