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25 de jul. de 2018

O mundo que (ainda) não terminou (3).


Eternidade por um Fio
Com a Europa dividida em Oriental e Ocidental, ou capitalista e comunista, como resultado do espólio político da Segunda Guerra Mundial, iniciam-se as aventuras de mais uma geração das cinco famílias que deram início a esta saga na trilogia O Século, do competente Ken Follett. Desta vez, em Eternidade por um Fio, terceiro livro da série, esses protagonistas vão contracenar com alguns ícones históricos da segunda metade do século XX, como John e Bobby Kennedy, Martin Luther King, Lyndon Johnson, Brejnev, Kruchev, Gorbachev, McCarthy, Reagan, Nixon, Carter, Bush, Lech Walesa, Dubcek, Jaruselsky, Willy Brandt, entre outros, também astros em uma nova peleja, denominada Guerra Fria, iniciada logo após a Segunda Guerra. Aqui apenas os Estados Unidos e a URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas disputam a hegemonia política, econômica, tecnológica e militar no planeta, embate que durou de 1945 a 1991 com as duas potências tentando implantar em outros países os seus sistemas políticos e econômicos.
Encerrando a II Guerra em maio de 1945, os russos invadiram Berlim, a capital da Alemanha nazista, um átimo antes dos aliados ocidentais capitaneados pelos EUA. Acabaram conquistando também nações satélites como Polônia, Checoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária tornando-as igualmente comunistas. A Alemanha e consequentemente Berlim – como uma ilha – foram divididas com os norte-americanos, que liberaram sua parte para que se tornassem independentes e democratas, ao contrário do que ocorreu com o lado soviético.
A URSS, composta por 15 repúblicas, ocupando um território de cerca de 22 milhões de km² e 290 milhões de habitantes se tornou, então, a segunda maior potência econômica e militar do mundo. Destacou-se também na corrida espacial e na produção de armas nucleares, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, principal adversário e líder do modelo capitalista. Com governos centralizadores, ditatoriais, conservadores e retrógrados, os países do bloco socialista, incluindo a própria Rússia, abiscoitaram uma grave crise econômica na década de 1980. A falta de concorrência, os baixos salários e a falta de produtos causaram um flagelo econômico e social jamais pensado pela sobrepujada população. A falta de democracia também gerava uma grande insatisfação popular. Em 1985 o então presidente da União Soviética, o renovador Mikhail Gorbachev, começou a implementar a Glasnost (reformas políticas priorizando a liberdade) e a Perestroica (reestruturação econômica). Estavam assim preparando-se para deixar o socialismo, rumo à economia de mercado capitalista, com mais abertura política e democrática. Na sequência, os países satélites e algumas repúblicas soviéticas foram retomando sua independência política. A queda do afamado Muro de Berlim em novembro de 1989 pôs fim à Guerra Fria e, em 1991, foi dissolvida oficialmente a URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Imaginem os bastidores dessa história vivida pelos personagens da obra. O gênio literário de Ken Follett transforma toda a tensão dos desdobramentos históricos dessa época em episódios de suspense e expectativa de forma brilhante. De pronto, com narrativas intensas tanto em Washington como em Moscou, ele nos coloca em meio às provocações e negociações da crise dos mísseis em Cuba, um dos eventos mais emblemáticos do livro e o que mais se aproximou de um real fim do mundo pelo risco de uma guerra nuclear como nunca houve até a atualidade. Segue-se a construção do Muro de Berlim e seus dramas principalmente locais com episódios inerentes de fugas e da separação comovente de famílias.  Os inúmeros fatos ocorridos durante a luta pelos Direitos Civis nos EUA enredam-nos com os protagonistas em linchamentos de negros por radicais brancos sulistas e pelo Ku Klux Klan, em diálogos e passagens brilhantes com Martin Luther King, John Kennedy e seu irmão Bobby e, posteriormente, nos similares e previsíveis assassinatos dos três líderes por ativistas brancos radicais.
Destaque para a banda musical criada por um medíocre estudante inglês que se torna sucesso mundial – padrão The Beatles e Rolling Stones, “seus contemporâneos” - e em cujas aventuras podemos vivenciar os dramas das drogas, novidade na época dos hippies; a explosão maior do rock’n roll; a liberação feminina; o sexo livre; a Guerra do Vietnã e, posteriormente, até a queda do muro. Outros personagens de relevo na obra revelam-nos o perfil de trabalho da imprensa à época, quando então eclodiu o escândalo do Watergate e o consequente impeachment do incompetente presidente Nixon; e o papel da TASS - agência oficial de notícias soviética. Do lado de lá, um jovem russo consegue tornar-se assessor e braço direito dos principais dirigentes soviéticos influenciando, para o bem ou para o mal, suas decisões. Sua irmã gêmea consegue enviar para o Ocidente livros de sucesso mundial escritos por um dissidente prisioneiro na Sibéria (não citado, mas certamente uma referência a Alexander Soljenítsin, autor de Arquipélago Gulag). Além de passagens pela Primavera de Praga, pelo forte movimento sindicalista Solidariedade na Polônia, pelos movimentos políticos de massa, pelas terríveis polícias políticas Stasi e KGB da Alemanha Oriental e da URSS respectivamente.
Neste encerramento da trilogia Follett não comete ousadias formais. A leitura é extremamente envolvente, principalmente para quem já superou os cinquenta anos de idade e, portanto, foi de alguma forma testemunha dos fatos históricos do livro. Por outro lado, além do entretenimento, aos mais jovens a obra pode transformar-se também numa animada aula de história como jamais se pode aprender numa sala de aula, dada a dinâmica e a seriedade das profundas pesquisas, forte marca nas obras de Ken Follett.
Esta é uma obra literária da compaixão por todas as vítimas inocentes do século vinte, sejam as milhões, sejam as efêmeras, pois a elas o autor dedicou textos e talento com a profundidade da verdade e do sentimento; sem lamúrias, mas com pesar. Pois só aqueles que conhecem ou vivenciaram a história podem ter a comiseração pelos que deram suas vidas, voluntária ou involuntariamente, pelo bem comum de um companheiro (a), da família, da pátria e da humanidade.
Valdemir Martins
20/07/2018.
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18 de jul. de 2018

