Mas que importância tem isso face ao desenvolvimento econômico e tecnológico de um país emergente como a Índia? A força e os interesses dos grupos dominantes mantêm o status quo indiano para aumentar ou manter seu poder. E é isto que o então estreante e desconhecido escritor Aravind Adiga denuncia neste romance único, diferenciado e cheio de humor negro, ironia e realismo cruel, abominável e inescrupuloso. Em O Tigre Branco (2008) a Índia de Adiga desencanta e brutaliza a imagem da exótica pátria dos sáris coloridos, da ioga e da elevação espiritual, por mais força e tradição que tenham seus gurus e líderes iluminados como Ghandhi. A corrupção, por exemplo, escorre entre as letras.
Numa história de forte ironia e repugnante sarcasmo, o protagonista Balram Halwai relata o trajeto bastante inusitado que percorreu para subir na vida e conseguir se tornar alguém importante no cenário nacional: assassinar e roubar seu patrão. Em cartas dirigidas ao primeiro-ministro chinês, Balram – ou Munna, como era chamado quando menino - revela uma visão crítica aguçada da sociedade indiana e do mundo contemporâneo, e justifica seu crime classificando-o como um ato de puro empreendedorismo. Com cinismo, ele desmonta o mecanismo da própria ascensão social.
O leitor vai se surpreender a cada passo do
primoroso romance de estreia do jovem autor indiano Aravind Adiga, vencedor do
Man Booker Prize 2008, um dos maiores prêmios mundiais do meio editorial. Não
sem motivo, “O Tigre Branco” foi considerado pelos jurados um livro de imenso
valor literário e extremamente original, por apresentar aspectos da Índia
normalmente ignorados e personagens que revelam um lado humano desconcertante.
Realmente, nada a ver com a bazófia e a mesmice apresentadas no folhetim da Globo (Caminho das Índias) apresentado na época para a maioria inculta do povo brasileiro, onde a autora denota ter pesquisado somente as tradições “sócio-culturais-religiosas” da incrível, inesgotável e incomparável Índia. Ao se falar dela, não se pode pecar por ser breve, principalmente quando se usa o nome do país – apropriadamente - no plural.
O tigre branco é um animal típico do país, raro
por nascer um a cada geração, como um albino. O protagonista Balram Halwai
é assim designado por sua família e amigos por ser, desde pequeno, uma pessoa
diferenciada em sua casta. E ele próprio descobre e assume sua identidade
predadora ao visitar e conhecer a fera num zôo local. Como escreveu a revista
Veja, “Aravind Adiga constrói um personagem sem caráter, que se torna símbolo
extremo de um impulso selvagem de liberdade. Um alerta para os que vivem na
luz.”
Segundo Florência Costa, então correspondente de O Globo em Nova
Déli, “A Índia que Adiga mostra é feia, inescrupulosa, escura como os apagões
diários de horas a fio que atormentam a vida dos indianos nas metrópoles. Muito
distante do glamour sugerido na propaganda “a Índia que brilha”, que ganhou o
mundo há treze anos.” Aravind Adiga nasceu em Madras, na Índia, em 1974 e, aos
34 anos, escreveu incontestavelmente sobre o que realmente conhece.
Valdemir Martins
23.01.2021
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O norte, do lodo; 3. O sul, do progresso; 4. O tigre branco real; 5. o autor Aravind Adiga.
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