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4 de jan. de 2024

O divino Elixir do Diabo

Muito antes dos estudos de psicanálise do consagrado Freud, o renovador alemão E. T. A. Hoffmann (Ernst Theodor Amadeus) já se utilizava do inconsciente humano para desenvolver sua obra intrigante no período do romantismo alemão. E isso está patente em sua obra máxima Os Elixires do Diabo, publicada em 1816, onde esbanja esse uso de forma admirável, em favor de uma literatura revolucionária para os padrões daquela época e região.

Nesse contexto, inicia-se o livro, na Prússia Ocidental (hoje Polônia), com uma deslumbrante narração dos anos de infância e adolescência passados num convento, quando enceta o inebriante envolvimento de uma criança nos costumes religiosos com uma Igreja triunfante com a promessa de graças e bênçãos ao povo de fé.

E assim começa a narrativa fascinante da vida e peripécias do monge capuchinho Medardo. Aqui Hoffmann comete um primeiro sacrilégio ao abordar a descrença essencial das pessoas nas relíquias religiosas e como a Igreja atua com elas para tornar o indivíduo num crente. A seguir, faz o leitor refletir sobre as tentações da curiosidade, do prazer e do egocentrismo.

Ao sair um pouco do ambiente monacal, o protagonista dissolve-se numa miríade de fatos e personagens onde o inconsciente predomina atitudes e desarticula tudo que o leitor anseia ler em função das referências anteriores. E ao sair desse novo clima, já está ao sabor conveniente de seu subconsciente.

Sua viagem prossegue já incorporada por seu duo. Atos de paixão e violência intercalam-se com passagens de aventura e discursos sobre costumes. A dualidade explorada por Hoffmann extrapola seu protagonista, ampliando-a a príncipes e santas. A tradicionalíssima disputa entre o bem e o mal desabrocha como núcleo filosófico da obra, sempre atropelada pela fraqueza de caráter do monge em seus duos, como pela exploração do grotesco e do trágico em contraposição à religiosidade, à beleza feminina e ao encanto das paisagens.

Considerado um dos precursores da literatura fantástica, tem nas visões do protagonista, como parte importante da obra, a maior expressão do fantástico neste livro. Diálogos e altercações com mortos, com santos e com o próprio demônio, assim como a inclusão de penhascos e bosques escuros acentuam essa característica em seu texto.

Este clássico é uma obra brilhante, intrincada, pautada por diálogos contundentes, ótimas tramas de suporte ao enredo, muitas reviravoltas e um clima bastante agitado para as emoções e predileções do leitor. E uma soberba e emocionante apoteose.

Uma leitura que exige concentração e memória, pois por incrível que possa parecer, é uma linda e complexa história de amor. Ensina-nos, mesmo aos descrentes, que o mundo espiritual sempre se sobrepõe à banalidade terrena em permanente evolução.

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Valdemir Martins

30.11.2023

Fotos: 1. Capa do livro; . Capuchinhos dominicanos; 3. A bela Santa Rosália; 4. Santuário das Tílias Sagradas; 5. Clautros do Santuário; 6. Mosteiro dominicano em Roma; 7. E. T. A. Hoffmann

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