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16 de jul. de 2023

As realidades de O Cavaleiro Inexistente

Tudo que vemos só é real se fizer parte de nosso contexto de conhecimento. Nada será diferente disso perante nossa experiência de vida. E é disso que trata o primoroso romance do italiano Italo Calvino em sua obra O Cavaleiro Inexistente. Calvino, merecedor de um Nobel de Literatura, preterido a inúmeros premiados, segundo meus conceitos de qualidade literária. Sinta-se à vontade para discordar.

Nesta sua obra, mais uma vez fantástica, ele nos assombra com nossa própria sombra: aquilo que somos e que jamais mostramos ser. Para isso, vai até Carlos Magno, na Idade Média, século VIII, para apresentar-nos uma extravagante história sobre uma armadura viva, porém sem seu suposto cavaleiro, contada por uma penitente freira.

Um livro que mostra um cavaleiro que não existe, mas que traz algumas reflexões sobre a nossa própria existência e insignificância. O protagonista é um paladino com tudo que se esperaria de um cavaleiro medieval, ou melhor, de um ser humano em qualquer época: caráter inabalável, incorruptível, fiel, nobre, honesto, imbuído de honra, coragem e retidão. Isto é, uma figura principal que não existe, mas que seria desejável na humanidade.

Dentre as diversas alegorias elaboradas por Calvino a principal é o próprio protagonista. Além de ser o cara certinho, lógico, irritantemente perfeccionista, que não entende as exceções, ele cumpre cegamente todas as regras, normas e protocolos até as últimas consequências. Um indivíduo representado por uma armadura de cavaleiro, de caráter inabalável, voz metálica, incorruptível, devoto, nobre, fiel, imbuído de honra, coragem, retidão e que por isso mesmo não existe.

Apesar das comparações de alguns críticos e analistas com os homens modernos e tecnológicos, pecam por ignorar que este é um romance de fantasia e crítica social escrito em 1959, época em que os computadores – ainda rudimentares - acabavam de trocar as válvulas pelos transistores. Não se sonhava sequer com a internet. Evidente que o autor visava demonstrar um ser utópico que, por pretensamente ser poderoso apesar de humilde, é, por isso, cortejado, invejado e orbitado por um idiota, uma mulher perfeitamente empoderada e um ambicioso e tremendo invejoso que lhe pretende a proeminência, assim como por um admirador jovem e inexperiente que num golpe de sorte se torna seu herdeiro material.

Nesta poderosa e irônica crítica social, Calvino ridiculariza a Sagrada Ordem dos Cavaleiros do Graal, historicamente aclamados como heróis, mostrando seu treinamento como isolacionista e idiotizante, numa aparente crítica ao fanatismo religioso. Apesar de uma história simples e curta, é cheia de cenas que oscilam entre ridículas e até hilariantes.

Um belíssimo exercício literário rico em sátiras e metáforas elaborado por um dos mais importantes escritores italianos do século XX.

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Valdemir Martins

16.06.03

Fotos: 1. Capa; 2. O cavaleiro branco; 3. A guerreira; 4. Carlos Magno; 5. O idiota; 6. Italo Calvino