Pesquisar este blog

27 de nov. de 2018

O Homem que Amava os Cachorros: o comunismo morreu no berço


O caudaloso e vigoroso romance histórico O Homem que Amava os Cachorros não conta as peripécias de um eventual dono de um cão Marley, mas de um apaixonado dono de galgos russos borzóis. E de outros personagens que também amavam os cães. E não se trata aqui de uma estória de cachorros. São histórias entrelaçadas que se completam e têm um único final, abordando vidas de protagonistas reais que tiveram uma terrível “vida de cachorro” ou que viveram enganados como um cachorro raivoso e destruidor.

Em meio à escuridão das maldades humanas e de eventos negativos da natureza ele está sempre acendendo uma luz, numa poderosa linguagem criativa e fluente. Assim é a escrita do cubano Leonardo Padura nesta obra. Narrando a incrível vida desterrada do bolchevique puro-sangue Liev Davidovitch Trotski na pós-revolução russa, de forma romanceada e em três planos narrativos. Padura incrementa o enredo com as vidas paralelas do homem mais marcante na biografia de Trotski depois do arrivista e poderoso Stálin: o espanhol Ramón Mercader, seu algoz, levando a reboque a existência de um medíocre, honesto e batalhador jornalista cubano que também amava os cachorros e que se torna responsável pela obra, revelando-nos a miserável e inacreditável vida dos cubanos pós-revolução.

Leon Trotsky
Com um texto impecável e vibrante, conduzindo os fatos de modo magistral, Padura não nos deixa largar a leitura enredando-nos em histórias da guerra civil espanhola, dos meandros políticos da segunda guerra mundial, da revolução bolchevique e do fantástico golpe engendrado por Stálin atribuindo a Trotsky a responsabilidade de uma eventual traição aos desígnios da revolução proletária soviética. Como se não bastasse – mas faz parte da história real – temos ainda como protagonistas os artistas mexicanos Frida Khalo e seu marido Diego Rivera e do escritor francês e teórico fundamentalista do surrealismo André Breton (a quem o degredado russo declarou: “Para a arte, a liberdade é sagrada, é a sua única salvação. Para a arte, tudo tem de ser tudo.”). Além de passagens pelo gélido inverno ucraniano, pelos encantos mediterrâneos da Turquia, os fiordes noruegueses, Barcelona, Paris e a estranha e congelante Moscou. E, principalmente, o tórrido distrito de Coyoacán na Cidade do México.

Frida Khalo eTrotsky
Conhecido no mundo como o grande companheiro de Lenin, Trotski foi o colíder da Revolução Comunista de Outubro de 1917 na Rússia dos czares; o comissário russo vitorioso da I Guerra e o criador do Exército Vermelho. Um comunista - lá no fundo um detestável pequeno burguês - que gostava de vida em sociedade, boa bebida, boa comida e almejava sempre o conforto proporcionado pela renda de seus escritos. Apesar de, ele e seu carrasco, terem um comportamento estoico na vida e na desgraça.

Trata-se de um livro bastante realista – onde escorre vodca, sangue e medo por suas entrelinhas -, mas absolutamente verdadeiro em meio a um romance histórico e noir. Retrata-nos o esplendor da falseta governista do temido ditador Stalin; expõe os meandros de seus serviços secretos, a monstruosidade da manipulação das pessoas através da mentira e a crueldade de mais alto grau no tratamento dado à população faminta, suja, doente, enregelada e maltrapilha. Nada além de um governo genocida, característica, a partir de então, de outras “revoluções comunistas” como a cubana, a chinesa e a cambojana, na sequência.

E Padura coloca-nos então a questão política chave do livro: onde termina o ideal socialista e inicia-se um processo totalitário? A obra faz-nos refletir se não seria necessário admitir que a concepção marxista de sociedade e do socialismo estava errada. O próprio autor considera que “a classe operária tinha demonstrado com a experiência russa sua incapacidade de governar a si própria”. O autor, assim, traça um retrato histórico das consequências da mentira ideológica e do seu poder destrutivo sobre a utopia mais importante do século XX.

Ramón Mercader preso no México
Segundo o próprio Trotsky concluiu, “a União Soviética não fora mais que a precursora de um novo sistema de exploração e que a sua estrutura política tinha inevitavelmente de gerar uma nova ditadura, maquiada, quando muito, com outra retórica...”. Era obrigado a reconhecer que o stalinismo não tinha suas raízes no atraso da Rússia nem no ambiente imperialista hostil dos czares, mas na incapacidade do proletariado de se transformar em classe governante.

O golpe do montanhês georgiano Stalin na nascente revolução soviética, após a morte de Lenin (supostamente envenenado por ordem do próprio Stalin), decretando o purista Trotsky como traidor da revolução e o doloroso expurgo e assassinato de milhões de indivíduos (a maioria inocente), instituindo o império da mentira, leva-nos, sem dúvida, a concluir que a revolução comunista legítima e original morreu no berço. Como disse o próprio proscrito Trotsky em 1937: “sinto pena de mim mesmo e de todos os que, enganados e usados, acreditamos alguma vez na validade da utopia fundada no já então desaparecido país dos sovietes...”.

Leonardo Padura
Assim, o modelo tido hoje como comunista ou socialista nada mais é que o conceito stalinista de governar, haja vista os países que na atualidade são considerados comunistas – todos eles ditaduras totalitaristas sangrentas como a de Stalin – entre os quais Cuba, Venezuela, Síria, Coréia do Norte, China e, dissimuladamente, ainda a Rússia, dentre as 49 ditaduras ainda existentes no mundo. O socialismo nesses países e a moderna história russa demonstrada por Leonardo Padura vêm confirmar surpreendentemente que o comunismo nasceu morto e que este livro O Homem que Amava os Cachorros é seu epitáfio.

Valdemir Martins
Novembro de 2018.

*** Se você gostou deste comentário, siga-nos. Basta clicar em "Seguir" no lado superior direito do blog. Muito obrigado!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradeço seu comentário e participação!