Acredito que a maioria das pessoas têm um sonho que pretendem realizar um dia. Principalmente os jovens elucubrando o seu futuro. E é com esse enfoque que o clássico europeu O Deserto dos Tártaros, do jornalista e escritor italiano Dino Buzzati, aborda a vida das pessoas. Não no cotidiano, mas no projeto de vida.
Na pré adolescência parece que o tempo é infinito e tudo é informalidade, entusiasmo e ilusão; sem pressa, não há autocobrança e ninguém espera, como reflete o próprio autor ao analisar uma situação do protagonista. É o que acontece ao protagonista Giovanni Drogo, quando forma-se tenente e, desprendendo-se dos mimos domésticos e de sua mãe, apresenta-se a um quartel, algo que sempre sonhou.
E, na terra firme da vida, debuta sua frustração incipiente. Nada é o que deveria ser. Apesar de contrariado em suas ambições, aceita passivamente sua zona de conforto no quartel e lá se estabelece por anos. Seria esse realmente o seu sonho, como eu, indagariam os leitores.
Eis que duas mortes de companheiros em ações do quartel mexem com Drogo a ponto de procurar sua desincorporação antes que tenha o mesmo fim, morrendo sem razão. Indo à cidade tem um encontro com a antiga namorada e, apesar de ser um desejo mútuo ficarem juntos, por absoluta indecisão de ambos, continuam então separados. Apesar de estar em seu habitat original, sente que este não é mais o seu mundo, tamanha a influência do quartel.
Mesmo assim, indo atrás de seu intento, consegue uma entrevista com o comandante da divisão transformando-a numa comédia de equívocos. Embora estivesse prevista uma redução considerável do contingente, fato escondido por seus companheiros de quartel, o seu pedido não é satisfeito. Sentindo-se enganado pelos colegas, injustiçado pelo comando, Drogo mergulha na decepção. É obrigado a se reapresentar no quartel, onde vai continuar encontrando coisas frustradoras.
Mas nesta obra magistral, Buzzati provoca-nos a analisar e a avaliar exatamente isso. Se Drogo tem ou tinha um sonho, seria aceitável vivenciá-lo ad aeternum? Seu objetivo de vida seria simplesmente abandonar-se na rotina de um quartel insólito para o sempre enquanto a vida passa? Aqui fala-se da vida como ela realmente é, com suas ilusões, oportunidades, frustrações e, claro, suas perdas.
Assim, Buzzati chama-nos a atenção para o conformismo com o que nos acontece, deixando de tomar atitudes e preparar o futuro como simbolicamente na vivência do protagonista num forte supérfluo, sem qualquer perspectiva de ser utilizado para o fim de defesa, onde ele e os demais personagens vivem de esperanças e ilusões.
Nesta importante obra atemporal - um romance de desencanto -, sem referência histórica ou social, publicada em 1940, parece que o autor a escreveu para os dias de hoje. Nada mais adequado, uma vez que todas as mensagens - na mídia, nas redes sociais, na publicidade, nos escritórios - parecem dizer "seja constante, disciplinado e trabalhador; adiante algo melhor e importante vai acontecer em sua vida".
Até que um dia descobrimos que escolhemos o caminho errado e não percebemos que tínhamos outras opções. No final das contas, sempre vamos encontrar algo importante no final da linha. Pode não ser o que esperávamos, mas provavelmente nos levará a um final talvez extraordinário. Talvez não o que ansiávamos quando jovens "e só nos resta aceitá-lo com dignidade e estoicismo, como um soldado. Será que a última chance de uma vida equivocada é uma morte digna? Será o que resta? A única saída?", como escreveu Ugo Georgetti, roteirista e diretor de cinema brasileiro.
Por esse forte conteúdo e seu magistral significado, o livro é considerado por alguns críticos, sem exagero, como uma das obras primas universais. Trata-se de um romance mágico sobre a existência humana e sua relação com o tempo. Cabe, então, a cada um de nós, ficar atento às nossas escolhas e orientar nossos descendentes sobre o futuro e o perigo da imobilidade na vida.
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Valdemir Martins
11.06.2025
Fotos: !. Capa do livro; 2. O quartel; 3. Os soldados; 4. O deserto atrás do quartel; 5. As muralhas do quartel; 6. A volta para casa; 7. O autor Dino Buzzati.