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28 de out. de 2021

O Jardim de Cimento: duro e cruel como a solidão

Tudo começa com uma narrativa de um pré-adolescente de catorze anos. Revela seu relacionamento familiar; fala sobre o irmão e irmãs, a difícil convivência e o primeiro diálogo com o pai, peripécias escolares e seus primeiros experimentos sexuais. Assim, o premiado escritor britânico Ian McEwan, inicia seu ótimo e estonteante romance O Jardim de Cimento.

Esta é uma obra muito difícil de comentar sem tropeços em spoilers, o que procurei evitar neste escrito, esperando não ser muito árido. O texto curto da obra – apenas 136 páginas - evolui de forma dramática e intrigante, provocando imenso assombro, enquanto evidencia a transformação da família e, de forma crua e direta, expõe o início do forçado amadurecimento das crianças e dos pré-adolescentes.

O ingresso na solidão e responsabilidade familiar, com profundas contrariedades, irá marcar esses personagens para sempre. Uma família unida, pela ingenuidade e pela dúvida, mas absolutamente em farrapos. Assim, o enredo apresenta um lar inteiramente desgovernado mediante as regras de comportamento social e de higiene, sendo a lógica superada pela conveniência e dominada por instintos.

McEwan, numa narrativa visceral, explora a introversão gerada por essa solidão num crescente desespero inconsciente – inclusive do leitor -, com um sentimento de tragédia e muita tristeza. Lançadas numa vida absolutamente livre, em plena fase de profundas mudanças da puberdade e da infância, essas quatro crianças enfrentam seus medos, desejos e contrariedades de forma bastante autêntica, com o livre arbítrio dominando até as necessidades. E sempre com a mãe como eixo de tudo.

A entrada de mais um personagem na história – o namorado da filha mais velha – inicia mais uma etapa de mudanças, agitando e mexendo com o psicológico de todos.

Apesar de parecer uma história comum, singular, suas excrescências comportamentais levam o leitor a um crescente assombro, com um crepúsculo turbulento finalizado com um forte soco no estômago de quem lê. Um final surpreendente, brusco, forte e inesperado; que vale muito a pena sua leitura e consequente reflexão. 

Valdemir Martins

26.10.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. O jovem narrador; 3. A mãe doente  ; 4. Os irmãos; 5. Ian McEwan


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13 de out. de 2021

Cthulhu: um chamado distante

Consagrado como um dos grandes escritores estadunidenses do século XX, H. P. Lovecraft foi pioneiro em fantasiar o horror, sendo O Chamado de Cthulhu – uma coletânea de contos – considerada sua obra principal, fato que me levou à sua leitura.

Apesar de ser apenas um texto comum na atualidade, em função da enormidade de produções literárias de fantasia e horror a partir da segunda metade do século passado, Lovecraft é imensamente criativo. Sua escrita chega a ser surpreendente, se considerarmos que estudou apenas até o ensino médio. Mas, teve em seu avô um grande incentivador de sua inata vocação, pois aos pródigos seis anos criou suas primeiras poesias.

Os demônios, psicopatas, alienígenas e semideuses que prevalecem neste livro – um deles, o Cthulhu do título – não nos levam propriamente ao horror, mas causam-nos incômodo constante pela presença inerente do Mal. E é deslumbrante como Lovecraft parte de situações sempre banais para descrições horrendas, de forma progressiva e em ritmo crescente e até acelerado.

Monstros marinhos, possessões musicais, artistas demoníacos, uma igreja de cultos satânicos, fantasmas, monstros espaciais e pessoas depressivas fazem parte dos enredos cativantes para quem curte o gênero. São oito textos totalmente diferentes, com enfoques distintos e em lugares díspares, com uma narrativa de forte apelo visual. E a criatividade de Lovecraft é tão contaminante que estimula o leitor aos mais fantásticos cenários e a supor os seres mais horripilantes e gosmentos. Prova disso é a fabulosa quantidade de criaturas e estruturas imaginadas por ilustradores quando se faz uma busca pela internet. Vale à pena.

Deles, atraíram-me com especial anseio “O assombro das trevas” e “A música de Erick Zann”, mas, como nos demais, ficou-me a frustração de finais mais densos e comprometidos com a fantasia de terror.  “O chamado de Cthulhu”, em especial, na minha expectativa ficou devendo para sua fama. Os demais contos são Dagon, Ar Frio, O que a Lua traz Consigo e O Modelo de Pickman.

Na verdade, o texto que acabei gostando muito foi o derradeiro “Carta a R. Michel”,  onde o autor, numa escrita brilhante, conta a um amigo sua interessante e tumultuada biografia. Para quem não curte o gênero, a obra vale para conhecer o autor e o porquê de sua fama.

 Valdemir Martins

12.10.2021


Fotos: 1. Capa do livro; 2. A imagem do Cthulhu mais conhecida; 3. O castelo submarino do monstro ; 4. Uma ameaça à navegação; 5. H. P. Lovecraft.

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