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2 de jun. de 2021

Matéria Escura: nossas escolhas irreversíveis

Tudo começa muito ameno. A tradicional e feliz família norte-americana; o drink no bar com o velho amigo e, de repente, o terror. Assim começa a intrincada ficção científica contemporânea da obra Matéria Escura, do roteirista e escritor americano Blake Crouch, festejado pela crítica principalmente por sua trilogia Wayward Pines, que foi adaptada para a série de televisão pela Fox em 2015.

Uma obra breve, dinâmica, com fatos se sucedendo velozmente. Quando terminar o primeiro quarto do livro Crouch conseguirá deixá-lo tão confuso e atordoado quanto estará o protagonista. Mas aí será tarde. O livro o terá engolido e você não conseguirá se livrar dele. Estará lendo compulsivamente, sem vontade de largar, uma trama brilhante.

Neste momento em que é lançado o computador quântico, celeríssimo, que vai tornar os atuais PCs obsoletos, pois usa a base teórica da mecânica quântica - um território da ciência habitado por partículas subatômicas -, nada mais oportuno que ler esta obra. Este thriller, também célere e de muitas reviravoltas, exige do leitor algum conhecimento científico. Trechos falam de física quântica e multiespaço e não devemos nos intimidar se não entendermos o que estamos lendo por que, a seguir, aos poucos o próprio enredo vai esclarecendo todas as nossas dúvidas. E o livro volta à sua dinâmica.  E, assim, o espaço-tempo passa a dirigir a história, surpreendendo-nos a cada espaço de tempo. 

Uma obra que nos faz refletir sobre os valores da vida, conforme a personalidade de cada leitor. Cada indivíduo atribui valores diferentes de outros às mesmas coisas, aos mesmos objetos e às mesmas situações e circunstâncias. E são valores individualmente incontestáveis, dado que cada um tem sua individualidade; sua forma de ver, interpretar e sentir. E assim, cada um tem sua realidade, seu padrão, suas escolhas. Seu mundo.

A trama, de forma crescente, fica mais complicada para o protagonista, tendo, permanentemente, de fazer escolhas. E aí, começam a prevalecer seus valores morais e seu amor pela família, o que vai ajudá-lo em suas grandes dificuldades. E aqui a obra nos revela forçosamente que reflitamos sobre a importância de nossas escolhas, sempre. E sobre as escolhas que fizemos: “Não posso deixar de pensar que somos mais do que a soma total de nossas escolhas e que todos os caminhos que poderíamos ter trilhado influem de algum modo na matemática de nossa identidade”, proclama o protagonista.

Claro que o livro não é uma maravilha literária, pois sobram pontas soltas ou ausentes. Mas cumpre sua função de fornecer conhecimentos e entretenimento, e de nos fazer pensar e refletir. E, assim, encontrei o encantador mundo da reflexão sobre minhas próprias escolhas. Seriam histórias tão fascinantes e incríveis que eu poderia escrever um livro. O que talvez eu faça.

Valdemir Martins

01.06.2021

Fotos: 1. capa; 2. Drink antes do terror; 3. Injetar para viajar; 4. Um ponto de chegada; 5. O autor Blake Crouch.

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18 de mai. de 2021

Klara e o Sol: talvez todos os humanos sejam solitários.

Em sua mais recente obra Klara e o Sol, o Nobel inglês Kazuo Ishiguro escasseia. Depois de ler seus brilhantes e monumentais O Gigante Enterrado e Os Vestígios do Dia, sente-se que sua caçula carece de Ishiguro e de seus méritos literários.

Numa distopia contemporânea, o livro versa sobre a vida de uma robô, Klara, mais propriamente uma humanoide com inteligência artificial em meio a uma família. Explora o autor essa convivência, apresentando as linhas de pensamento, ações e reações dos seres humanos em diversas circunstâncias e situações, contrapondo às singelas e racionais reações da humanoide a tudo isso em suas vidas em comum, num mundo onde as relações são rasas e descartáveis.

Estará a mediocridade humana – que se acentua a cada década – preparada e capacitada e entender, acompanhar e conviver com as obras da inteligência artificial, resultado do acelerado desenvolvimento tecnológico produzido pelos gênios humanos? Neste livro Ishiguro destaca exatamente as facetas dessa vida em comum, demonstrando que os robôs com inteligência artificial, por não conterem sentimentos, são muito mais assertivos do que os humanos. Em especial, sua protagonista Klara.

