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16 de dez. de 2018

As Mulheres do Deserto


Muito além do Pentateuco (a Torá) e da Bíblia, a história do povo judeu é marcada pela dor, o sacrifício, as jornadas perenes, muita luta e, principalmente, pela fé e solidariedade. Uma eterna peleja pela liberdade e pela terra sagrada.

Uma passagem dessa história, sobretudo, é um grande símbolo da fé em Deus, num destino melhor e na solidariedade, com muita ação e sofrimento. Mas sempre com heroísmo. A destacada escritora nova-iorquina Alice Hoffman conta-nos esse episódio, homenageando a mulher judia e os mártires da fortaleza Masada em sua obra prima As Mulheres do Deserto.

Masada original
Neste romance histórico, místico e religioso, dividido em quatro partes, cada uma relatada por uma mulher forte e resoluta, a preservação da vida é o mote da própria sobrevivência. A força da família, o amor e a maternidade aliados ao misticismo e à fé irredutível em Deus são o liame a conduzir as quatro histórias que vão se entrelaçar formando um poderoso enredo que culmina no trágico cerco das legiões romanas à fortaleza no monte Masada, próximo ao Mar Cáspio, no ápice do deserto, em 73 D.C..

As vidas dessas mulheres complexas e impetuosamente independentes cruzam-se nos dias de desespero do assédio romano. Todas elas fugidas forçosamente de seus lares para escapar da escravidão e dos crimes dos perversos soldados romanos e forçadas a se submeter às condições tormentosas do deserto, onde a sobrevivência será sua principal missão.

O deserto cercando Masada
Yael - amaldiçoada pelo pai por causar a morte da mãe ao nascer - encontra na aridez do inabitado um amor proibido e renasce sempre em constantes desafios junto à natureza. Hoffman, com muito lirismo e crua realidade descreve as fantásticas aventuras dessa batalhadora dos cabelos cor de fogo que, magicamente, conversa com os animais. Após périplos pelos desertos da Judéia alcançou finalmente a fortaleza que fora o último abrigo de Herodes e, então, refúgio do remanescente exército dos Sicários, único local livre do domínio da arrasadora Décima Legião Romana. Lá, encontra seu adorado irmão como chefe das tropas de resistência e seu detestado pai, tido como o mais terrível matador.

Revka, a segunda mulher, sonhadora esposa de um padeiro, cercada por uma patrulha romana no deserto reage furiosamente ao estupro e brutal assassinato da filha; salva seus então traumatizados netos, tornados surdos. Chegada à fortaleza, consolida-se como o ponto de equilíbrio no relacionamento das quatro.

Já Aziza, a mais jovem, filha de um poderoso tirano, criada como um menino para não sofrer abusos e não ter o mesmo destino cruel da mãe, torna-se grande guerreira, arqueira infalível, e apaixonada por um soturno guerreiro, companheiro nas batalhas.

Shirah, a mais velha e experiente, fundamental no enredo por seus dotes medicinais e práticas mágicas, guarda em seu profundo sofrimento um grande e secreto amor.

A incrível rampa romana na lateral
O quarteto fica encarregado da guarda dos pombos que trazem a fertilidade à região; tornam-se confidentes, descobrem a importância da fraternidade e até o ilícito praticam por absoluta humanidade. Cerca de 960 pessoas – entre homens, mulheres e crianças - que viveram na montanha-fortaleza com elas passaram por todo o tipo de necessidades, desde a fome impiedosa às doenças cruéis. A apoteose da obra retrata com mais intensidade o poder bélico de Roma, a brutalidade sem fim usada contra os judeus e, após três meses de cerco inumano, os romanos atingem o seu desígnio.

Alice Hoffman
Esta obra de Alice Hoffman é uma rara narrativa feminista – outras podem ser encontradas no fabuloso “A Guerra não tem Rosto”, da  russa prêmio Nobel Svetlana Alexijevich – de episódios belicosos da História. Traz-nos um bocado do envolvente misticismo judaico em meio a histórias intensas e situações muito tensas, onde prevalece sempre a amizade, o amor e a solidariedade. E aqui evidencia como o local e a real história de Masada se tornaram posteriormente um símbolo de resistência e luta pela liberdade.

Valdemir Martins
16/12/2018.

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