O alarido difundido pela
Companhia com o livro O Sol na Cabeça, do novato e morador carioca
Geovani Martins, abarcou até seis páginas de Jeronimo Teixeira na Veja,
rasgando o verbo pra elogiar o garoto. Botaram até frases do Moreira Salles e
do Chico Buarque como se um deus tivesse nascido, papo reto. Resolvi comprar o
bagulho e o li, inteiro, num só tranco, neste domingo.
Assim como Rachel, Graciliano e
João Cabral nos desvendaram os sertões nordestinos, Geovani escancara-nos os
morros do Rio de Janeiro, despejando através de sua impiedosa e surpreendente
escrita, o ambiente, a realidade e a vida da molecada, dos adolescentes e de
suas famílias nas favelas. E de forma magnífica, revela as realidades
acobertadas nas frequentes matérias da imprensa e jamais registradas pelo
público leitor, ouvinte ou telespectador. Nada lhe escapa – o narcotráfico, os
nóias, a polícia corrupta, a macumbeira, os evangélicos, a inocência, a violência,
o amor, as drogas (todas), a linda borboleta, a família, as novinhas, a amizade, a
penúria, o trabalho, a escola – pois ele é fruto desse reino.
O livro, enfim, apesar de suave,
é impactante e marca o nascimento de potencial grande escritor caso venha a se
preparar culturalmente para isso. Nesta obra de estreia ele usa da oralidade
popular com a coragem de criar contos inteiros no linguajar dos “moradores”,
como ele designa quem reside na favela – em nenhum momento fala em “comunidade”
como a imprensa hipócrita costuma usar -, fazendo-nos vivenciar o real, o autêntico
diálogo e dialeto local. Conto seguinte, volta ele ao português convencional,
porém com muito estilo.
De origem humilde, Geovani tem o
talento e soube aproveitá-lo na composição desta obra superlativa. Seu texto
vai de uma situação para outra, mesmo no conto curto, como numa montanha-russa.
Sai do suspense para a violência e pá, está no lirismo. Nesta obra claramente
autobiográfica, ele consegue narrar cenas atrozes presenciadas e situações de
pressão e terror sem qualquer ranço de revanche ou vingança, o que bem
demonstra a maturidade do autor apesar de sua pouca idade. Ou seja, é habilidade
nata.
Geovani está longe ainda de Machado, Graciliano, Rachel e Cabral, mas tem tudo para ser mais um
grande escritor brasileiro: talento, sensibilidade; conta com o apoio de uma
excelente editora e, agora, o ambiente carioca em ebulição envolvendo integral
e diretamente os morros cariocas, palco e manancial dos dramas e das histórias para
novos trabalhos do autor.
Sob a influência da escrita do
autor desatei a escrever este artigo. E assim, mano, acabei usando expressões
por ele ditas pro bonde.
Valdemir Martins
12/03/2018.