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11 de jun. de 2025

A Mais Recôndita Memória dos Homens.

Falar, ler e escrever sobre assuntos literários para mim é e será sempre um regozijo. E foi o que me proporcionou a leitura de A Mais Recôndita Memória dos Homens, obra mundialmente consagrada do premiado senegalês Mohamed Mbougar Sarr. O desejo de ser escritor – mesmo que não se reconheça a incapacidade por falta de talento - é sempre o fantasma que povoa sua formação. E esta é a prazerosa deambulação inicial deste livro.

Inspirado na história real do escritor malinês Yambo Ouologuem, primeiro negro a conquistar o prestigiado prêmio literário Renaudot, e que depois de quatro anos teve seu livro recolhido por acusação de plágio e sumiu sem deixar rastros, Sarr desenvolve seu enredo em homenagem a ele por considerá-lo injustiçado.

Com linguagem às vezes rebuscada, quase grandiloquente, mas sempre poética, o culto Sarr traça uma narrativa sobre um livro escrito por um senegalês, tido como uma obra prima universal, mas recolhido e esgotado e que não se encontra em parte alguma, como seu autor T. C. Elimane. A obra torna-se uma obsessão do protagonista, motivando-o a ser escritor, num provável álter ego de Sarr. Em busca de inspiração, tem um encontro com uma escritora consagrada – à qual chama de Aranha-mãe – e que altera completamente a orientação de sua vida.

Repleto de reflexões filosóficas, pretensas ou não, o relato do autor não sofre aqueles hiatos  terríveis que costumam tornar aborrecidas muitas obras. Contrariamente, enriquece as narrativas de situações e lhes proporciona importante qualidade literária. Tudo bem dosado com linguagem vulgar entremeada, concedendo à obra uma aura de um estilo peculiar raro na literatura consagrada. Consegue até fortes impactos  cometendo sacrilégios como um diálogo onírico com Jesus Cristo em paralelo a uma frenética atividade sexual de amigos.

Reflete, então, sobre a condição de escritor, à mercê de tudo e do nada, obrigatoriamente na solidão, enquanto em trabalho, como previsto pelo chileno Roberto Bolaño na epígrafe deste livro. E continua para uma profunda reflexão, algo prolixa, sobre a herança deixada pelos escritores africanos mais antigos que em nada contribuíram para o reconhecimento principalmente da literatura negra nativa.

Sem pretensões, sugere uma real (e polêmica) comparação entre os valores literários europeus dos séculos XIX e XX e a atual produção literária dos novos valores africanos. E não deixa de ter razão ao percebermos o crescente número de obras de boa ou excelente qualidade literária surgida neste século, representada principalmente pelo Nobel de 2021, o tanzaniano Abdulrazak Gurnah, pela ganesa Yaa Gyasi, pelo etíope
americano Abraham Verghese, pelo ugandense Mahmood Mamdani, pelo Chinua Achebe e mais Chimamanda Ngozi (Nigéria), Wole Soyinka (Nigéria), Nadine Gordimer (África do Sul) e José Eduardo Agualusa (Angola). Isto, sem considerar os já consagrados branquelos Mia Couto, Artur Pestana (Pepetela) e J. M. Coetzee (Nobel de 2003).

Em todo o livro Sarr efetua contraposições de épocas e de locais. O texto se desenrola em costuras atemporais, entremeadas por pontos romanceados interligados que compõem o enredo de fundo, confeitado forte e longamente por críticas ao mundo da literatura.

Acredito que nesta obra Sarr quebre inúmeras e intocáveis barreiras do mundo literário, principalmente aquele que repele a cultura africana e consagra quem já é consagrado. A história é pinçada com precisão para ilustrar sua avaliação crítica de obras literárias. O que, com certeza, lhe proporcionou a conquista da maior láurea francesa que é o Prêmio Goncourt, um indicador de tendências literárias.

Enfim, o livro transcorre, em linhas gerais, na procura pelo desaparecido autor T. C. Elimane e a obsessão do protagonista e demais personagens por sua única obra. Uma leitura difícil e que exige muita concentração, conhecimento e gosto pela literatura.

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Valdemir Martins

05.05.2025

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Yambo Ouologuem, o escritor malinês injustiçado; 3. Capa do livro premiado de Ouologuem; 4. O bar dos encontros em Paris; 5. O diálogo ficcional com Cristo; 6. Uma das ilustrações da capa do livro; 7. O autor Mohamed Mbougar Sarr.