Li a distopia “1984”, do britânico George Orwell nos meus dezessete anos.
Portanto, ainda antes desse ano e durante o governo militar. Devido à pouca
idade e experiência de vida, a obra pareceu-me um pouco aborrecida,
principalmente no seu primeiro quarto. No seu contexto, nada vi de semelhante ao
sistema de governo que havia na época e, assim, nada absolutamente semelhante ao
teor do livro, como muitos gostavam (ou ainda gostam) de ressaltar.
Hoje, numa releitura, reitero a opinião principalmente sobre
o quarto inicial, apesar de ter agora a sensibilidade de perceber a necessidade
da maçante ambientação inicial para se entender o terror do sistema político totalitário
apresentado por Orwell. A partir daí, como desde o início, continuamos a ler à
sombra, como é a sensação que o texto do autor nos proporciona. Algo lúgubre,
como toda ditadura, nos oprimindo o prazer da leitura até o fim. É o toque
mágico de Orwell.
Além do seu excepcional conteúdo político - fonte de análise
para estudos de regimes totalitários e ditatoriais e inspiração para inúmeros
movimentos políticos de esquerda, progressistas e globalistas na atualidade -,
o livro fica devendo em termos de valor literário propriamente dito. Trata-se
de um texto muito bem estruturado, com situações bastante criativas e diálogos
inteligentes e muito bem elaborados. Mas, apesar de poucas situações
emocionantes, apresenta trechos deslumbrantemente dramáticos como o roubo de um
pedaço de chocolate, nas reminiscências do protagonista, ou de suspense como o
enfrentamento de uma gaiola com ratos.
A obra foi concluída em 1948 e publicada no ano seguinte, e seu
título traz os dois dígitos finais invertidos. Era uma forma de o autor alertar
que a distopia descrita não seria uma ameaça distante. Estava, então, Orwell
vivenciando o totalitarismo reinante na União Soviética bolchevique, após seu
líder, o genocida Stálin, ter dado golpe de poder em seus companheiros de
Revolução (Trotski e Lenin), e implantando uma ditadura comunista radical sem
precedentes. Como no livro, deveria prevalecer sempre a palavra do Grande
Irmão, no caso, Stálin.
Em meados do livro, num precioso remate teórico, Orwell nos faz
uma elucubração marcante sobre o futuro das nações num suposto livro de um líder
contrarrevolucionário. Aqui, dá uma demonstração espetacular de sua
criatividade consciente e de especulação muito bem embasada. Como todo o teor
de seu livro – como excelente profissional do jornalismo -, demonstra estar plenamente
informado sobre o que ocorria tanto nos altos escalões do poder como junto à
ralé nas duas grandes ditaduras da época: a Alemanha nazista e, principalmente,
a União Soviética comunista.
Então, premonitoriamente, Orwell alerta para o que hoje se
chama “Nova Ordem Mundial” (https://contracapaladob.blogspot.com/2021/03/introducao-nova-ordem-mundial-um.html), movimento progressista e
globalista efetivo e em pleno desenvolvimento em nossos dias, contrário ao
capitalismo e à democracia, e comandado por oligarquias políticas e
financeiras. Este trecho bem exemplifica isso:
"Havia um bom tempo
sabia-se que a única base segura para a oligarquia é o coletivismo. Riqueza e
privilégio são defendidos com grande eficácia quando possuídos conjuntamente. A
assim chamada “abolição da propriedade privada”, ocorrida nos anos
intermediários do século, na verdade significara concentração da propriedade
num número muito menor de mãos: mas com a diferença de que os novos
proprietários eram um grupo, e não uma massa de indivíduos. Nenhum membro do
Partido possui nada individualmente, com exceção de bens pessoais
insignificantes. Coletivamente, o Partido possui tudo o que há na Oceânia, pois
controla todas as coisas e dispõe dos produtos como bem entende. Nos anos que
se seguiram à Revolução, teve oportunidade de ocupar essa posição de comando
praticamente sem oposição, pois o processo como um todo era representado como um
ato de coletivização. Sempre se acreditara que se a expropriação da classe
capitalista ocorresse, o socialismo adviria daí: e inquestionavelmente os
capitalistas haviam sido expropriados. Fábricas, minas, terras, casas,
transporte — tudo lhes fora confiscado: e visto que essas coisas haviam deixado
de ser propriedade privada, concluía-se que com certeza agora eram propriedade
pública. O Sistema, que emanara dos primórdios do movimento socialista e que
dele herdara sua fraseologia, na verdade conseguira concretizar o que havia de
mais importante no programa socialista; com o resultado, antecipadamente
previsto e pretendido, de que a desigualdade econômica se tornara permanente.”
Com todos esses vislumbres e assertivas, a obra tornou-se
referência mundial sempre que a verdade é agredida ou adulterada. Ou mesmo
quando se viola o poder, como acontece hoje com a atuação constitucionalmente desvirtuada do STF - Supremo Tribunal
Federal do Brasil; e também quando se malsina a linguagem como tentam hoje
criar, sem necessidade e por ideologia, a figura da linguagem neutra, inexistente e absolutamente desnecessária na
grande maioria das línguas ocidentais.
Retratando um mundo dominado por uma utópica opressão
absoluta, antes do seu término o livro 1984 traz, na sua apoteose, um
extenso trecho de terror e de repugnância. No meu ver, uma obra de leitura desagradável,
mas de importância fundamental em seu contexto político e psicossocial.
Valdemir Martins
18.08.2021
Fotos: 1. Capa do livro; 2. As teletelas; 3. Primeira edição ; 4. O contexto ; 5. O casal protagonista; 6. O Grande Irmão; 7. Manifestação do Partido; 8. George Orwell.
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