Mudos ou não, o baiano Itamar Vieira Júnior faz seus pouco conhecidos
personagens falarem em sua brilhante obra Torto Arado, recém-ganhadora do Prêmio
Oceanos 2020, a mais importante láurea literária da Língua Portuguesa. Não
bastasse a proeza, a obra de estreia de Vieira já havia triunfado em 2018 – ano
de seu lançamento - ao arrebatar o Prêmio Leya.
Não há diálogos grafados no
texto, mas eles proliferam no enredo na medida em que o leitor vai se envolvendo
– sim, pois neste livro você não apenas lê, mas envolve-se fortemente – na
história da família do Seu Zeca Chapéu Grande e da comunidade local de Água
Negra, na Chapada Diamantina, Bahia.
A escrita extremamente simples e límpida de
Vieira esconde uma história e um ambiente rural brasileiro complexos e pouco
conhecidos. A humildade e a inocência do rico elenco de características únicas e
comoventes vão transformando-se numa epítome de ótimas reflexões da vida,
principalmente pelas irmãs que narram a maior parte desta história.
Vieira
consegue a proeza de escrever como mulher, uma vez que as contadoras dos dramas
familiares são duas jovens e uma criatura encantada. Nas narrativas
apresentam-se a tradicional estrutura rural do sertão brasileiro e seu legado
ainda com alguns resquícios escravocratas.
Por ter formação e doutorado em
Estudos Étnicos e Africanos e por sua experiência em trabalhar com comunidades
típicas e originais da região – claro, além do talento literário -, o autor
alcança um nível autêntico de expressão, de denúncia e de protesto, sem a
necessidade de mimicar, tornando claras as vozes de deficientes,
afrodescendentes, indígenas, mulheres, os ainda semi-escravizados e os que vivem
em servidão. Apesar do regionalismo do romance, a linguagem clara e sucinta de
Vieira subentende um tesouro de universalidade somente encontrado em grandes
mestres brasileiros nesse tipo de narrativa, como Graciliano, Rosa, Nassar, Lins
do Rego e Rachel de Queiroz.
Na saga desta família e de sua comunidade
quilombola as injustiças crescem na proporção de suas proles. Os costumes
simples e paupérrimos podem até chocar alguns, da mesma forma que revolta
outros. A narrativa de Vieira sobre o definhamento e passamento de um dos
personagens-chave, por exemplo, é arrebatadora e comovente, tanto quanto a
descrição do velório que a segue, com seus sons, gestos, costumes. Emocionante.
O lirismo nas descrições da natureza, das crenças, das pessoas, das tipicidades,
somados à história dos povos do sertão com suas peculiaridades exíguas ditadas
pela tradição e a violência dos coronéis, tornam a obra um testemunho fundamental para se entender importantes aspectos dos pouco conhecidos quilombolas.
Guarde
este nome: Itamar Vieira Júnior. Estamos felizmente diante de mais um grande
talento literário brasileiro. Um escritor de verdade, com estrutura, forma e
conteúdos dignos de figurarem na ABL, ao contrário de alguns poucos que
presentemente lá estão.
Vieira honra aqui o nome de seu
genitor, sua formação e seu cargo público. Espero que assim continue, sem
despencar para o polemismo e a militância. Precisamos dele no rol dos grandes
escritores brasileiros. Seja bem-vindo!
Valdemir Martins
10.01.2021
Fotos: 1. capa do livro; 2. quilombola típico; 3. tapera da comunidade rural; 4. cerrado baiano; Itamar Vieira Junior.
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Amei o livro, leitura emocionante, que ao mesmo tempo ,nos entristece diante da dura realidade descrita nos diálogos...Parabéns..!!
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