Muito antes dos estudos de
psicanálise do consagrado Freud, o renovador alemão E. T. A. Hoffmann (Ernst Theodor Amadeus) já se utilizava do
inconsciente humano para desenvolver sua obra intrigante no período do
romantismo alemão. E isso está patente em sua obra máxima Os Elixires do Diabo, publicada
em 1816, onde esbanja esse uso de forma admirável, em favor de uma literatura
revolucionária para os padrões daquela época e região.
Nesse contexto, inicia-se o
livro, na Prússia Ocidental (hoje Polônia), com uma deslumbrante narração dos
anos de infância e adolescência passados num convento, quando enceta o
inebriante envolvimento de uma criança nos costumes religiosos com uma Igreja
triunfante com a promessa de graças e bênçãos ao povo de fé.
E assim começa a narrativa fascinante
da vida e peripécias do monge capuchinho Medardo. Aqui Hoffmann comete um
primeiro sacrilégio ao abordar a descrença essencial das pessoas nas relíquias
religiosas e como a Igreja atua com elas para tornar o indivíduo num crente. A
seguir, faz o leitor refletir sobre as tentações da curiosidade, do prazer e do
egocentrismo.
Ao sair um pouco do ambiente
monacal, o protagonista dissolve-se numa miríade de fatos e personagens onde o
inconsciente predomina atitudes e desarticula tudo que o leitor anseia ler em
função das referências anteriores. E ao sair desse novo clima, já está ao sabor
conveniente de seu subconsciente.
Sua viagem prossegue já incorporada
por seu duo. Atos de paixão e violência intercalam-se com passagens de aventura
e discursos sobre costumes. A dualidade explorada por Hoffmann extrapola seu protagonista,
ampliando-a a príncipes e santas. A tradicionalíssima disputa entre o bem e o
mal desabrocha como núcleo filosófico da obra, sempre atropelada pela fraqueza
de caráter do monge em seus duos, como pela exploração do grotesco e do trágico
em contraposição à religiosidade, à beleza feminina e ao encanto das paisagens.
Considerado um dos precursores da
literatura fantástica, tem nas visões do protagonista, como parte importante da
obra, a maior expressão do fantástico neste livro. Diálogos e altercações com
mortos, com santos e com o próprio demônio, assim como a inclusão de penhascos
e bosques escuros acentuam essa característica em seu texto.
Este clássico é uma obra
brilhante, intrincada, pautada por diálogos contundentes, ótimas tramas de
suporte ao enredo, muitas reviravoltas e um clima bastante agitado para as
emoções e predileções do leitor. E uma soberba e emocionante apoteose.
Uma leitura que exige concentração
e memória, pois por incrível que possa parecer, é uma linda e complexa história
de amor. Ensina-nos, mesmo aos descrentes, que o mundo espiritual sempre se
sobrepõe à banalidade terrena em permanente evolução.
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Valdemir Martins
30.11.2023
Fotos: 1. Capa do livro; . Capuchinhos dominicanos; 3. A bela Santa Rosália; 4. Santuário das Tílias Sagradas; 5. Clautros do Santuário; 6. Mosteiro dominicano em Roma; 7. E. T. A. Hoffmann
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