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14 de out. de 2023

Engordando conhecimentos na Ceia Secreta

Enquanto vamos conhecendo episódios importantes do Século XIV, em plena época da chamada Santa Inquisição, alcançamos fatos que propiciam um suspense e um clima perscrutador que se revelam no âmago da obra A Ceia Secreta, do jornalista e escritor espanhol Javier Sierra. Um surpreendente romance histórico.

Lembrando um pouco o livro O Nome da Rosa, claro, sem o eruditismo de Umberto Eco, este romance desenvolve-se também num ambiente claustrofobicamente eclesiástico e investigativo, mantendo um bom suspense e aquela consequente vontade de não parar a leitura. Com um bom ritmo, o texto flui na medida em que aumenta a ansiedade do leitor.

Aqui se descobre fatos pitorescos e pouco conhecidos do berço da religião católica, em especial sobre Jesus e seus discípulos, João Batista e a onipresente Maria Madalena, além de Leonardo da Vinci, os Dominicanos e os mecenas de obras sacras. A mixagem de elementos reais e ficcionais usada por Sierra de maneira tão estimulante e envolvente consegue conduzir o leitor como partícipe da trama.

Acredito ser uma obra muito mais envolvente para quem aprecia e tem algum conhecimento de arte pictorial. A base de sua narrativa faz eclodir as inúmeras facetas e enigmas que envolvem não só a obra de Leonardo Da Vinci, mas especificamente o Cenacolo ou Santa Ceia, ou ainda A Última Ceia, como é conhecida sua polêmica obra prima, um afresco pintado numa parede do refeitório do convento da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão.

O livro é narrado na primeira pessoa, pelo próprio protagonista, de forma bastante casual e informal, o que torna a leitura mais cativante. E não vejo uma forma de leitura de sucesso sem o acompanhamento constante de visualizações da pintura ao lado do livro, entendendo-se assim as interessantíssimas contendas sobre a obra.

A “teoria da conspiração” contra a Igreja Católica – já batida com sucesso em O Código Da Vinci, de Dan Brown, e no livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Michael Baigent -,
reaparece nesta obra de forma bastante enfática e envolvente, principalmente pelo fato de Sierra contextualizar seu trabalho no século XV, num cuidadoso trabalho de pesquisa. Ele é um grande cientista em simbologia e códigos antigos, como também estudioso profundo do esoterismo, pelo qual é muito respeitado.

Os cátaros (katharos que significa “puros” em grego) membros de uma facção religiosa da Idade Média que repudiava a igreja católica apostólica romana – e bem pouco conhecida pelo público – torna-se o cerne desta trama repleta de simbologias e códigos secretos. E, assim, promovendo mais polêmicas à sua obra, Sierra leva-nos até os conceitos enunciados nos chamados Evangelhos Gnósticos, descobertos no Nag Hammadi, no norte do Egito em 1945, tidos, então, como “livros perdidos da Bíblia”.

Todos os personagens desta obra e a maioria dos fatos ali relatados existiram e são históricos, o que confere ao livro A Ceia Secreta, principalmente aos religiosos cristãos, uma excelente oportunidade de engordar seus conhecimentos sobre o assunto como também de refletir mais profundamente sobre suas crenças.

Aos admiradores de Leonardo da Vinci fica a certeza reescrita de sua genialidade artística, científica e humana, uma vez que tudo no texto de Sierra tem fundamentos em rigorosas e respeitadas pesquisas. Diferente e muito superior ao de Dan Brown, este é um livro a ser lido, refletido e, com certeza, admirado e recomendado.

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Valdemir Martins

13.09.2023

Fotos: 1. capa do livro; 2. O refeitório da Igreja de Santa Maria della Gracie; 3. A pintura original; 4. A pintura no refeitório; 5. A polêmica tela refeita da Madona da Pedra; 6. O evangelho gnóstico; 7. Javier Sierra.

3 de out. de 2023

Aos dezenove, O Quinze!

Não há como negar: é inquestionável o talento literário de Rachel de Queiroz, já explicitado em sua primeira obra, O Quinze. E é de embasbacar-se que, com apenas dezenove anos, tão brilhante romance escreveu. Um talento incontroverso.

Também incontestável é a qualidade da sua escrita e da sua criatividade. E, em tão tenra idade, já expressa um profundo conhecimento do achavascado agreste nordestino e de seus resistentes residentes e sobreviventes. Sem falarmos dos predicados de sua linguagem fluída, objetiva e concisa, contudo, sem deixar de apresentar o realismo dos personagens e cenários: “Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.”

Muitas vezes interpretativo beirado à perfeição, os diálogos transpiram autenticidade e expõem a exuberante realidade cabocla do retirante no sertão atroz e desumanamente infernal. Perturbadoras, chegam a ser emocionantes as cruas descrições do sofrimento dos retirantes ante a fome, a sede, o sol abrasador e, como consequência, a fraqueza e a moléstia: miséria e desespero.

A tanta desgraça involuntária soma-se a incomensurável dor de não se ter tino e tempo para cumprir ou sentir o luto. Para o retirante, a vida não lhe pertence, mas à caatinga e à misericórdia de quem pouco tem para compartilhar.

Diante de tanto sofrimento, Rachel não deixa de suavizar sua obra de estreia com romances dos personagens e com a inclusão de pessoas bondosas que se destacam ao ajudar os miseráveis.

E assim, Rachel resgata as causas da fuga de sua família do Ceará para o Rio de Janeiro, em 1877, na maior seca que já assolou o nordeste brasileiro.

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Valdemir Martins

31.08.2023

Fotos: 1. capa do livro; 2. criança retirante; 3. acampamento de retirantes na grande seca de 1877; 4. Rachel aos dezenove anos.