Culpa-se a falha provável da editora, da revisão ou da
gráfica ao início da leitura da obra Cemitério de Pianos, do premiado poeta
e romancista português José Luís Peixoto,
ao perceber-se a narrativa bruscamente quebrada por uma nova, então
desconhecida. Uma constante no livro.
Conserto de pianos |
Baseado na história da vida real de uma atleta fundista
português, o livro não nos fala de esportes, mas das memórias póstumas de seu
pai, um competente marceneiro sempre preocupado com os episódios peculiares de
sua família; os felizes, os mórbidos e os terríveis. Por três gerações.
O almoço de domingo |
A taberna dos vinhos |
Abordando um cotidiano que deve ser comum ou similar a muitos
leitores, Peixoto intercala-o sempre abruptamente com a mesma história num
outro momento, e sempre numa linguagem simples, porém numa construção
extremamente criativa e poética, ás vezes rotineira. Peixoto transmite a
sensação de que escreve com sofreguidão, atropelando a sequência lógica do
drama, resultando numa nova forma de escrever, para muitos, confusa. Para mim,
resultado de sua prevalecente predisposição poética. Um encanto para quem
curte boa literatura.
A maratona de Francisco |
Em certos pontos, as memórias passam a ser do próprio
fundista, com retrocessos às memórias do pai. Intermitentes reminiscências da
violência doméstica, das paixões incontroláveis e às vezes inconsequentes; das
descobertas auspiciosas e das labutas constantes, ao fim, regadas por bons
canecos de vinho.
José Luís Peixoto |
Peixoto tem uma extraordinária forma de
interpretar o mundo, expressa pelas suas escolhas certeiras de linguagem e de
imagens. Aqui, o fantástico é contado com a naturalidade do quotidiano. Ele
escreve com grande sentido de linguagem poética e grande domínio da língua
portuguesa. Tendo pianos como liame da maior parte dos dramas da obra, Peixoto
coloca um anjo, quase ao final, a desconstruir o protagonista e a concluir o atormentado
sofrimento do maratonista Francisco.
Valdemir Martins
09.09.2020