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2 de out. de 2020

A luminosidade em seres tão mergulhados nas trevas ****

Após ler os excelentes “A Estrada” e “Onde os Velhos não Têm Vez” (este, base para o filme ganhador do Oscar em 2007), li o impressionante Meridiano de Sangue ou O Crepúsculo Vermelho no Oeste, do norte americano Cormac McCarthy. Um faroeste diferenciado, extremamente realista e chocante. Um western reinventado, onde o absurdo e a alucinação se sobrepõem à realidade.

O calor e ...

Aqui, o leitor sente o terrível calor e secura do inóspito oeste norte americano e do norte mexicano, bem como seu frio extremo mais ao norte; sente a terrível fedentina dos corpos imundos dos personagens e seus piolhos; gruda no barro e no sangue de inúmeros mortos; arrepia-se e fica abalado com carnificinas de índios e mexicanos protagonizadas por um grupo extremamente violento de americanos desgarrados e desencaminhados de sua pátria, 
deleitando-se em sua monstruosa missão infame contratada por poderosos regionais para eliminar o maior número possível de índios. E, ironicamente, levar seus escalpos como comprovantes.

...o frio do deserto.

Quem lê Meridiano de Sangue não sai a mesma pessoa no final do livro. Intermitentes deambulações pela violência extremamente explícita abalizam o arcabouço desta assustadora obra de McCarthy. Num crescendo, com detalhes meticulosamente sanguinolentos e escatológicos, a violência tropeça sempre nos trechos ou frases de lirismo e poesia, estilo e sabedoria de McCarthy.

O bando

O protagonista não tem nome. De “garoto” ele transforma-se em homem no momento certo do enredo e, para sobreviver, precisa ser tão ou mais violento que seus companheiros e inimigos. Seu co-protagonista, um juiz poliglota, culto, multi prodigioso, às vezes asqueroso e caricato, é na realidade um monstro dentro de toda alucinante violência conduzida pelo perpétuo e ambíguo personagem.

É um majestoso romance noir sobre aspectos cruciantes da história do oeste norte americano, sem concessões à cinematografia: sem John Wayne ou Clint Eastwood ou Jerônimo ou sargento Garcia. Nem Rin Tin Tin. A linguagem do livro, seus personagens, as paisagens, as descrições eventuais de romance de formação, a intensidade dos fatos e seu ritmo alucinante, constroem a grandeza da obra.

Os Apaches

O controvertido crítico literário norte americano Harold Bloom, ao considerar que este romance sobre o western “jamais será superado, escreveu: “A merecida notoriedade de ‘Moby Dick’ e ‘Enquanto Agonizo’ é levada adiante por ‘Meridiano de Sangue’, pois Cormac McCarthy é discípulo de Melville e Faulkner. Eu diria que nenhum romancista norte-americano vivo, nem mesmo Pynchon, oferece-nos um livro tão marcante e memorável quanto ‘Meridiano de Sangue’...”.


No final, com suas ponderações, McCarthy expõe o âmago da obra, em meio aos discursos infindáveis do grotesco juiz Holden, esclarecendo que era contra o vazio e o desespero que o grupo pegava em armas e se refastelava em sangue.

Todos seus personagens são absolutamente humanos com suas obscuridades e brilhos, uns mais outros menos, como todos nós. Mas McCarthy nos faz enxergar “a luminosidade nesses seres tão mergulhados nas trevas”.

Valdemir Martins

30.9.2020

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Um comentário:

  1. A leitura é ótima, nos fazendo ver a crueza da empreitada humana em meio a tão belos cenários. E a resenha está excelente! Parabéns!

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