O mundo que (ainda) não terminou (2).


Inverno do Mundo
Com o título extremamente adequado ao contexto do segundo livro da trilogia, Ken Follett mantém o ritmo de sua narrativa colocando em cena os descendentes das cinco famílias como principais protagonistas, ao lado de personagens históricas como Stalin, Churchill, Hitler, Roosevelt, Patton, De Gaule e Mussolini entre outros.
Como consequência do Tratado de Versalhes que sacramentou o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha – sucedida pela República de Weimar – foi colocada como a grande perdedora e principal responsável por todos os delitos cometidos no conflito e suas consequências sociais, políticas e econômicas. A caracterização da nação dos kaisers como grande vilã nesse drástico tratado de paz despertou tamanho ódio no ex-soldado nacionalista e antissemita Adolf Hitler que o levou a fundar o partido nazista, ascendendo ao poder na então nova Alemanha, como o Terceiro Reich, e a apenas vinte anos da assinatura daquele tratado eclodiu a Segunda Guerra Mundial. Agora envolvidos, além dos países do primeiro conflito armado, a Espanha, a Itália e o Japão.
Todos os bastidores dessa tragédia maior da humanidade estão ricamente detalhados por Follett em mais esta espetacular obra que entremeia a ficção à história, como também os ícones históricos aos personagens ficcionais. Fatos surpreendentes e pouco conhecidos como a atuação dos camisas negras britânicos, leva-nos a reconhecer neles os radicais camisas pardas do nazismo. É um livro em grande parte chocante – como o foi a própria realidade –, com muitos trechos de tensão e suspense, abrandados pelas belíssimas passagens e dramas de amor, de paixão e de comiseração. Os bondosos fictícios e reais felizmente são maioria, contrastando com a grande quantidade de carrascos, como é sobejamente conhecido por todos, os quais geram no livro, com frequência, sentimentos de revolta e indignação nos leitores.
Follett não foge à sua talentosa escrita de espionagem e a linha descritiva elegida por ele nos proporciona, a partir de 1933 até 1945, conhecer detalhes sórdidos das tropas, milícias e polícias ideológicas, com especial destaque para os requintes sádicos principalmente dos espanhóis, alemães e russos nos diversos momentos de seus domínios em terras alheias e junto às populações inocentes e indefesas, não importando a idade. Os dramas não marcaram presença somente nos campos de batalha, mas igualmente nas cidades, com grande profundidade e extensão. O Estado policialesco, coercitivo e repressor era o proprietário de tudo.
Por outro lado, o autor bem demonstra a franca recuperação dos Estados Unidos à depressão de 1929; o início da discreta aceitação do homossexualismo; o desenvolvimento tecnológico alemão e americano – sempre invejado pelos retrógrados bolcheviques soviéticos -; e a alegria das produções cinematográficas dos judeus de Hollywood (E o vento levou... e os musicais, por exemplo) e das performances das brilhantes orquestras, como a do major da aeronáutica Glenn Miller.
Assim, deste devastador embate restou-nos a estimativa de cerca de 47 milhões de pessoas mortas. Os soviéticos foram os que mais tiveram baixas com cerca de 26 milhões de mortos. O Holocausto é o tenebroso título para o extermínio étnico gratuito de seis milhões de indefesos civis judeus europeus de todas as idades e sexo nas cidades e campos de concentração, número somente superado pelo governo bolchevique de Stálin que consegui aniquilar onze milhões de camponeses ucranianos em nome da mentirosa reforma agrária para sustentar a elite dominante do comunismo russo.
A segunda guerra foi onde mais pessoas morreram em toda história da humanidade. Restou, então, um mundo dividido em Ocidente dominado pelos americanos e Oriente com predominância soviética, dando início à chamada Guerra Fria que marcou o restante do século XX.
Valdemir Martins
18/07/2018.

