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Capa com a ilha errada |
Contive-me na infância e na
juventude, mas agora, maduro, após ler uma síntese biográfica do escritor e
jornalista britânico Daniel Defoe, rendi-me a Robinson
Crusoé. Um livro exuberante do início do século XVIII (1719) e que,
portanto, há mais de trezentos anos nos ensina lições de vida.
Na realidade é um livro dirigido
a adultos, pois para eles foi escrito, e talvez maçante para jovens apesar de
suas grandes aventuras. Porém, uma obra importante na formação desses mesmos
jovens por suas inumeráveis reflexões para tomada de decisões e descrições de
procedimentos básicos de sobrevivência e produção de artefatos artesanais,
alimentos, vestuário, navegação e defensas.
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Fazenda de cana na Bahia séc. XVIII |
Escrito no formato quase
epistolar, o livro apresenta-nos a história de um jovem inglês sonhador que
queria ser marujo e passa por muitas dificuldades em navegações atlânticas,
vira prisioneiro de muçulmanos, torna-se fazendeiro rico no Brasil – algo
raramente citado nas sinopses e críticas à obra – e acaba como náufrago,
reinventando sua subsistência. Grande parte do livro Defoe dedica às aventuras
de Crusoé numa ilha onde luta pela sobrevivência por longo tempo.
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Localização da ilha de Crusoé |
O enredo é baseado numa história
real do náufrago escocês Alexander Selkirk, perdido por quatro anos numa ilha
do Pacífico Sul, em frente ao Chile, hoje denominada Ilha Robinson Crusoé. Este
fato tem confundido alguns críticos e jornalística que se referem a essa ilha
como a qual o personagem viveu, quando na verdade a história da obra de Defoe
passa-se na Ilha de Tobago, no Caribe, na costa venezuelana.
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Nau portuguesa do século XVIII |
A obra é um primor de criatividade
nas aventuras e situações inusitadas, mas peca nas inúmeras – e às vezes
infindáveis em longos parágrafos – citações bíblicas e reflexões sobre
religiosidade (Deus, pecado e a Providência), perfeitamente compreensíveis e
aceitáveis pela própria formação do autor e pela forte predominância da igreja
católica na cultura da época, período da feroz Inquisição Católica em Portugal e na Espanha. E passa a ser o
liame da sobrevivência do solitário Crusoé num local inóspito e deserto. Assim, afirmo que Defoe conseguiu colocar Robinson Crusoé sozinho, de forma primorosa e
brilhante, entre Deus e o diabo na terra do nada.
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Silvícolas da época |
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Paraíso encontrado por Crusoé |
Seu final é surpreendente, com o –
agora empresário milionário – protagonista Crusoé e seu servo Sexta-feira
vivenciando novas aventuras agora em plena Europa. Um final que também valoriza
o lado bom das pessoas e compensa com honras a grande virtude da verdade e da
honestidade.
É um livro importante para a
história da formação do romance moderno por seu ineditismo ao apresentar de
forma singular a estrutura colonialista, religiosa, geográfica e econômica da
época. A história já inspirou quadrinhos, desenhos animados e vários filmes,
inclusive do gênio Luis Buñuel, e proporcionou incontáveis produções literárias
ao longo dos séculos.
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Daniel Defoe |
Mas, por seu conteúdo reflexivo e
de ponderações bastante sérias sobre a vida, medos e sobrevivência, e apesar de
conter muita aventura, não deveria ter jamais uma conotação ou versão infantil,
bastante fora dos propósitos da obra. Infelizmente, para efeito de aumentar
seus faturamentos, várias editoras desenvolveram inescrupulosamente versões infanto-juvenis
dessa obra, distorcendo os elementos debatidos pela mesma e deturpando seus
princípios literários. Portanto, havendo interesse em sua leitura, recomendo
que procure uma boa tradução da versão original como a da série Clássicos da
Penguin/Companhia (apesar
de ter na capa um mapa errado da localização da história). Afinal, Robinson
Crusoé é um clássico da literatura muito além de uma aventura infantil.
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