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26 de jan. de 2024

Treblinka: a inacreditável sobrevivência da alma judaica.

Não há na história da humanidade um povo tão longevo, sofrido e batalhador. O povo judeu, com seus primórdios bíblicos mantém até os dias atuais a mesma sina de povo unido e vencedor. Marcado por episódios épicos como o êxodo do Egito, até aos tormentos atuais de subsistência heroica em meio a territórios antagônicos, o povo hebreu teve um ápice de sofrimento quando os nazistas determinaram a sua extinção. O histórico Holocausto nazista tem inúmeros registros em depoimentos e documentos, em livros, nas artes e em imagens mostrando quão cruel foi “a solução final” planificada por Hitler e seus asseclas.

Um dos mais importantes registros dos massacres encontra-se no livro Treblinka, do judeu francês Jean-François Steiner. Uma obra que registra diametralmente a mansidão e a surpreendente revolta avassaladora dos prisioneiros, em seus mínimos detalhes, todos históricos, pois realmente aconteceram e foram testemunhados.

Ao conquistar os territórios da Polônia, Ucrânia, Bielo-Rússia e Estados Bálticos (então pertencentes à União Soviética) a Alemanha nazista herdou uma população de milhões e milhões de judeus indesejados, por serem de “raça inferior”. Nasceu assim, para Hitler, a necessidade urgente de livrar-se deles e  foram então criados inúmeros campos de concentração naquela região. Treblinka, na Polônia, foi um dos pioneiros.

Diferentemente dos famosos campos de concentração de Auschwitz, Dachau, Bergen-Belsen, Buchenwald e Sobibór - dentre os 48 que existiram, entre concentração, seleção, guetos e eliminação -, Treblinka foi um campo de extermínio com um histórico diferenciado dos demais em diversos aspectos: era o local onde os judeus eram mais humilhados e onde a SS aplicava com mais dedicação e eficácia seu programa de despersonalização do prisioneiro e dos grupos de prisioneiros, fazendo-os perder psicologicamente sua identidade como povo ou raça, baixar a resistência e perder qualquer esperança, levando-os a encaminharem-se à morte como um rebanho de ovelhas. Afinal, era um campo de extermínio. São aspectos importantes muito bem explicados por Simone de Beauvoir no prefácio da obra, publicada em Paris em 1966.

Steiner inicia seu impecável relato abordando os pogroms soviéticos de massacre de judeus que passou a ser inteligentemente usado pelos nazistas naquela região. A seguir, a estratégia dos guetos, com o uso sistemático e eficiente dos condicionamentos psicológicos. Seus relatos são suficientemente detalhados - e, às vezes cruéis - para o entendimento eficaz desta preciosa resenha histórico.

Passa a narrar a criação do Campo de Treblinka como pioneiro dedicado apenas ao extermínio e à recuperação de bens, tudo executado, sob açoite, pelos próprios prisioneiros. A recuperação referia-se às roupas, ao dinheiro e aos demais bens portados pelos judeus para reaproveitamento; inclusive a extração de dentes e obturações de ouro dos mortos com alicates.

E neste ponto do livro, com certeza, o leitor começa a refletir horrorizado sobre o significado de todo esse mal – físico, psicológico e espiritual – impetrado pelos nazistas contra o povo judeu; jovens, idosos e crianças, sem exceção. E Steiner não economiza palavras e detalhes para descrevê-lo. E a simples e conformada aceitação da morte pelos judeus é sintetizada na frase de um personagem: “tal como fazem certas aranhas, eles ‘adormecem’ as vítimas antes de eliminá-las”.

A formação do primeiro espírito de um Comitê de Resistência surge e a alma judaica começa a formar uma união entre os prisioneiros e, simultaneamente, recrudesce a violência dos nazistas contra eles a extremos inacreditáveis. Não fosse este livro um documento de testemunhas do massacre, seria impossível aceitar os absurdos que nos são narrados.

O Comitê percebe todos os estratagemas dos alemães e dispõe-se a tramar uma rebelião. E, inacreditavelmente, inicia-se um jogo psicológico dos judeus com os alemães levando estes a acreditar na submissão total e absoluta dos prisioneiros. E o objetivo da revolta era ser um acontecimento de alcance histórico, com os evadidos servindo de testemunhas que vivenciaram aquele inferno para registro da Humanidade. Não tinha como meta simplesmente salvar vidas, pois os revoltosos, mero trapos humanos, pouco se importavam com a morte. Para os prisioneiros a revolta assumia uma dimensão extra: a destruição de um mito, a reconquista de sua condição humana.

Com idas e vindas, a revolta finalmente acontece. Mas até lá, Steiner leva o leitor a agonias e ansiedade como se fosse um prisioneiro de Treblinka, tal é o envolvimento em que consegue aprisionar seus leitores. Assim, pondo termo aos sofrimentos, brinda-nos ainda com impressionantes dados históricos de sua pesquisa. E revela, inconteste, que o histórico antissemitismo era algo muito forte àquela época, tanto que dos cerca de seiscentos fugitivos, apenas quarenta conseguiram sobreviver ao ódio dos camponeses poloneses, dos fascistas ucranianos, dos próprios alemães e de diversos grupos radicais soviéticos e europeus.

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Valdemir Martins

Fotos: 1. Capa do Livro; 2. Localização; 3. Chegada ao campo; 4. Maquete; 5. Estação; 6. Hospital dissimulado para extermínio; 7. Fumaça das cremações; 8. Franz Stangl, chefe do campo; 9. Samuel Willenberg, último sobrevivente; 10. Jean-François Steiner, autor.

16.12.23

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