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16 de jun. de 2021

As Memórias do Livro são vários livros.

A premiada escritora australiana Geraldine Brooks consegue a façanha de, com uma série de “contos”, formar um grande romance. Em As Memórias do Livro ela engenhosamente narra a história quase verídica – pois é baseada em pesquisas de inúmeros fatos reais – de uma Hagada (narrativa), obra única em sua essência, pois reconta a história do êxodo e relata a sequência de rituais que devem ser feitos na noite do Pessach, a Páscoa dos judeus.

No entanto, trata-se de uma obra sacrílega, pois viola seriamente as leis religiosas ao conter iluminuras, características de livros cristãos. Por ser um trabalho artístico maravilhoso e um opúsculo sagrado medieval, é considerada uma raridade. E o que é mais intrigante, sobreviveu à Inquisição Espanhola, ao regime nazista, à guerra civil na Bósnia e, enfim, a séculos de antissemitismo na Europa. Por último, foi salva, estranhamente, por um muçulmano em Sarajevo. Além de conter um enigma: por que e por quem foi elaborado?

Uma competente conservadora de documentos australiana, com sérios problemas de relacionamento com a mãe – uma respeitada neurologista que sonhava com a carreira médica para a filha – recebe a incumbência da ONU de recuperar o livro. Em seu trabalho acaba envolvendo-se amorosamente com um bibliotecário bósnio e emocionalmente com o filho dele, em estado vegetativo em decorrência da guerra local.

Brooks leva-nos a uma fascinante viagem no tempo para acompanhar a vida dos personagens responsáveis pela história da Hagada em diversas épocas. São histórias independentes, como contos, que basicamente se sustentam e mantêm um liame que no final vai amarrar todo o romance. Impossível parar de ler, pois se aprende muito – e de maneira breve – sobre o judaísmo, a conservação de documentos, culinárias típicas, a censura da Inquisição e sobre os tratamentos médicos no século XVIII.

Brooks comentou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, por ocasião do lançamento do livro (2008), que trabalhou como se fosse repórter para descobrir detalhes saborosos de épocas passadas, como o sabor do vinho, o cheiro do sal e a cor dos cabelos das mulheres. A pesquisa de campo incluiu ainda traçar o perfil da sociedade Bósnia contemporânea, uma vez que Sarajevo é o centro da história.

O resultado, sem dúvida, é este excelente livro que demonstra o talento de Brook para narrativas ricas, envolventes e misteriosas que, apesar de densas, estimulam a leitura contínua também por sua qualidade literária.

Valdemir Martins

16.6.2021

Fotos: 1. capa 1ª edição; 2. o haganá; 3. Conservação de livros; 4. Sarajevo durante a guerra; 5. Geraldine Brooks.

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