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5 de fev. de 2024

New York: uma sequência de erros portugueses.

Para quem ama a cidade de Nova Iorque - ou tem vontade de conhecê-la - e não sabe sua história, faz-se importante recomendar que em sua próxima (ou primeira) viagem visite a Peter Minuit Plaza, no ponto mais meridional da ilha. Ou, se preferir, ler a excelente obra Arrancados da Terra, do premiado escritor e jornalista brasileiro Lira Neto.

Não se trata de uma história qualquer. Ela começa na Idade Média, quase um século após as descobertas das Américas. E mais uma vez com o sofrido povo judeu. Aqui, Lira insere-nos na radical e absurda Inquisição portuguesa, apresentando detalhes de um processo inquisitório que nos faz acreditar ser o princípio inspirador dos métodos nazistas, tamanha é a crueldade praticada pela Igreja Católica. Resultado: êxodo dos judeus, os novos-cristãos portugueses, para países livres da Inquisição.

Enquanto porcamente os portugueses colonizavam o Brasil, pois não sabiam o que fazer com tanta terra, nas Províncias Unidas (Holanda) calvinistas o Banco de Câmbio e a Bolsa de Valores eram organizações fundamentais a uma sociedade essencialmente urbana, com o grau de alfabetização mais elevado do continente europeu e a maior média salarial paga a funcionários públicos e privados no mundo. Lá os então cristãos-novos fugitivos encontraram liberdade cultural, econômica e religiosa. E sucesso.

Entra em cena, então, a Companhia das Índias Ocidentais (CIO) criada pelos holandeses exclusivamente para prejudicar o inimigo reino espanhol que, por razões familiares e de herdeiros, governava também Portugal. Assim, em 1621 todas as rotas comerciais ibéricas passam a ser controladas pelos holandeses. Invadir o Brasil, uma colônia indefesa e rica produtora de açúcar, tabaco e pau-brasil torna-se uma meta da Companhia, uma poderosa empresa, híbrido de força militar e companhia comercial.

A um forte e bem sucedido ataque da grande esquadra holandesa a Salvador, surge mais uma teoria da conspiração culpando cristãos-novos portugueses refugiados na Holanda. Na Espanha, prevaleceu a ideia de que os grandes responsáveis pela queda de Salvador teriam sido os judeus. Embora não houvesse nenhuma menção quanto a isso nas narrativas presenciais neerlandesas ou luso-brasileiras, persistiu em Madri a opinião de que os marranos haviam arquitetado toda aquela “trama maligna”.

Enfraquecidos por pura devassidão e desleixo, em 1625 os holandeses são expulsos da Bahia, derrotados por uma poderosa esquadra luso-espanhola. Mas, seis anos depois, muito mais organizados e em número maior de pessoas, os holandeses conquistam Pernambuco rechaçando os luso-espanhóis, E, desta vez, esquematizando-se para trazer, sob um programa de incentivos de colonização organizada, os cristãos-novos fugidos de Portugal que pela fluência da língua seriam fundamentais nesta nova conquista.

Após a aquisição, foi nomeado governador geral do Brasil o nobre protestante conde João Maurício de Nassau, de 32 anos, formação humanística exemplar e forte experiência militar. Após conquistar também Alagoas, Paraíba, Itamaracá, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão, Maurício pede e começa a receber colonos judeus com profissões diversas e investidores holandeses, abrindo o comércio à iniciativa privada. Depois de anos de sucessos no desenvolvimento da região, Nassau é obrigado pelo governo holandês e pela CIO a retornar para Amsterdam. Aproveitando-se da vacância de governo na região, nacionalistas e rebeldes luso-brasileiros formam milícias e iniciam uma guerra de libertação e reconquista principalmente da capital Recife. Com o apoio dissimulado do rei português D. Manoel IV, em janeiro de 1654 os rebeldes brasileiros reassumem Pernambuco e os holandeses restantes juntamente com os judeus são expulsos da então capital brasileira.

Os rebeldes, na realidade, eram liderados por fazendeiros de tabaco, pau-brasil e cana e produtores de açúcar que deviam muito dinheiro aos judeus holandeses e à CIO. Assim, percebendo suas produção e vendas comprometidas resolveram expulsar seus credores, formando milícias com seus empregados, escravos e indígenas. Foram eles, na realidade, os grandes responsáveis pela expulsão dos holandeses de Pernambuco, sem medir o que essa colonização havia trazido de progresso e civilização para aquela região. Só importou egoisticamente seus próprios interesses e não os de uma futura nação.

Assim, um fato historicamente pitoresco foi o desgarramento de rota de uma das naus com os judeus holandeses e cristãos-novos, que depois de muitas atribulações, desembarcaram numa pequena e modesta ilha de possessão holandesa, denominada Nova Amsterdam, hoje região de Nova Iorque na América do Norte.

Esta obra de cunho documental histórico é recomendada aos que se interessam pelo assunto e pela história do século XVII. O Padre Antônio Vieira – personagem importante da literatura portuguesa e da História do Brasil - é figura atuante neste contexto, assim como todo um histórico de aventuras e desventuras da colônia judaica na Europa e nas Américas e toda a execrável e genocida perseguição da Inquisição da Igreja Católica. A hipocrisia e oportunismo português e luso-brasileiro em meio a todo sucesso holandês e judaico é algo também muito marcante.

Este é, além de um livro surpreendente, um manancial histórico brilhante, de prazerosa e enriquecedora leitura onde se vão entender os terríveis erros cometidos pelos portugueses. Primeiro enxotando os judeus de seu território na Idade Média e posteriormente apoiando maciçamente e de forma dissimulada os luso-brasileiros rebeldes - para não despertar a ira dos holandeses e espanhóis, então seus inimigos políticos - arrancando-os da terra de sua colônia brasileira, e empurrando-os – após extraordinárias realizações no nordeste - para desenvolver, fora de sua jurisdição, a maior cidade do globo em termos econômicos, políticos e culturais, até nossos dias.

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Valdemir Martins

Fotos: 1. Capa do Livro; 2. Lisboa no século XVII; 3. Amsterdã no século XVII; 4. Tribunal da Inquisição em Portugal; 5. Tortura da Inquisição; 6. Pe. Antonio Vieira, o inquisidor brasileiro; 7. Mauricio de Nassau; 8. Ponte construída por Nassau em Recife; 9. As "cidades irmãs" Nova Iorque e Recife; 10. Lira Neto.

16.12.23

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