Muito além do Pentateuco (a Torá) e da Bíblia, a história do
povo judeu é marcada pela dor, o sacrifício, as jornadas perenes, muita luta e,
principalmente, pela fé e solidariedade. Uma eterna peleja pela liberdade e
pela terra sagrada.
Uma passagem dessa história, sobretudo, é um grande símbolo da
fé em Deus, num destino melhor e na solidariedade, com muita ação e sofrimento.
Mas sempre com heroísmo. A destacada escritora nova-iorquina Alice Hoffman
conta-nos esse episódio, homenageando a mulher judia e os mártires da fortaleza
Masada em sua obra prima As Mulheres do Deserto.
Masada original |
Neste romance histórico, místico e religioso, dividido em
quatro partes, cada uma relatada por uma mulher forte e resoluta, a preservação
da vida é o mote da própria sobrevivência. A força da família, o amor e a
maternidade aliados ao misticismo e à fé irredutível em Deus são o liame a
conduzir as quatro histórias que vão se entrelaçar formando um poderoso enredo
que culmina no trágico cerco das legiões romanas à fortaleza no monte Masada,
próximo ao Mar Cáspio, no ápice do deserto, em 73 D.C..
As vidas dessas mulheres complexas
e impetuosamente independentes cruzam-se nos dias de desespero do assédio
romano. Todas elas fugidas forçosamente de seus lares para escapar da
escravidão e dos crimes dos perversos soldados romanos e forçadas a se
submeter às condições tormentosas do deserto, onde a sobrevivência será sua
principal missão.
O deserto cercando Masada |
Yael - amaldiçoada pelo pai por causar
a morte da mãe ao nascer - encontra na aridez do inabitado um amor proibido e
renasce sempre em constantes desafios junto à natureza. Hoffman, com muito
lirismo e crua realidade descreve as fantásticas aventuras dessa batalhadora
dos cabelos cor de fogo que, magicamente, conversa com os animais. Após
périplos pelos desertos da Judéia alcançou finalmente a fortaleza que fora o
último abrigo de Herodes e, então, refúgio do remanescente exército dos
Sicários, único local livre do domínio da arrasadora Décima Legião Romana. Lá,
encontra seu adorado irmão como chefe das tropas de resistência e seu detestado
pai, tido como o mais terrível matador.
Revka, a segunda mulher, sonhadora
esposa de um padeiro, cercada por uma patrulha romana no deserto reage
furiosamente ao estupro e brutal assassinato da filha; salva seus então traumatizados
netos, tornados surdos. Chegada à fortaleza, consolida-se como o ponto de
equilíbrio no relacionamento das quatro.
Já Aziza, a mais jovem, filha de
um poderoso tirano, criada como um menino para não sofrer abusos e não ter o
mesmo destino cruel da mãe, torna-se grande guerreira, arqueira infalível, e apaixonada
por um soturno guerreiro, companheiro nas batalhas.
Shirah, a mais velha e experiente,
fundamental no enredo por seus dotes medicinais e práticas mágicas, guarda em
seu profundo sofrimento um grande e secreto amor.
A incrível rampa romana na lateral |
O quarteto fica encarregado da
guarda dos pombos que trazem a fertilidade à região; tornam-se
confidentes, descobrem a importância da fraternidade e até o ilícito praticam
por absoluta humanidade. Cerca de 960 pessoas – entre homens, mulheres e
crianças - que viveram na montanha-fortaleza com elas passaram por todo o tipo
de necessidades, desde a fome impiedosa às doenças cruéis. A apoteose da obra retrata
com mais intensidade o poder bélico de Roma, a brutalidade sem fim usada contra
os judeus e, após três meses de cerco inumano, os romanos atingem o seu
desígnio.
Alice Hoffman |
Esta obra de Alice Hoffman é uma rara
narrativa feminista – outras podem ser encontradas no fabuloso “A Guerra não tem
Rosto”, da russa prêmio Nobel Svetlana Alexijevich
– de episódios belicosos da História. Traz-nos um bocado do envolvente misticismo
judaico em meio a histórias intensas e situações muito tensas, onde prevalece
sempre a amizade, o amor e a solidariedade. E aqui evidencia como o local e a
real história de Masada se tornaram posteriormente um símbolo
de resistência e luta pela liberdade.
Valdemir Martins
16/12/2018.
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