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2 de jul. de 2019

Um Anjo Caído e Outro Morto


A justiça divina pode ser estranha ou cruel, dependendo do credo, conforme seus escritos beatificados. Mas, em termos religiosos, Justiça, via de regra, conota punição. O que dizer, então, da justiça dos homens? Tanto no Ocidente como no Oriente a Justiça pode, da mesma forma, ser exacerbadamente rigorosa e irracional ou branda demais e inexistente. Constatações estão aí no cotidiano e na História.

E quando, então, se trata de fazer justiça com crianças? Nada muda, a não ser os sentimentos dos adultos quanto ao assunto, encorpando o exagero ou fragilizando as lições, e raramente se culpando.

O livro O Culpado (The Guilty One), obra de estreia da escocesa Lisa Ballantyne (2012), arrasta-nos impiedosamente para o aterrador assassinato de um menininho de oito anos num parque e a suspeita de que seu amiguinho de onze anos seja seu algoz.

A narrativa é emocionante e envolvente. E num ping-pong com o pesado julgamento do menino Seb (Sebastian) e o passado turbulento de seu advogado Danny (David), a autora tem a competência criativa de apresentar, de forma sempre dissimulada na trama, seus principais personagens e os “crimes” por eles cometidos.

Todos temos deslises involuntários ou não em nossa existência. E Lisa sabe muito bem explorar esse fato no desempenho de um policial, um vizinho, um advogado, um jornalista, uma mãe, um pai ou quem quer que seja que participe da história. O enredo traga o leitor que, inconscientemente, vai avaliando e julgando as atitudes dos personagens e, sem perceber, comparando fatos de sua vida com a dos protagonistas.

Trata-se de uma obra profunda na análise psicológica dos personagens e de uma sociedade extremamente preocupada com aparências e julgamentos alheios. E isso é demonstrado com força principalmente na atuação maléfica da imprensa – o que não é novidade - considerando Seb, mesmo antes do julgamento, um monstro assassino de anjos, demonizando-o e moldando assim a opinião pública, colocando-a totalmente contra o garoto antes da sentença do tribunal.

Lisa Ballantyne
David é um reputado causídico com grande experiência em episódios de delinquência juvenil, mas perturba-se com este julgamento já que muitas vezes sua meninice invade seus pensamentos conforme os fatos vão progredindo. Sua infância catastrófica é maravilhosamente apresentada pela autora com detalhes que mexem na sensibilidade de qualquer leitor.


Essas passagens do passado são muito intensas – assim como o julgamento de Seb – de uma forma bastante realista e muitas vezes chocante. A cada passagem estaremos refletindo forçosamente sobre nossos próprios passos como pais, filhos, professores, vizinhos, colegas, cidadãos. Lisa escava e exuma nossas culpabilidades, pois se trata de uma obra sobre a culpa. A culpa de todos nós.



Valdemir Martins
30/6/2019.

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