Exatamente no início do terço final da obra, o enredo dá uma reviravolta positiva, saindo de um certo marasmo e da simplicidade rotatória de construção da trama, e surpreende-nos com novos personagens e novas e fluentes situações, encaminhando-nos ao crepúsculo do livro. É nesse trecho que descobrimos dois personagens coadjuvantes – mãe e filho – literariamente muito mais ricos que as outras pessoas, por serem absolutamente mais autênticos e compassivos. Também é nesse trecho que um robô faz uma oração por uma menina, fato deslembrado para um humano em todo o enredo, apesar dos inúmeros problemas que enfrentam.

Numa de suas deduções – sempre lógicas – Klara perscruta e conclui que “talvez todos os humanos sejam solitários. Ou pelo menos possam se tornar.” É a premonição comum, até em nossos dias, do que espera o futuro das novas gerações humanas. No caso deste livro futurista, crianças e adultos são realmente solitários. Por modificações genéticas, chamadas elevações, as crianças e jovens acabam necessitando da companhia de robôs, os AAs (Amigos Artificiais) para se desenvolverem.

Finalizando, segundo minha percepção, um livro aborrecido em muitos trechos, inclusive de carente estruturação textual e de baixa qualidade literária. Segundo a crítica Isabella Siqueira, “Ishiguro conduz com muita graça a trajetória de uma humanoide mais humana do que muitos por aí sonham em ser.” Enfim, trata-se de um bom romance sobre a complexidade das emoções humanas e de suas criações tecnológicas, mas indigno de um autor premiado com o Nobel de Literatura em 2017.

Valdemir Martins

18.05.2021

Fotos: 1. capa do livro; 2. drone pássaro de um personagem; 3. o crepúsculo que inspirou Klara; 4. Kazuo Ishiguro.

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28 de abr. de 2021

Verity: bom suspense, com fortes doses sexuais.

Tudo começa muito brando, simplesinho, parece até mais um pobre roteiro de novela de televisão. E, num crescendo, o livro Verity, da dramaturga texana Colleen Hoover, vai se transformando num autêntico e vigoroso thriller psicológico. É sua estreia no gênero suspense.
Com linguagem bastante sucinta e objetiva, sem arroubos de qualidade literária, Hoover leva o leitor para situações corriqueiras, mas de profunda complexidade psicológica, de forma ritmada, gradual, numa tensão perturbadora de expectativas. A autora explora magistralmente as condições e perturbações psicológicas dos personagens. Aos poucos, aqueles leitores mais ansiosos podem até entrar em desespero.

São magistrais as sequências e sobreposições de cenas fortes. E, ao tempo em que a autora desenvolve a permanente tensão do livro e constrói excelentes personagens, premia explicitamente aqueles adeptos de fortes emoções sexuais com frequentes descrições de relações para lá de íntimas.

Com um pensamento de uma das protagonistas, Hoover acaba expondo uma síntese desta sua obra: “O que espreita a mente pode ser tão perigoso quanto as ameaças da vida real”. E, assim, nesse clima a leitura flui com facilidade, mas passa a não convencer quando vai chegando ao seu final, com pontas da história ficando soltas e estranhas. Para mim, apesar de surpreendente, o final é repentino demais e deficiente, como se a história vá ter alguma continuidade.

Realmente aí somente a sua imaginação ou a própria autora para responder.

Valdemir Martins

21.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. a protagonista; 3. o passeio de barco; 4. Coleen Hoover.

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17 de abr. de 2021

Sobre a Terra Somos Belos por um Instante *****

Pense em como você escreveria uma carta para a sua mãe, viva ou falecida, relembrando a vida em comum, o cotidiano compartilhado, as companhias, os momentos ruins e os bons. Como seria? Ah, e não esqueça que sua mãe não sabe ler.

Aqui, neste caso, teria que dosar sua escrita com boas porções poéticas. Pois estou falando do inebriante romance epistolar do poeta vietnamita-americano Ocean Vuong, em sua obra de estreia como romancista Sobre a Terra Somos Belos por um Instante. Este é o mais recente lançamento da Editora Rocco, celebrado vigorosamente pela crítica internacional, principalmente a norte-americana. E você só vai entender esse título após concluir a leitura da obra.

