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23 de out. de 2019

Um inesperado e exótico romance glacial ****


Desde sempre os Homens aprenderam a sobreviver e acabaram por dominar a inóspita e cruel região do círculo polar ártico. Civilizações remotíssimas por lá estiveram a partir de 5 mil a.C., seguidas por vikings e mais recentemente, a partir do século XIX, com modernas embarcações e até balões, o Homem Branco frustra-se e não sobrevive às rigorosas intempéries e impensáveis condições de sobrevivência glacial. Foram inúmeras as expedições fracassadas, com muitas tragédias, enfrentadas por eles que, por mais que se organizassem, não tinham um mínimo de preparo e de conhecimento do que realmente é viver à média de 70 graus negativos no inverno e a dias e noites que duram até seis meses.

Cena do filme
Somente os Homens - como se intitulam os Esquimós - conseguiram essa proeza, lá vivendo desde tempos imemoriais e desenvolvendo uma cultura própria, inacreditável, inaceitável e rigorosamente difícil para a civilização moderna. A partir de fatos reais, o ítalo-americano Hans Ruesch escreveu um dos mais estranhos e fascinantes romances de nossos tempos: Sangue sobre a Neve (Top of the World), já imortalizado também em filme por Anthony Quinn e Peter O’Toole em 1960.

Primeiro contato com brancos
Traduzido para mais de vinte idiomas e com um grande número de edições, esta obra alcançou sucesso e popularidade. É um romance emocionante que não só tem o apelo e charme do exótico. Através de suas páginas, vivemos as aventuras e desventuras de uma pequena família de esquimós naquelas extensões intermináveis ​​de gelo e na longa noite glacial.

Os costumes, os mitos, a atmosfera íntima do iglu, as corridas vertiginosas nos trenós, a caça, enfim, toda a vida familiar dessas pessoas simples e cordiais está neste romance emocionante e doloroso.

Iglu típico da região polar
Esta realista história de Ernenek, a formação de sua família, as agruras por que passam, o difícil relacionamento com os brancos que invadem seus territórios e desrespeitam sua cultura, e suas tradições nada costumeiras para nós, torna-se uma dramática e reveladora novela. Numa linguagem objetiva, célere e contundente, Ruesch escancara a degradação de uma cultura pura, enraizada nas mais dramáticas e primitivas técnicas de sobrevivência, nas quais qualquer ser humano da atualidade jamais conseguiria viver.

Meio de transporte único
O povo esquimó, na época de ambientação do livro, tem características distintas do homem branco. Eram analfabetos, com valores, crendices, técnicas, conhecimentos, hábitos diferenciados das demais civilizações, com maneiras caracterizadas de se relacionarem com o mundo e com a sua comunidade. Por isso, a maioria das passagens da obra é surpreendente, trazendo muito suspense, escatologia, situações tristes e outras vezes cômicas, mas sempre mantendo aquilo que deveria ser um mantra na sociedade moderna: alegria, ingenuidade, honestidade e solidariedade.

Sabe-se que os esquimós enxergam mais de 30 tipos de branco (cor), ele não nasce com essa capacidade, ele a adquire, ele a aprende. Isto significa que não é necessário ser filho biológico de um Esquimó para conseguir enxergar os 30 tipos, basta que desde criança seja ensinado por um adulto.

Vila esquimós e brancos
Mas, como habitual, o Homem Branco chega para deteriorar tudo, com suas armas, suas bebidas, seus costumes e, nefandamente, com seu credo. Como acontece na atualidade, os pregadores religiosos confundem, aterrorizam, ameaçam e exploram os ignorantes, os puros e os ingênuos. “As regras do Homem Branco, que ao invés de trazer algo de útil, que sirva para alguma coisa, e que esteja em falta, como mulheres, os homens trouxeram suas leis, que para os Esquimós não servem para nada, apenas para gerar discórdia e conflito”, disse Ernenek. É o que retrata este dinâmico romance.

Hans Ruesch
Com certeza, por causa desses líderes religiosos e da ganância da civilização, hoje os esquimós estão praticamente extintos ou radicalmente modificados.

No entanto, este é um livro para ser guardado para o entretenimento, a cultura e principalmente como guia de sobrevivência do Homem Branco – ou quem o suceder – quando vier a nova Era Glacial insistentemente apregoada pelos cientistas do mau tempo e os catastrofistas de sempre. Guarde o seu exemplar. Vai que eles estão certos... Este livro lhe será muito útil.

Valdemir Martins
07.10.2019