O Homem demorou milhões e milhões de anos para surgir e se
desenvolver até o inadmissível estágio atual de inacreditavelmente começar a se
autodestruir, arrastando consigo o generoso habitat que o gerou e o criou.
Excetuando-se as civilizações mais unidas e argutas - como a japonesa, a
americana, a canadense e algumas europeias -, o restante das civilizações do
mundo, conscientemente ou não, está em plena degeneração.
Não causa estranhamento que precursores dessa previsível
hecatombe, cujo processo teve o início de sua intensificação no século passado
com as guerras e revoluções que exterminaram dezenas de milhões de pessoas em
todo o mundo, tenham hoje papel fundamental em defesa da salvação ou
preservação do planeta. Assim demonstram, enquanto civilizações, que aprenderam
alguma importante lição com seus ambiciosos desvarios políticos do passado.
E esses desatinos estão mu ito bem retratados de forma, apesar
de romanceada, veridicamente históricas na trilogia literária do escritor
britânico Ken Follett intitulada O Século, composta pelos livros Queda
de Gigantes, Inverno do Mundo e Eternidade por um Fio.
A trilogia acompanha o destino de cinco famílias de
nacionalidades britânica (uma inglesa e uma galesa), alemã, russa e americana,
ao longo do século XX, durante seus principais fatos e com seus mais espetaculares
protagonistas históricos. O toque de genialidade de Follett está em conseguir
estabelecer diálogos e convivências entre personagens reais e fictícios de
forma extremamente natural e sem constrangimentos. Daí a necessidade de o
leitor jamais se posicionar como lendo uma obra de História, apesar da pesquisa
seriíssima do autor para expor os fatos históricos entremeados ao seu enredo.
Seus relatos envolvem também uma expressiva riqueza de descrições sobre
costumes, moda, mobiliário, transportes, movimentos sociais, músicas, economia,
política, locais e personalidades prevalentes à época dos momentos da obra.
Reflexos da Revolução Industrial que invadiram o início do
Século XX acirraram disputas territoriais e políticas na Europa, despertaram a
defesa dos direitos femininos e indispuseram a força trabalhadora contra a sua
exploração pela aristocracia.
No primeiro livro, corretamente intitulado Queda
de Gigantes, as cinco
famílias são convenientemente posicionadas nos principais países protagonistas
da Primeira Guerra Mundial: Reino Unido, Alemanha, Rússia e Estados Unidos. Seus
membros, oriundos de diversificadas classes sociais e culturais e diferentes
correntes ideológicas, convivem e circulam num contexto pré-guerra e pré-
revolucionário proporcionando-nos um conhecimento apropriado da conjuntura
social, política e econômica da época. Nessa atmosfera histórica, com narrativa que cobre de 1911 até 1924, o autor consegue envolver-nos de forma rica e precisa
na complexidade de acontecimentos que geraram esses conflitos armados. E
leva-nos à indignação de constatar que a Primeira Guerra foi efetivada por
absoluta intransigência pessoal, indecisão e acovardamento de líderes políticos - principalmente da Inglaterra -
que trataram divergências de
opinião de forma irresponsável, quando o conflito poderia ter sido evitado
apenas nas negociações.
Além da admirável
luta pela implementação do voto feminino na Grã Bretanha, da guerra em si, do
Tratado de Versalhes, da Liga das Nações, das descrições de personalidades como
Lênin e Trotsky, do desenvolvimento de tecnologia bélica primária e do uso
desumano de lança-chamas e gazes mortais, Follett arrasta-nos à também
sanguinária revolução bolchevique na Rússia, revelando com espetacular crueza
as barbaridades com a população antes e depois da derrubada do regime czarista.
O Império Austro-húngaro e o Império Otomano, as principais batalhas ocorridas,
as tentativas de paz, os avanços e recuos nos atrozes combates de trincheira, a
frágil participação da França – como vítima – e a decisiva participação dos
Estados Unidos ao entrar na conflagração, constroem um monumental romance onde,
como sempre, fica assinalado que nas guerras não existem vencedores. Não só a
narrativa vibrante, cheia de surpresas, perigos, paixões e sensualidade
prende-nos à leitura, mas também a capacidade que o autor tem de envolver-nos
na torcida por alguns personagens em especial.
Com uma linguagem ágil e direta Ken Follett nos proporciona entender esta passagem histórica complexa, principalmente aqui no Brasil onde esse sórdido episódio é muito mal estudado nas escolas. Mas o principal, além do entretenimento e da preciosa aula de história, é que ele nos faz entender de forma definitiva que a violência, o radicalismo, o preconceito e a intolerância somente causam-nos perdas irrecuperáveis.
Veja o comentário do segundo volume em https://contracapaladob.blogspot.com/2018/07/o-mundo-que-ainda-nao-terminou-2.html
Valdemir Martins
12/07/2018.
12/07/2018.
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