Uma leitura prazerosa que nos faz lembrar, em certas passagens, situações similares ou próximas de algumas que também vivenciamos com nossa família. Mas, certamente, não as escreveríamos em qualquer carta. Mas Vuong, num trabalho autobiográfico, consegue valorizá-las entremeando passado e presente, num misto de narrativa literária com carta-narrativa. Traz à luz vidas diferenciadas, de mundos díspares, e coloca em cheque como podemos curar e resgatar uns aos outros sem deixar de ser o que somos.

Seu texto é esplendoroso. Sem contestações: “Acordo com o som de um animal aflito. O quarto tão escuro que nem sei dizer se meus olhos estão abertos. Uma brisa passa pela janela rachada, e com ela entra a noite de agosto. ...Eu me equilibro no ar negro e vou rumo ao corredor.”

Sua crítica social é suave, ao tempo que ferina e realista, principalmente no contexto da Guerra do Vietnã, seus sobreviventes e interação com os jovens soldados americanos, quase meninos, e a vida de imigrantes na América. Trata do preconceito racial e religioso ao relembrar para a mãe suas passagens como “invisíveis” aos olhos americanos por não falarem o inglês corretamente. Versa sobre perdas; perdas terríveis. Sobre aprendizados e conquistas, lentas, suaves e profundas.

Passagens magistrais serão inesquecíveis, como o trabalho de manicure numa senhora amputada, ou o porquê crianças vietnamitas são chamadas por nomes terríveis. Ou, ainda, a importância da palavra “desculpe”. E alguém se encontrando e encontrando alguém numa fazenda de tabaco. Ou, emocionantemente, a volta de um feto num sonho.

De forma bastante criativa, de repente Vuong narra um fato diferente, estranho ao assunto que vinha abordando e, num jogo de palavras em transição, vai desvendar a dessemelhança numa ligação de história inesperada. Uma técnica literária difícil e rara, mas extremamente encantadora. Assim como ele trabalha os jogos de palavras como trocadilhos de ideias que se completam. Literariamente brilhantes, pois este é um livro para as pessoas sensíveis ou dispostas a sê-lo.

Em mais uma incrível sacada, no terço final da obra, para nos fazer crer que o texto foi escrito por um drogado, vários trechos parecem-nos incompreensíveis, como se resultasse realmente da escrita elaborada sob o efeito de narcóticos. Se assim não for. Apesar de o sexo ser tratado com poesia, transmuta-se em algo que poderia ser violento, mas é apenas colocado aqui como algo verdadeiro e fortuito. Descrições explícitas de atos em exageros de detalhes – até escatológicos - maculam a obra apenas por destoar de seu contexto geral.

Assim, como num grande poema, sua especialidade, Ocean Vuong, a grande revelação literária americana, brinda-nos com um pequeno compêndio de contos de sobrevivência sempre dos mesmos personagens. A sobrevivência no cotidiano. Os destroços e os resumos de um sonho.

Exatamente isso. Sobre a terra somos belos por um instanteUma obra diferente, encantadora. Nos limites da linguagem.

Valdemir Martins

18.04.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Fugitivos do Vietnã; 3. Fazenda de tabaco; 4. Preparo de heroína; 5. Búfalos em queda;  6. O autor Ocean Vuong.

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11 de abr. de 2021

Waterloo: o triunfo da bestialidade humana

Após admirar o meticuloso trabalho de pesquisa histórica e de costumes da obra literária do competente e brilhante galês Ken Follett, deparo-me agora com outro incrível trabalho detalhista e preciso de pesquisa histórica de outro britânico: o livro Waterloo, do veterano londrino Bernard Cornwell. Este é seu primeiro trabalho de não ficção, publicado em 2014, tratando da batalha que derrotou, definitivamente para a história, o imperador francês Napoleão Bonaparte.

Afastando-nos da simplicidade inconclusa da publicidade do livro que diz “A história de quatro dias, três exércitos e três batalhas”, podemos destacar a complexidade dessa história real proporcionada por Cornwell, apresentando detalhes importantíssimos para se entender um momento histórico ímpar que culminou com a queda decisiva de um dos maiores gênios militar de todos os tempos: o persistente e inabalável Napoleão.

Reflexões estratégicas, imprevistos naturais e do acaso, dramas pessoais, glórias relembradas, o contragolpe de Bonaparte, dramáticas cenas da guerra com e sem batalhas, dentre outros contextos, dão corpo a um bem estruturado texto. O enredo é a própria espantosa história que a competente narrativa de Cornwell revive. O que mais impressiona, em destaque, são a prepotência e arrogância do líder francês e as intermitentes confusões de seus comandados ao não entender explicitamente suas ordens estratégicas.

