Dos espasmos sexuais
aos engasgos mercadológicos.

Nada contra os livros melados de doce amor, bebida, suor e
sexo de E. L. James e Sylvia Day. Antes da catástrofe, outros tons desse cinza literário
já vendiam muito, mas ainda não serviam de norte por serem mais discretos e por
terem capas coloridas. Escritores como Nicholas Sparks, Danielle Steel e
Nora Roberts, com todo o seu dramático melaço amoroso, sempre foram campeões.
Infelizmente, para a literatura como um todo e felizmente para a s editoras,
que assim conseguiram se manter para lançar – para sorte dos apreciadores de
leitura mais nobre - também livros mais dignos e com teor literário de qualidade.
No ano da tragédia, eu dava
consultoria e tinha uma pequena livraria, onde fazia questão de atender
pessoalmente meus clientes. Quem então procurava o “Cinza” – invariavelmente
mulheres – eu tentava induzir a levar também uma obra prima fortemente sensual de
D. H. Lawrence: “O Amante de Lady Chatterley”. Esta - uma obra de 1928 que foi
censurada e proibida no Reino Unido até 1966, quando foi liberada - tornou-se
um bom argumento de vendas para as sedentas ninfomaníacas e sodomitas.
Nesta sua maravilhosa obra
Lawrence descreve detalhadamente - e com uma forte carga de lirismo - as cenas
amorosas mais íntimas da Lady com o guarda-caça da propriedade, uma vez que seu
amado marido ficou paraplégico e impotente. Mas, jamais chega próximo às
descrições incendiárias e muitas vezes grotescas dos “Cinzas”.

O reinado britânico tem um rico histórico de ótimos livros censurados além deste. O brilhante “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, por exemplo, também foi proibido por muitos anos, por abordar o homossexualismo. Em Portugal tivemos a proibição de “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queirós, por revelar que o padre pulava a cerca da amante. “Lolita”, obra prima do russo Vladimir Nobokov, foi censurado em pleno século 20 na França e na Inglaterra. Todos pelo teor erótico, como se não tivesse existido o comportamento “ilícito” de “Madame Bovary”, criado pelo realista francês Gustave Flaubert.


Aqui pelo Brasil, no espírito da matéria, alguns diriam que o buraco é mais embaixo. Obras mais vulgares como “Eu e o Governador”, de Adelaide Carraro (1967), e “A Volúpia do Pecado”, de sua grande rival Cassandra Rios, foram a sensação das leituras às escondidas numa sociedade ainda falsa puritana e sob forte censura do regime militar. “Feliz Ano Novo”, de Rubem Fonseca, também chegou a ser proibido pelos militares em 1976, e até o grande Jorge Amado causou algum espanto nas hostes tradicionalistas.

No atual contexto brasileiro ironicamente
temos uma espécie de “censura invertida”, prejudicando as editoras e os
livreiros pelo recrudescimento
da crise econômica que levou o negócio livreiro nacional à situação que todos
sabemos. Num mercado em queda e em crise, os livros de sacanagem mantêm-se
firmes e os de autoajuda, juvenis, esoterismo e religiosidade sobressaem nas
vendas por razões óbvias diante de 13 milhões de desempregados. E o prejuízo,
mais uma vez, é da cultura literária.





Este, ironicamente, continuará nos tons de cinza.
Valdemir Martins, em 24/6/2019.