Tudo começa com uma narrativa de um pré-adolescente de
catorze anos. Revela seu relacionamento familiar; fala sobre o irmão e irmãs, a
difícil convivência e o primeiro diálogo com o pai, peripécias escolares e seus
primeiros experimentos sexuais. Assim, o premiado escritor britânico Ian McEwan, inicia seu ótimo e
estonteante romance O Jardim de Cimento.
Esta é uma obra muito difícil de comentar sem tropeços em spoilers, o que procurei evitar neste escrito,
esperando não ser muito árido. O texto curto da obra – apenas 136 páginas - evolui
de forma dramática e intrigante, provocando imenso assombro, enquanto evidencia
a transformação da família e, de forma crua e direta, expõe o início do forçado
amadurecimento das crianças e dos pré-adolescentes.
O ingresso na solidão e responsabilidade familiar, com
profundas contrariedades, irá marcar esses personagens para sempre. Uma família
unida, pela ingenuidade e pela dúvida, mas absolutamente em farrapos. Assim, o
enredo apresenta um lar inteiramente desgovernado mediante as regras de
comportamento social e de higiene, sendo a lógica superada pela conveniência e
dominada por instintos.
McEwan, numa narrativa visceral, explora a introversão gerada
por essa solidão num crescente desespero inconsciente – inclusive do leitor -,
com um sentimento de tragédia e muita tristeza. Lançadas numa vida
absolutamente livre, em plena fase de profundas mudanças da puberdade e da
infância, essas quatro crianças enfrentam seus medos, desejos e contrariedades
de forma bastante autêntica, com o livre arbítrio dominando até as
necessidades. E sempre com a mãe como eixo de tudo.
A entrada de mais um personagem na história – o namorado da
filha mais velha – inicia mais uma etapa de mudanças, agitando e mexendo com o
psicológico de todos.
Apesar de parecer uma história comum, singular, suas excrescências
comportamentais levam o leitor a um crescente assombro, com um crepúsculo
turbulento finalizado com um forte soco no estômago de quem lê. Um final
surpreendente, brusco, forte e inesperado; que vale muito a pena sua leitura e
consequente reflexão.
Valdemir Martins
26.10.2021
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O jovem narrador; 3. A mãe doente ; 4. Os irmãos; 5. Ian McEwan
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