Esses dois aspectos, predominantemente, aliados à competência, visão e experiência militar – somados a um pouquinho de sorte - do comandante inglês Arthur Colley Wellesley, o Duque de Wellington, além da fidelidade das tropas aliadas da Prússia (Alemanha), Nassau (Holanda) e Bélgica, conduzem quase duzentos mil homens a três renhidos e sangrentos combates campais, tornando-se das mais conhecidas e famosas batalhas da história da humanidade. E Cornwell, fiel à verdade, descreve-as impiedosamente e de forma crescente em detalhes que chocam e impressionam ao mais frio leitor.

Todas as guerras são cruéis. Mas estas batalhas descritas por Cornwell
apresentam-nos características que pouco conhecemos em outras guerras geralmente mostradas em filmes e livros e restritas às primeira e segunda guerras mundiais e às lutas de espadas e flechas de períodos mais antigos. Estas de Waterloo são diferentes devido à utilização basicamente de artilharia de canhões e obuses primários, com munições e técnicas extremamente destrutivas; a cavalaria com espadas e lanças e a infantaria em combates na maioria das vezes corpo a corpo, com sabres, baionetas e lanças e, contra a cavalaria, os mosquetes simultâneos. Imaginem as estratégias para a utilização de tal variedade de destrutivas armas nos momentos apropriados.

O autor utiliza-se de trechos de cartas e depoimentos de participantes de todos os lados desse evento bélico, até reproduzindo alguns trechos cruciais, o que traz bastante realismo e credibilidade à obra.

Após esta leitura, com certeza você irá refletir sobre a estupidez e a bestialidade humanas. Tudo foi real. Não se trata de um filme ou uma narrativa de ficção. A guerra sempre foi a atitude mais irracional e criminosa do ser humano e as batalhas de Waterloo, aqui brilhantemente retratada por Bernard Cornwell, bem atestam essa ignomínia que percorre e entremeia toda a história da humanidade.

Valdemir Martins

10.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Localização da batalha; 3. Napoleão ; 4. Duque Wellington; 5. Uso de canhões; 6. Batalha na cidade; 7. Bernard Cornwell.

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28 de mar. de 2021

Introdução à Nova Ordem Mundial: um verdadeiro livro de terror

O complexo e obscuro cenário sócio-político no qual vivemos hoje e a constante referência a fatos estranhos e coordenados apresentados por jornalistas e analistas políticos tidos como sérios, levou-me a procurar inteirar-me das principais ações políticas, econômicas e sociais contemporâneas. Descobri, surpreendentemente, existir um movimento de formação, pacientemente lento e gradual, de um governo globalista único. Isso, nos moldes próximos aos nossos apreciados livros de distopias de Huxley, Bradbury, Atwood, Dick, Orwell e Burgess, entre outros, alguns até citados pelo autor no livro que vou comentar.

Por indicações de estudiosos na internet e amigos, cheguei ao alarmante “Introdução à Nova Ordem Mundial”, do brasileiro Alexandre Costa. E na medida em que avança na leitura você se convence que tem nas mãos um livro de terror. Não por sê-lo, mas por narrar os resultados das pesquisas efetuadas pelo autor e suas constatações estarrecedoras. Cada página é um sobressalto.

Costa destrincha, de forma didática – por ser um assunto profundamente complexo -, uma situação que se desenvolve no mundo hoje e como isso acontece em especial em nosso país. Trata-se do movimento internacional denominado Nova Ordem Mundial (NOM), financiado e orientado por grandes banqueiros e empresários (Jeff Bezos, George Soros e os Rothschild e Rockfeller, por exemplo) e por lideranças políticas e sociais de tendência de esquerda (e até islamita).

Segundo Costa, esse poderoso movimento, comandado pelos populares globalistas, dão o tom a todas as tendências e articulações políticas, econômicas e sociais no mundo. Objetivam, utopicamente, um governo planetário, nos moldes das conhecidas distopias literárias e cinematográficas que tratam do tema, como já citamos.

