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19 de ago. de 2021

1984: um mundo dominado por utópica opressão absoluta

Li a distopia “1984”, do britânico George Orwell nos meus dezessete anos. Portanto, ainda antes desse ano e durante o governo militar. Devido à pouca idade e experiência de vida, a obra pareceu-me um pouco aborrecida, principalmente no seu primeiro quarto. No seu contexto, nada vi de semelhante ao sistema de governo que havia na época e, assim, nada absolutamente semelhante ao teor do livro, como muitos gostavam (ou ainda gostam) de ressaltar.

Hoje, numa releitura, reitero a opinião principalmente sobre o quarto inicial, apesar de ter agora a sensibilidade de perceber a necessidade da maçante ambientação inicial para se entender o terror do sistema político totalitário apresentado por Orwell. A partir daí, como desde o início, continuamos a ler à sombra, como é a sensação que o texto do autor nos proporciona. Algo lúgubre, como toda ditadura, nos oprimindo o prazer da leitura até o fim. É o toque mágico de Orwell.

Além do seu excepcional conteúdo político - fonte de análise para estudos de regimes totalitários e ditatoriais e inspiração para inúmeros movimentos políticos de esquerda, progressistas e globalistas na atualidade -, o livro fica devendo em termos de valor literário propriamente dito. Trata-se de um texto muito bem estruturado, com situações bastante criativas e diálogos inteligentes e muito bem elaborados. Mas, apesar de poucas situações emocionantes, apresenta trechos deslumbrantemente dramáticos como o roubo de um pedaço de chocolate, nas reminiscências do protagonista, ou de suspense como o enfrentamento de uma gaiola com ratos.

A obra foi concluída em 1948 e publicada no ano seguinte, e seu título traz os dois dígitos finais invertidos. Era uma forma de o autor alertar que a distopia descrita não seria uma ameaça distante. Estava, então, Orwell vivenciando o totalitarismo reinante na União Soviética bolchevique, após seu líder, o genocida Stálin, ter dado golpe de poder em seus companheiros de Revolução (Trotski e Lenin), e implantando uma ditadura comunista radical sem precedentes. Como no livro, deveria prevalecer sempre a palavra do Grande Irmão, no caso, Stálin.

Em meados do livro, num precioso remate teórico, Orwell nos faz uma elucubração marcante sobre o futuro das nações num suposto livro de um líder contrarrevolucionário. Aqui, dá uma demonstração espetacular de sua criatividade consciente e de especulação muito bem embasada. Como todo o teor de seu livro – como excelente profissional do jornalismo -, demonstra estar plenamente informado sobre o que ocorria tanto nos altos escalões do poder como junto à ralé nas duas grandes ditaduras da época: a Alemanha nazista e, principalmente, a União Soviética comunista.

Então, premonitoriamente, Orwell alerta para o que hoje se chama “Nova Ordem Mundial” (https://contracapaladob.blogspot.com/2021/03/introducao-nova-ordem-mundial-um.html), movimento progressista e globalista efetivo e em pleno desenvolvimento em nossos dias, contrário ao capitalismo e à democracia, e comandado por oligarquias políticas e financeiras. Este trecho bem exemplifica isso:

"Havia um bom tempo sabia-se que a única base segura para a oligarquia é o coletivismo. Riqueza e privilégio são defendidos com grande eficácia quando possuídos conjuntamente. A assim chamada “abolição da propriedade privada”, ocorrida nos anos intermediários do século, na verdade significara concentração da propriedade num número muito menor de mãos: mas com a diferença de que os novos proprietários eram um grupo, e não uma massa de indivíduos. Nenhum membro do Partido possui nada individualmente, com exceção de bens pessoais insignificantes. Coletivamente, o Partido possui tudo o que há na Oceânia, pois controla todas as coisas e dispõe dos produtos como bem entende. Nos anos que se seguiram à Revolução, teve oportunidade de ocupar essa posição de comando praticamente sem oposição, pois o processo como um todo era representado como um ato de coletivização. Sempre se acreditara que se a expropriação da classe capitalista ocorresse, o socialismo adviria daí: e inquestionavelmente os capitalistas haviam sido expropriados. Fábricas, minas, terras, casas, transporte — tudo lhes fora confiscado: e visto que essas coisas haviam deixado de ser propriedade privada, concluía-se que com certeza agora eram propriedade pública. O Sistema, que emanara dos primórdios do movimento socialista e que dele herdara sua fraseologia, na verdade conseguira concretizar o que havia de mais importante no programa socialista; com o resultado, antecipadamente previsto e pretendido, de que a desigualdade econômica se tornara permanente.”

Com todos esses vislumbres e assertivas, a obra tornou-se referência mundial sempre que a verdade é agredida ou adulterada. Ou mesmo quando se viola o poder, como acontece hoje com a atuação constitucionalmente desvirtuada do STF - Supremo Tribunal Federal do Brasil; e também quando se malsina a linguagem como tentam hoje criar, sem necessidade e por ideologia, a figura da linguagem neutra, inexistente e absolutamente desnecessária na grande maioria das línguas ocidentais.

Retratando um mundo dominado por uma utópica opressão absoluta, antes do seu término o livro 1984 traz, na sua apoteose, um extenso trecho de terror e de repugnância. No meu ver, uma obra de leitura desagradável, mas de importância fundamental em seu contexto político e psicossocial.

Valdemir Martins

18.08.2021 

Fotos: 1. Capa do livro; 2. As teletelas; 3. Primeira edição ; 4. O contexto ; 5. O casal protagonista; 6. O Grande Irmão; 7. Manifestação do Partido; 8. George Orwell.

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