Enquanto vamos conhecendo episódios
importantes do Século XIV, em plena época da chamada Santa Inquisição, alcançamos fatos que propiciam um suspense e um
clima perscrutador que se revelam no âmago da obra A Ceia Secreta, do
jornalista e escritor espanhol Javier
Sierra. Um surpreendente romance histórico.
Lembrando um pouco o livro O Nome da Rosa, claro, sem o eruditismo
de Umberto Eco, este romance desenvolve-se também num ambiente
claustrofobicamente eclesiástico e investigativo, mantendo um bom suspense e
aquela consequente vontade de não parar a leitura. Com um bom ritmo, o texto
flui na medida em que aumenta a ansiedade do leitor.
Aqui se descobre fatos pitorescos
e pouco conhecidos do berço da religião católica, em especial sobre Jesus e
seus discípulos, João Batista e a onipresente Maria Madalena, além de Leonardo
da Vinci, os Dominicanos e os mecenas de obras sacras. A mixagem de elementos
reais e ficcionais usada por Sierra de maneira tão estimulante e envolvente
consegue conduzir o leitor como partícipe da trama.
Acredito ser uma obra muito mais
envolvente para quem aprecia e tem algum conhecimento de arte pictorial. A base
de sua narrativa faz eclodir as inúmeras facetas e enigmas que envolvem não só
a obra de Leonardo Da Vinci, mas especificamente o Cenacolo ou Santa Ceia, ou
ainda A Última Ceia, como é conhecida
sua polêmica obra prima, um afresco pintado numa parede do refeitório do convento da igreja
de Santa Maria delle Grazie, em
Milão.
O livro é narrado na primeira pessoa,
pelo próprio protagonista, de forma bastante casual e informal, o que torna a
leitura mais cativante. E não vejo uma forma de leitura de sucesso sem o
acompanhamento constante de visualizações da pintura ao lado do livro,
entendendo-se assim as interessantíssimas contendas sobre a obra.
A “teoria da conspiração” contra
a Igreja Católica – já batida com sucesso em O Código Da Vinci, de Dan Brown, e no livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Michael
Baigent -,
reaparece nesta obra de forma bastante enfática e envolvente,
principalmente pelo fato de Sierra contextualizar seu trabalho no século XV,
num cuidadoso trabalho de pesquisa. Ele é um grande cientista em simbologia e
códigos antigos, como também estudioso profundo do esoterismo, pelo qual é
muito respeitado.
Os cátaros (katharos que significa “puros” em grego) membros de uma facção
religiosa da Idade Média que repudiava a igreja católica apostólica romana – e
bem pouco conhecida pelo público – torna-se o cerne desta trama repleta de
simbologias e códigos secretos. E, assim, promovendo mais polêmicas à sua obra,
Sierra leva-nos até os conceitos enunciados nos chamados Evangelhos Gnósticos,
descobertos no Nag Hammadi, no
norte do Egito em 1945, tidos, então, como “livros perdidos da Bíblia”.
Todos os personagens desta obra e a maioria dos fatos ali relatados
existiram e são históricos, o que confere ao livro A Ceia Secreta, principalmente aos religiosos cristãos, uma
excelente oportunidade de engordar seus conhecimentos sobre o assunto como
também de refletir mais profundamente sobre suas crenças.
Aos admiradores de Leonardo da Vinci fica a certeza reescrita de sua
genialidade artística, científica e humana, uma vez que tudo no texto de Sierra
tem fundamentos em rigorosas e respeitadas pesquisas. Diferente e muito
superior ao de Dan Brown, este é um livro a ser lido, refletido e, com certeza,
admirado e recomendado.
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Valdemir Martins
13.09.2023
Fotos: 1. capa do livro; 2. O refeitório da Igreja de Santa Maria della Gracie; 3. A pintura original; 4. A pintura no refeitório; 5. A polêmica tela refeita da Madona da Pedra; 6. O evangelho gnóstico; 7. Javier Sierra.
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