Há cerca de uma década falava-se – e escrevia-se – muito sobre os
países emergentes na mídia. E dentre eles, o de maior destaque era a Índia,
imenso e tradicional país do ocidente asiático. Assim como no Brasil ou na
Rússia, ou mesmo no México, a miséria, a ignorância e a corrupção estão impregnadas
na sua história.
Mas que importância tem isso face ao desenvolvimento econômico e
tecnológico de um país emergente como a Índia? A força e os interesses dos
grupos dominantes mantêm o status quo indiano para aumentar ou manter
seu poder. E é isto que o então estreante e desconhecido escritor Aravind Adiga denuncia neste romance
único, diferenciado e cheio de humor negro, ironia e realismo cruel, abominável
e inescrupuloso. Em O Tigre Branco (2008) a Índia de Adiga desencanta e brutaliza a
imagem da exótica pátria dos sáris coloridos, da ioga e da elevação espiritual,
por mais força e tradição que tenham seus gurus e líderes iluminados como
Ghandhi. A corrupção, por exemplo, escorre entre as letras.
Sua ficção é real – por mais incongruente que isto possa parecer -
extraída da mais honesta realidade de um país dividido socialmente entre o
norte da Escuridão, onde um povo quase animal nasce, vive e morre às margens do
lodo do Ganges, e o sul da Luz, do desenvolvimento calcado na exploração da
miséria e da ignorância. Com Adiga, desmitifica-se e desmistifica-se a Índia: o
glamour sobre o brejo.
Numa história de forte ironia e repugnante
sarcasmo, o protagonista Balram Halwai relata o trajeto bastante
inusitado que percorreu para subir na vida e conseguir se tornar alguém
importante no cenário nacional: assassinar e roubar seu patrão. Em cartas
dirigidas ao primeiro-ministro chinês, Balram – ou Munna, como era chamado
quando menino - revela uma visão crítica aguçada da sociedade indiana e do
mundo contemporâneo, e justifica seu crime classificando-o como um ato de puro
empreendedorismo. Com cinismo, ele desmonta o mecanismo da
própria ascensão social.
O leitor vai se surpreender a cada passo do
primoroso romance de estreia do jovem autor indiano Aravind Adiga, vencedor do
Man Booker Prize 2008, um dos maiores prêmios mundiais do meio editorial. Não
sem motivo, “O Tigre Branco” foi considerado pelos jurados um livro de imenso
valor literário e extremamente original, por apresentar aspectos da Índia
normalmente ignorados e personagens que revelam um lado humano desconcertante.
Realmente, nada a ver com a bazófia e a mesmice
apresentadas no folhetim da Globo (Caminho das Índias) apresentado na época
para a maioria inculta do povo brasileiro, onde a autora denota ter pesquisado
somente as tradições “sócio-culturais-religiosas” da incrível, inesgotável e
incomparável Índia. Ao se falar dela, não se pode pecar por ser breve,
principalmente quando se usa o nome do país – apropriadamente - no plural.
O tigre branco é um animal típico do país, raro
por nascer um a cada geração, como um albino. O protagonista Balram Halwai
é assim designado por sua família e amigos por ser, desde pequeno, uma pessoa
diferenciada em sua casta. E ele próprio descobre e assume sua identidade
predadora ao visitar e conhecer a fera num zôo local. Como escreveu a revista
Veja, “Aravind Adiga constrói um personagem sem caráter, que se torna símbolo
extremo de um impulso selvagem de liberdade. Um alerta para os que vivem na
luz.”
Segundo Florência Costa, então correspondente de O Globo em Nova
Déli, “A Índia que Adiga mostra é feia, inescrupulosa, escura como os apagões
diários de horas a fio que atormentam a vida dos indianos nas metrópoles. Muito
distante do glamour sugerido na propaganda “a Índia que brilha”, que ganhou o
mundo há treze anos.” Aravind Adiga nasceu em Madras, na Índia, em 1974 e, aos
34 anos, escreveu incontestavelmente sobre o que realmente conhece.
Valdemir Martins
23.01.2021
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O norte, do lodo; 3. O sul, do progresso; 4. O tigre branco real; 5. o autor Aravind Adiga.
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