Eternidade por um Fio
Com a Europa dividida em Oriental e
Ocidental, ou capitalista e comunista, como resultado do espólio político da
Segunda Guerra Mundial, iniciam-se as aventuras de mais uma geração das cinco
famílias que deram início a esta saga na trilogia O Século, do competente Ken Follett. Desta vez, em Eternidade por um Fio, terceiro livro da série, esses protagonistas
vão contracenar com alguns ícones históricos da segunda metade do século XX,
como John e Bobby Kennedy, Martin Luther King, Lyndon Johnson, Brejnev, Kruchev,
Gorbachev, McCarthy, Reagan, Nixon, Carter, Bush, Lech Walesa, Dubcek, Jaruselsky,
Willy Brandt, entre outros, também astros em uma nova peleja, denominada Guerra Fria, iniciada logo após a
Segunda Guerra. Aqui apenas os Estados Unidos e a URSS - União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas disputam a hegemonia política, econômica, tecnológica e
militar no planeta, embate que durou de 1945 a 1991 com as duas potências
tentando implantar em outros países os seus sistemas políticos e econômicos.
Encerrando a II Guerra em maio de 1945, os
russos invadiram Berlim, a capital da Alemanha nazista, um átimo antes dos
aliados ocidentais capitaneados pelos EUA. Acabaram conquistando também nações satélites
como Polônia, Checoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária tornando-as igualmente
comunistas. A Alemanha e consequentemente Berlim – como uma
ilha – foram divididas com os norte-americanos, que liberaram sua parte para
que se tornassem independentes e democratas, ao
contrário do que ocorreu com o lado soviético.
A URSS, composta
por 15 repúblicas, ocupando um território de cerca de 22 milhões de km² e 290
milhões de habitantes se tornou, então, a segunda maior potência econômica e
militar do mundo. Destacou-se também na corrida espacial e na produção de armas
nucleares, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, principal adversário e líder
do modelo capitalista. Com governos centralizadores, ditatoriais, conservadores
e retrógrados, os países do bloco socialista, incluindo a própria Rússia, abiscoitaram uma grave crise econômica na década de 1980. A falta de
concorrência, os baixos salários e a falta de produtos causaram um flagelo
econômico e social jamais pensado pela sobrepujada população. A falta de
democracia também gerava uma grande insatisfação popular. Em 1985 o então presidente
da União Soviética, o renovador Mikhail Gorbachev, começou a implementar a
Glasnost (reformas políticas priorizando a liberdade) e a Perestroica
(reestruturação econômica). Estavam assim preparando-se para deixar o
socialismo, rumo à economia de mercado capitalista, com mais abertura política
e democrática. Na sequência, os países satélites e algumas repúblicas soviéticas
foram retomando sua independência política. A queda do afamado Muro de Berlim
em novembro de 1989 pôs fim à Guerra Fria e, em 1991, foi dissolvida
oficialmente a URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Imaginem os
bastidores dessa história vivida pelos personagens da obra. O gênio literário
de Ken Follett transforma toda a tensão dos desdobramentos históricos dessa
época em episódios de suspense e expectativa de forma brilhante. De pronto, com
narrativas intensas tanto em Washington como em Moscou, ele nos coloca em meio
às provocações e negociações da crise dos mísseis em Cuba, um dos
eventos mais emblemáticos do livro e o que mais se aproximou de um real fim
do mundo pelo risco de uma guerra nuclear como nunca houve até a atualidade.
Segue-se a construção do Muro de Berlim e seus dramas principalmente locais com
episódios inerentes de fugas e da separação comovente de famílias. Os inúmeros fatos ocorridos durante a luta pelos
Direitos Civis nos EUA enredam-nos com os protagonistas em linchamentos de
negros por radicais brancos sulistas e pelo Ku Klux Klan, em diálogos e
passagens brilhantes com Martin Luther King, John Kennedy e seu irmão Bobby e,
posteriormente, nos similares e previsíveis assassinatos dos três líderes por
ativistas brancos radicais.
Destaque para a
banda musical criada por um medíocre estudante inglês que se torna sucesso
mundial – padrão The Beatles e Rolling Stones, “seus contemporâneos” - e em cujas
aventuras podemos vivenciar os dramas das drogas, novidade na época dos hippies;
a explosão maior do rock’n roll; a
liberação feminina; o sexo livre; a Guerra
do Vietnã e, posteriormente, até a queda do muro. Outros personagens de
relevo na obra revelam-nos o perfil de trabalho da imprensa à época, quando
então eclodiu o escândalo do Watergate e o consequente impeachment do
incompetente presidente Nixon; e o papel da TASS
- agência oficial de notícias soviética. Do lado de lá, um jovem russo consegue
tornar-se assessor e braço direito dos principais dirigentes soviéticos
influenciando, para o bem ou para o mal, suas decisões. Sua irmã gêmea consegue
enviar para o Ocidente livros de sucesso mundial escritos por um dissidente
prisioneiro na Sibéria (não citado, mas certamente uma referência a Alexander
Soljenítsin, autor de Arquipélago Gulag).
Além de passagens pela Primavera de Praga, pelo forte movimento sindicalista Solidariedade na Polônia, pelos
movimentos políticos de massa, pelas terríveis polícias políticas Stasi e KGB da Alemanha Oriental e da URSS respectivamente.
Neste encerramento da trilogia Follett não comete ousadias formais. A
leitura é extremamente envolvente, principalmente para quem já superou os
cinquenta anos de idade e, portanto, foi de alguma forma testemunha dos fatos
históricos do livro. Por outro lado, além do entretenimento, aos mais jovens a
obra pode transformar-se também numa animada aula de história como jamais se
pode aprender numa sala de aula, dada a dinâmica e a seriedade das profundas pesquisas,
forte marca nas obras de Ken Follett.
Esta é uma obra literária da compaixão por todas as
vítimas inocentes do século vinte, sejam as milhões, sejam as efêmeras, pois a
elas o autor dedicou textos e talento com a profundidade da verdade e do sentimento;
sem lamúrias, mas com pesar. Pois só aqueles que conhecem ou vivenciaram a
história podem ter a comiseração pelos que deram suas vidas, voluntária ou
involuntariamente, pelo bem comum de um companheiro (a), da família, da pátria
e da humanidade.
Valdemir Martins
20/07/2018.
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