A civilização ocidental pouco conhece – ou quase nada – de certas culturas orientais, sobretudo aquelas não cristãs, incultas, paupérrimas e que sobrevivem em castas. E a premiada e audaz escritora francesa Laetitia Colombani, como num rito de protesto em busca da liberdade, coloca as agruras de uma dalit hindu na abertura de sua consagrada obra A Trança.
Chocante. Quem não conhece a cultura – ou as culturas – da Índia vai ficar perplexo, seja com o trabalho de Smita, a primeira protagonista, seja no destino de boa parte das bebês meninas e dos dalits em geral.
Numa linguagem concisa, fluente e objetiva, Colombani conta a história de três protagonistas fortes e guerreiras, seu ponto em comum. Vindo para o Ocidente, junta à Smita, a siciliana Giulia e a canadense Sarah. Porém, neste romance que não se consegue parar a leitura, pois flui com facilidade e ansiedade, o que é comum para uma torna-se comum para todas: um infortúnio vem esfacelar impiedosamente suas aparentes felicidades.
Nesta belíssima obra, Colombani nos conta três contos das diversidades e disparidades femininas. Como a própria civilização hindu, a autora retrata, pelo sofrimento de uma mãe, o sofrimento desse povo tão dividido, pobre e supersticiosamente religioso. Já na Sicília, prevalece o romantismo latino e, em Montreal, os turbilhões e estratégias da sobrevivência no capitalismo.
Com expressões às vezes até poéticas, criativas e muitas vezes irônicas, a autora arremata digressões importantes do enredo, penetrando no âmago traumático dessas mulheres que simbolizam três tipos femininos muito diferentes.
Diante de seus mais cruciais infortúnios elas fazem descobertas assombrosas sobre si mesmas. Todas guerreiras aguerridas, persistentes, abnegadas perante seus entes queridos e por eles entregam-se integralmente. E as soluções para suas tragédias são ainda mais dramáticas.
Como numa trança, Colombani vai enredando as principais características de personalidade das três protagonistas, exportando a fé de uma para as outras, bem como a força de vontade, o esforço e dedicação incomensuráveis e suas incansáveis e obstinadas atitudes de vida; a perseverança e até o sacrifício. Coloca, então, no arremate final de sua trança, a qualidade do otimismo e da visão de sucesso.
E no final, os cabelos, como matéria-prima das tranças, tornam-se o liame para as histórias das três mulheres destes contos, tornando-os unidos num romance e únicos como a trança.
E uma certeza, você concluirá a leitura com um espontâneo e gostoso sorriso.
Raramente um livro me prendeu tanto a atenção e me fez meditar extraordinariamente sobre fatos e atitudes dos personagens como este. O que reflete a qualidade da obra e a grandiosa competência e talento intelectual e literário de Laetitia Colombani. Uma autora que precisa ser urgentemente mais difundida em nosso meio cultural e uma excelente indicação de leitura para análise em nossas escolas.
Se gostou deste comentário sobre o livro, siga-me. Basta clicar em "Seguir" no lado superior direito desta página (abaixo das fotos dos "Seguidores") e você receberá as novas postagens. Muito obrigado!
Valdemir Martins
04.06.2025
Fotos: 1. Capa do livro; 2. As tranças das mulheres dalits; 3. Palermo, na Sicília; 4. Moderna fábrica de perucas; 5. A executiva ocidental bem sucedida; 6. Careca e com a peruca; 7. A autora francesa Laetitia Colombani.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradeço seu comentário e participação!