Não há na história da humanidade
um povo tão longevo, sofrido e batalhador. O povo judeu, com seus primórdios
bíblicos mantém até os dias atuais a mesma sina de povo unido e vencedor.
Marcado por episódios épicos como o êxodo do Egito, até aos tormentos atuais de
subsistência heroica em meio a territórios antagônicos, o povo hebreu teve um
ápice de sofrimento quando os nazistas determinaram a sua extinção. O histórico
Holocausto nazista tem inúmeros registros em depoimentos e documentos, em livros,
nas artes e em imagens mostrando quão cruel foi “a solução final” planificada
por Hitler e seus asseclas.
Um dos mais importantes registros
dos massacres encontra-se no livro Treblinka, do judeu francês Jean-François Steiner. Uma obra que
registra diametralmente a mansidão e a surpreendente revolta avassaladora dos
prisioneiros, em seus mínimos detalhes, todos históricos, pois realmente
aconteceram e foram testemunhados.
Ao conquistar os territórios da
Polônia, Ucrânia, Bielo-Rússia e Estados Bálticos (então pertencentes à União
Soviética) a Alemanha nazista herdou uma população de milhões e milhões de
judeus indesejados, por serem de “raça inferior”. Nasceu assim, para Hitler, a
necessidade urgente de livrar-se deles e foram então criados inúmeros campos de
concentração naquela região. Treblinka, na Polônia, foi um dos pioneiros.
Diferentemente dos famosos campos
de concentração de Auschwitz, Dachau, Bergen-Belsen, Buchenwald e Sobibór - dentre
os 48 que existiram, entre concentração, seleção, guetos e eliminação -, Treblinka
foi um campo de extermínio com um histórico diferenciado dos demais em diversos
aspectos: era o local onde os judeus eram mais humilhados e onde a SS aplicava
com mais dedicação e eficácia seu programa de despersonalização do prisioneiro
e dos grupos de prisioneiros, fazendo-os perder psicologicamente sua identidade
como povo ou raça, baixar a resistência e perder qualquer esperança, levando-os
a encaminharem-se à morte como um rebanho de ovelhas. Afinal, era um campo de
extermínio. São aspectos importantes muito bem explicados por Simone de
Beauvoir no prefácio da obra, publicada em Paris em 1966.
Steiner inicia seu impecável
relato abordando os pogroms soviéticos
de massacre de judeus que passou a ser inteligentemente usado pelos nazistas
naquela região. A seguir, a estratégia dos guetos, com o uso sistemático e
eficiente dos condicionamentos psicológicos. Seus relatos são suficientemente
detalhados - e, às vezes cruéis - para o entendimento eficaz desta preciosa resenha histórico.
Passa a narrar a criação do Campo
de Treblinka como pioneiro dedicado apenas ao extermínio e à recuperação de
bens, tudo executado, sob açoite, pelos próprios prisioneiros. A recuperação referia-se
às roupas, ao dinheiro e aos demais bens portados pelos judeus para
reaproveitamento; inclusive a extração de dentes e obturações de ouro dos
mortos com alicates.
E neste ponto do livro, com
certeza, o leitor começa a refletir horrorizado sobre o significado de todo
esse mal – físico, psicológico e espiritual – impetrado pelos nazistas contra o
povo judeu; jovens, idosos e crianças, sem exceção. E Steiner não economiza
palavras e detalhes para descrevê-lo. E a simples e conformada aceitação da
morte pelos judeus é sintetizada na frase de um personagem: “tal como fazem certas aranhas, eles ‘adormecem’
as vítimas antes de eliminá-las”.
A formação do primeiro espírito
de um Comitê de Resistência surge e a
alma judaica começa a formar uma união entre os prisioneiros e,
simultaneamente, recrudesce a violência dos nazistas contra eles a extremos inacreditáveis.
Não fosse este livro um documento de
testemunhas do massacre, seria impossível aceitar os absurdos que nos são
narrados.
O Comitê percebe todos os estratagemas dos alemães e dispõe-se a
tramar uma rebelião. E, inacreditavelmente, inicia-se um jogo psicológico dos
judeus com os alemães levando estes a acreditar na submissão total e absoluta
dos prisioneiros. E o objetivo da revolta era ser um acontecimento de alcance
histórico, com os evadidos servindo de testemunhas que vivenciaram aquele
inferno para registro da Humanidade. Não tinha como meta simplesmente salvar
vidas, pois os revoltosos, mero trapos humanos, pouco se importavam com a
morte. Para os prisioneiros a revolta assumia uma dimensão extra: a destruição
de um mito, a reconquista de sua condição humana.
Com idas e vindas, a revolta
finalmente acontece. Mas até lá, Steiner leva o leitor a agonias e ansiedade
como se fosse um prisioneiro de Treblinka, tal é o envolvimento em que consegue
aprisionar seus leitores. Assim, pondo termo aos sofrimentos, brinda-nos ainda
com impressionantes dados históricos de sua pesquisa. E revela, inconteste, que
o histórico antissemitismo era algo muito forte àquela época, tanto que dos
cerca de seiscentos fugitivos, apenas quarenta conseguiram sobreviver ao ódio
dos camponeses poloneses, dos fascistas ucranianos, dos próprios alemães e de
diversos grupos radicais soviéticos e europeus.
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Valdemir Martins
Fotos: 1. Capa do Livro; 2. Localização; 3. Chegada ao campo; 4. Maquete; 5. Estação; 6. Hospital dissimulado para extermínio; 7. Fumaça das cremações; 8. Franz Stangl, chefe do campo; 9. Samuel Willenberg, último sobrevivente; 10. Jean-François Steiner, autor.
16.12.23