Veja o comentário sobre o tervceiro volume em https://contracapaladob.blogspot.com/2018/07/o-mundo-que-ainda-nao-terminou-3.html

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12 de jul. de 2018

O mundo que (ainda) não terminou (1).


O Homem demorou milhões e milhões de anos para surgir e se desenvolver até o inadmissível estágio atual de inacreditavelmente começar a se autodestruir, arrastando consigo o generoso habitat que o gerou e o criou. Excetuando-se as civilizações mais unidas e argutas - como a japonesa, a americana, a canadense e algumas europeias -, o restante das civilizações do mundo, conscientemente ou não, está em plena degeneração.

Não causa estranhamento que precursores dessa previsível hecatombe, cujo processo teve o início de sua intensificação no século passado com as guerras e revoluções que exterminaram dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, tenham hoje papel fundamental em defesa da salvação ou preservação do planeta. Assim demonstram, enquanto civilizações, que aprenderam alguma importante lição com seus ambiciosos desvarios políticos do passado.

E esses desatinos estão muito bem retratados de forma, apesar de romanceada, veridicamente históricas na trilogia literária do escritor britânico Ken Follett intitulada O Século, composta pelos livros Queda de Gigantes, Inverno do Mundo e Eternidade por um Fio.

A trilogia acompanha o destino de cinco famílias de nacionalidades britânica (uma inglesa e uma galesa), alemã, russa e americana, ao longo do século XX, durante seus principais fatos e com seus mais espetaculares protagonistas históricos. O toque de genialidade de Follett está em conseguir estabelecer diálogos e convivências entre personagens reais e fictícios de forma extremamente natural e sem constrangimentos. Daí a necessidade de o leitor jamais se posicionar como lendo uma obra de História, apesar da pesquisa seriíssima do autor para expor os fatos históricos entremeados ao seu enredo. Seus relatos envolvem também uma expressiva riqueza de descrições sobre costumes, moda, mobiliário, transportes, movimentos sociais, músicas, economia, política, locais e personalidades prevalentes à época dos momentos da obra.

Reflexos da Revolução Industrial que invadiram o início do Século XX acirraram disputas territoriais e políticas na Europa, despertaram a defesa dos direitos femininos e indispuseram a força trabalhadora contra a sua exploração pela aristocracia.

No primeiro livro, corretamente intitulado Queda de Gigantes, as cinco famílias são convenientemente posicionadas nos principais países protagonistas da Primeira Guerra Mundial: Reino Unido, Alemanha, Rússia e Estados Unidos. Seus membros, oriundos de diversificadas classes sociais e culturais e diferentes correntes ideológicas, convivem e circulam num contexto pré-guerra e pré- revolucionário proporcionando-nos um conhecimento apropriado da conjuntura social, política e econômica da época. Nessa atmosfera histórica, com narrativa que cobre de 1911 até 1924, o autor consegue envolver-nos de forma rica e precisa na complexidade de acontecimentos que geraram esses conflitos armados. E leva-nos à indignação de constatar que a Primeira Guerra foi efetivada por absoluta intransigência pessoal, indecisão e acovardamento de líderes políticos - principalmente da Inglaterra - que trataram divergências de opinião de forma irresponsável, quando o conflito poderia ter sido evitado apenas nas negociações.

Além da admirável luta pela implementação do voto feminino na Grã Bretanha, da guerra em si, do Tratado de Versalhes, da Liga das Nações, das descrições de personalidades como Lênin e Trotsky, do desenvolvimento de tecnologia bélica primária e do uso desumano de lança-chamas e gazes mortais, Follett arrasta-nos à também sanguinária revolução bolchevique na Rússia, revelando com espetacular crueza as barbaridades com a população antes e depois da derrubada do regime czarista. O Império Austro-húngaro e o Império Otomano, as principais batalhas ocorridas, as tentativas de paz, os avanços e recuos nos atrozes combates de trincheira, a frágil participação da França – como vítima – e a decisiva participação dos Estados Unidos ao entrar na conflagração, constroem um monumental romance onde, como sempre, fica assinalado que nas guerras não existem vencedores. Não só a narrativa vibrante, cheia de surpresas, perigos, paixões e sensualidade prende-nos à leitura, mas também a capacidade que o autor tem de envolver-nos na torcida por alguns personagens em especial.

Com uma linguagem ágil e direta Ken Follett nos proporciona entender esta passagem histórica complexa, principalmente aqui no Brasil onde esse sórdido episódio é muito mal estudado nas escolas. Mas o principal, além do entretenimento e da preciosa aula de história, é que ele nos faz entender de forma definitiva que a violência, o radicalismo, o preconceito e a intolerância somente causam-nos perdas irrecuperáveis.


Veja o comentário do segundo volume em https://contracapaladob.blogspot.com/2018/07/o-mundo-que-ainda-nao-terminou-2.html

Valdemir Martins
12/07/2018.
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