Desde o primórdio dos tempos a
mulher costumava ser secundária. Nem Charles Darwin – ou mesmo Freud -
conseguiria explicar satisfatoriamente esta distorção comportamental do ser
humano, não fosse o fanatismo cristão. Muitas teorias foram desenvolvidas, inclusive religiosas e cientificas.
Pode-se atribuir à predominância da força física do macho, à condição feminina mais
delicada pela maternidade, aos instintos naturais ou ao que mais se aproximar à
realidade de cada um. Mas, independentemente das condições de guerreiras, deusas,
fadas, caçadoras, rainhas, atletas, bruxas, santas, educadoras, policiais ou
executivas, ainda hoje o ranço da hegemonia machista se faz presente, e de
forma inescrupulosa em sociedades patriarcais e de preeminência religiosa.
Atravessando o tempo, um livro essencial,
em particular, registra, em meados do século XIX, de forma magistral a
colocação da mulher no secundário. Falo de “Madame Bovary”, a magnífica obra
prima de Gustave Flaubert, onde a bela protagonista Emma, afogada na sua
condição de mulher, antes filha, depois esposa, mãe e, finalmente, amante,
submete-se aos martírios lhe impostos pelos algozes da sociedade rural machista
daquele tempo.
Emma foi uma mulher forte para a
época. Sabia exatamente o que queria; era decidida, corajosa e fogosa. Mas, no
lar, egoísta, nunca soube conquistar seu marido como homem e seu relacionamento
com ele era apenas como mãe e dona de casa. Graças a um esposo acomodado – um
médico provinciano medíocre -, retrógrado e com muito pejo, Emma precisou ser
mulher fora de casa. Tudo isso, descrito de forma bastante realista por
Flaubert, sem retoques românticos e já com alguns leves toques parnasianos. Com
o surgimento do discurso indireto livre de Flaubert, onde a personagem ocupa,
com certeza, o lugar do tradicional narrador na literatura, Emma passa à sua
condição real de mulher. Uma mulher em busca de vida.
Uma mulher forte como
protagonista e fraca como heroína. Uma mulher que correu atrás do que realmente
queria. Ambiciosa, superou obstáculos sociais, familiares, religiosos e
físicos. Na realidade, superou-se para ser mulher não importando quem estava a subjugar.
E, por isso, pagou muito caro por seus desmandos em todos os sentidos.
Um dos clássicos mais famosos e
polêmicos da literatura mundial, Madame Bovary traz o realismo para a
literatura de forma definitiva, graças ao talento maiúsculo de Gustave
Flaubert. Alcançou um nível de texto fabuloso para transformar o que poderia
ser uma simples história piegas numa das principais obras da literatura
mundial, um dos marcos do fim da escola romântica. Flaubert, por retratar
fielmente uma época, não teve condições de suplantar os resquícios do ainda
forte machismo então predominante. Mas soube superar arquétipos e colocar a
madame a correr com todos os seus lobos, lembrando aqui a importante obra da psicanalista junguiana estadunidense Clarissa
Pinkola Estés, intitulada “Mulheres que Correm com os Lobos”, dento da qual
esta história de Emma também se ajustaria perfeitamente.
Por Valdemir Martins em 07/12/2017.
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