Seus movimentos são financiados por corporações e grandes banqueiros internacionais, fundações bilionárias que se dedicam ao domínio dos “interesses sociais”, e por condutores políticos como a ONU, o Open Society (Soros), o Clube Bilderberger, o Federal Reserch, o movimento Diálogo Interamericano, entre outras corporações poderosas. Assim, mantêm, através do controle financeiro e ideológico de fundações, universidades, partidos políticos e órgão de imprensa, as campanhas eleitorais, de difamação e de aglutinação que lhes interessam.

A NOM encontra respaldo e se utiliza dos movimentos e líderes comunistas, socialistas e tiranos em geral simpatizantes de causas geralmente anarquistas como o aborto, a homofobia, o racismo, a intolerância ao cristianismo, o empoderamento feminino, o controle da internet, a extinção da família e das tradições, entre outros. Um dos recursos mais utilizados, por exemplo, diante da impossibilidade de se refutar uma informação, é a desqualificação. É o meio mais usual dos pérfidos manipuladores, procurando desvirtuar o foco de uma discussão importante que não interessa a seu grupo. A pecha de fake news - ou no bom português, mentira - é o rótulo mais corriqueiro nessa armação abstrusa.

Para não cair no ranço da eterna discussão entre “esquerda” e “direita”, deixo para os próximos leitores e suas simpatias absorverem – ou não - as informações da obra que procuram demonstrar as conexões, objetivos e consequências diretas e indiretas dos fatos apresentados. A velhíssima ideia de um governo mundial (os primeiros indícios remontam ao século XXIII a.C.) toma força e forma na atualidade, segundo o autor. E é disso que trata o livro.

Para Costa, o plano espetacular vem tendo um sucesso grandioso, principalmente nas últimas décadas. E três grandes forças disputam hoje a hegemonia mundial, cada um por si, mas utilizando suas “fundações”, trilhando as mesmas estratégias e, consequentemente, intensificando as maquiavélicas acrobacias para transformar a visão e a consciência das pessoas para seus objetivos.

Segundo ele, “O abandono de antigos valores tradicionais e a aceitação de um novo modelo de sociedade tem sido o objetivo das fundações há muitas décadas. Elas se utilizam de uma rede de organizações praticamente impossível de rastrear, são centenas de organizações internacionais, que por sua vez financiam milhares de organizações menores e assim por diante, afunilando até chegar à verba que paga a bandeira e a camiseta do ativista que pensa estar protestando contra “o capital”.

Por meio de dissimulações ensinadas pelo italiano Antonio Gramsci, que vão da ecologia aos direitos humanos, estão implantando todos os princípios históricos do ideal coletivista. Um dos mais inteligentes estrategista do movimento, o húngaro György Lukács, usa o pensamento de Kant, as técnicas de Hegel e a filosofia marxista para sugerir aos engenheiros sociais a elaboração das armadilhas que dão robustez à ação dos globalistas.

A informática, a telefonia celular, o rádio e a TV, os satélites, a internet e a comunicação de massa, via aplicativos e redes sociais, constituem-se no melhor ambiente dos recursos necessários para formalizar ideias de controle social, permanentes e graduais, que foram impossíveis de ser aplicadas quando idealizadas por algumas mentes sombrias desde o século XIX.

Há décadas a população é “catequizada” subliminarmente e hoje, como gado, segue os preceitos e preconceitos dos tais poderosos globalistas. O conteúdo utilizado com estas técnicas, no entanto, deriva do surgimento das ciências de persuasão, condicionamento, manipulação e lavagem cerebral, que assim como estas tecnologias, são produtos da modernidade. O que faz desses pretensos tiranos serem muito mais poderosos do que qualquer um dos seus antecessores que tentaram usar a força bruta.

Realmente ler este livro é perturbador e sem volta. Você nunca mais será o (a) mesmo (a).


Valdemir Martins

30.03.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Federal Research; 3. ONU; 4. Fundação Rockfeller; os líderes Xi Jinping e Putin; Reunião do Foro de São Paulo; José Dirceu; Gramsci; pichação; o autor Alexandre Costa.

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14 de mar. de 2021

Acenos e Afagos: uma epopeia libidinal.


Como escreve bem este gaúcho libidinoso. É um texto claro, sucinto, direto e sofisticado. Não fosse o exagero e a persistência homoerótica nesta epopeia libidinal - como define este livro, em certo momento, divertidamente, o personagem-narrador – poderíamos consagrá-lo como mais uma obra-prima de João Gilberto Noll. Acenos e Afagos é um livro perturbador que mexerá com os desejos, segredos e repugnâncias mais íntimas de cada leitor. Ninguém ficará incólume.

