Para ler esta consagrada obra clássica, você tem que se despojar de todas aquelas alegorias e imbuir-se de que está diante de uma gigantesca obra literária escrita por uma mulher sensível e habilidosa. Trata-se de uma obra peculiar - praticamente epistolar - perceptivelmente escrita por uma mulher, sem características de masculinidade que usualmente marcam as obras de aventura (contrariando também as versões celulósicas). Isso fica reiterado no estilo da carta recebida pelo doutor Frankenstein escrita por sua prima irmã cobrando notícias ainda no primeiro terço do livro.
Inspirada nas viagens com seu marido, Shelley leva-nos até a grandeza solitária das paisagens deslumbrantes do Vale do Chamonix, aos pés do Mont Blanc, nos Alpes franco-suíços. Lá, o protagonista reencontra sua criatura e, surpreendentemente, o “monstro” conta sua história e revela-se um ser gracioso, inteligente e muito bondoso. Sua narrativa comovente traz um contraste radical com o que até ali se havia lido, tão iluminada e feliz se evidencia. A criatura empreende, então, seu próprio crescimento intelectual e evolui por autodidatismo.
Pode não ser a intenção da autora, mas entrevejo nas palavras derradeiras de Frankenstein uma crítica contundente às ambições científicas e tecnológicas sem a segurança de um objetivo claro, moral e realmente benéfico. Mas fica bastante claro para os leitores no remanescente discurso do “monstro” que a inveja impotente e a indignação amarga geram a sede insaciável de vingança. E fica o recado da escritora.
Apesar de a maioria das pessoas e da crítica considerarem Frankenstein como a obra prima de Mary Shelley, particularmente acredito que seu magnum opus seja a ficção apocalíptica O Último Homem, a qual recomendo fortemente.
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Valdemir Martins
05.05.2024
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O "monstro" impostor popular; 3. A faculdade de Ingolstadt; 4. O cientista e sua noiva; 5. A cidade de Chamonix e o Mont-Blanc; 6. O navio no Circulo Polar Ártico; 7. Mary Shelley em gravura da época.
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO (1818)
“O acontecimento que fundamenta esta ficção já não é considerado, segundo o dr. Darwin e alguns dos fisiologistas alemães, impossível. Não se deve presumir que eu atribua o mais remoto grau de fé e seriedade a tais devaneios; não obstante, ao aceitar que funcionam como argumento para um trabalho de fantasia, não julgo que apenas teço fios de horrores sobrenaturais.” (Mary Shelley) …/