Trata-se de uma hábil narrativa, um monólogo interior, num único parágrafo do início ao fim do livro, de angústias e desilusões, como uma torrente, sufocando-nos numa corriqueira história de amor impossível entre um pretenso fazendeiro e um engenheiro amigo de infância. Este, sempre presente – em pensamentos e devaneios eróticos - nos momentos difíceis do personagem-narrador.

Como num livro de memórias seu, Noll tece um enredo de retrospectiva que principia na primeira experiência sexual da infância – engalfinhando-se com o então futuro engenheiro – na sala de espera do dentista, ao terrível som do motorzinho da broca dentária. Passa por inspirada e marcante descrição de uma orgia juvenil em um submarino alemão onde “perde” seu engenheiro que voltará mais ao final do texto, numa divertida passagem, para salvar o narrador com uma respiração boca-a-boca no caixão.

Aliás, o livro tem passagens hilariantes, incômodas e muitas vezes poéticas. Apesar de sua consciência homossexual nunca assumida, o fazendeiro casado e com um filho, é descrito nas relações com sua esposa, nas suas preferências sexuais frustradas, tudo numa linguagem contundente e ao mesmo tempo ambígua. Coisa de gênio que se perde, às vezes, descrevendo situações gratuitas.

Como escreveu Edward Pimenta, o texto “não traz nenhuma inovação formal, mas são claros o domínio técnico de Noll em sua opção narrativa – em primeira pessoa, sua marca registrada - e a habilidade em encadear impressões num maciço fluxo de consciência. Isso é o melhor do romance.”.

Lamentável, apenas, que um escritor brasileiro genial como João Gilberto Noll tenha sido tão pouco divulgado, provavelmente por ter sido ele bastante recluso. Seu legado – ele nos deixou em 2017, aos 71 anos - é imenso, com obras brilhantes como Harmada, Lorde, Solidão Continental, A Céu Aberto, Mínimo Múltiplo Comum, entre outros. A maioria de seus livros foi premiada com Jabutis (cinco), APCA, Portugal/Telecom, entre outros lauréis.

Valdemir Martins

14.03.2021

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23 de fev. de 2021

As Sombras do Mal: um texto do mau.

Autores que partem do estranho para o coloquial é, mais uma vez, a marcante característica de mais uma obra de ritmo alucinante da dupla norte-americana Guillermo Del Toro e Chuck Hogan. Estou falando do livro As Sombras do Mal: As Fitas de Blackwood (vol. 1), recém-lançado pela Editora Intrínseca.

A criatividade superlativa de Del Toro – já demonstrada em O Labirinto do Fauno e A Forma da Água – somada ao suspense consagrado de Hogan já nos brindaram com a fantástica Trilogia da Escuridão. Porém, nesta nova parceria para o que pretende ser uma trilogia macabra, eles tentam nos arrebatar com o pífio enredo sobre um ser maligno ancestral que vaga pela Terra desde o início dos tempos. Isso, entrelaçado aos dramas pessoais de uma insegura agente do FBI.

Um ser etéreo maligno está à solta e pode assumir o corpo de qualquer pessoa. Um gancho incrível para o desenvolvimento de situações fortemente emocionantes e horripilantes. Mas, lamentavelmente, o tema é explorado de forma branda, sem a força que um fato terrível como este pode oferecer.

Por não ter grande abrangência dramática, limitando-se às desgraças pessoais de três protagonistas, o texto patina e não comove. E a obra é uma tremenda decepção. Uma história com fatos sempre previsíveis, muito, mas muito diferente do sempre surpreendente enredo da Trilogia da Escuridão que tanto encantou quem se deleita com esse tipo de histórias.

O que mais nos faz estranhar essa obra é o fato de ser bastante perceptível a falta de contexto e conteúdo para ser um enredo realmente empolgante. Parece até que os autores estavam com preguiça de pensar e escrever, além de uma absoluta falta de criatividade. As situações são bastante improváveis e as soluções patéticas. Um livro puramente comercial, sem valor literário.

Lamentável para um autor, roteirista e diretor da grandeza e do talento do premiado mexicano Guillermo Del Toro.

Se mudarmos o título do livro para “As sombras do Mau” seria mais adequado. Nesta, Del Toro foi mau!

Valdemir Martins

18.02.2021

Fotos: 1. capa; 2. Mortos atacando vivos; 3. A caixa de correio de Manhattan; 4. Guillermo Del Toro

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6 de fev. de 2021

O Terror: realmente, um livro para fortes. *****

Leitores ansiosos e impacientes não devem ler O Terror, primeiro livro do premiado escritor estadunidense de ficção científica e terror Dan Simmons lançado no Brasil. Trata-se de uma caudalosa obra de aventura histórica, baseada em fatos reais, entremeada de uma aterradora fantasia, especialidade de Simmons. 

E não há como escapar: para relatar a torturante e perigosa viagem histórica do capitão inglês Sir John Franklin, em 1845, à procura da cobiçada Passagem Noroeste, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico através do Círculo Polar Ártico, há a necessidade de detalhes. E eles são fundamentais para se entender o que deu certo e errado nesta famosa peripécia oficial da Real Marinha Britânica há quase dois séculos.

Entre o certo e o errado, acontece o pior: um ser tenebroso passa a fazer parte dos personagens e intromete-se no enredo, tornando tudo muitas vezes pior do que poderia ser. Isto, numa região inóspita, enregelante, extremamente mutante, onde nem a bússola funciona por estarem quase diretamente sobre o polo magnético, no extremo norte do Canadá. Assim, para o leitor não ficar tão desorientado quanto a tripulação, recomendo abrir o mapa da região na internet e ilustrar-se dos locais de agruras dessa gente. Vale a pena.

Para reconstituir essa história, Simmons enreda-nos numa atmosfera sufocante, congelante e muito, muito escura e obscura, numa época de tecnologia e medicina muito elementares e limitadas. A aflição é permanente. O leitor participa como ouvinte incrédulo das conversas, relatos e reuniões dos comandantes e oficiais das duas reforçadas embarcações Erebus e Terror, as mais fortes para enfrentar o gelo glacial e munidas com os equipamentos mais modernos da época.   

O trabalho de pesquisa histórica, geográfica e científica de Simmons é brilhante, reinventando de maneira original uma das mais sedutoras histórias da exploração marítima no século XIX. Conduz-nos à fascinante narrativa quase lendária do Sir John Franklin, num crescente de suspense, incredulidade e terror. Pela permanente condição de ambiente e situações inóspitas, essa incredulidade é permanente, principalmente para nós de um mundo de tecnologia que se renova a cada hora e por não conhecermos uma atmosfera extremamente gélida como a deste livro.

Simmons não escreve tão bem quanto Jules Verne, mas esta aventura nada deixa a desejar às do consagrado escritor francês, reforçadas pela persistente névoa de terror que envolve o texto. O autor é hábil ao estruturar o enredo, partindo de uma história real documentada em registros oficiais da Marinha Real Britânica e dos diversos diários dos oficiais da expedição. Retrospectivas e belos momentos de recordações, além da fantasia, descontraem e iluminam o que poderia ser um chato relato de viagem. É um incrível livro de aventuras que, superados os 5% mais pesados e iniciais do texto, quem gosta do gênero não consegue largar a leitura.

Porém, próximo à metade do livro, um capitão, em sua condição de abstinência, entra em delirium tremens, com uma sequência aborrecida de visões, desestimulando até a continuidade da leitura. Mas não se engane. A partir daí a obra recrudesce e entra num ritmo alucinante, descortinando efetivamente o terror e o desespero, dominando o leitor com narrativas sufocantes, escatológicas, enregelantes e, enfim, insuperáveis em sua constância de crueldade. Realmente, um livro para fortes.

Depois de muita escuridão ao longo do livro, Simmons brinda-nos com uma linda lenda esquimó, trazendo luz, então, a toda a escuridão que atravessamos na leitura. E um final deslumbrante como uma aurora boreal.

O livro gerou a antológica minissérie de televisão The Terror, do Ridley Scott, que estreou nos Estados Unidos e no Canadá em 2018. No Brasil, pode ser vista no streaming Amazon Prime. Mas, não recomendo a série por ser extremamente condensada, perdendo detalhes riquíssimos do livro e desvirtuando seu enredo. Seu final óbvio, diferente do livro, foi elaborado para pessoas extremamente racionais, sem a beleza que a sensibilidade dos leitores pode desfrutar com o ápice da obra escrita.

Valdemir Martins

03. FEV. 2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Local da tragédia; 3. O navio Terror encalhado; 4. Capitão irlandês Francis Crozier; 5. A esquimó Silna; 6. Barco salva-vidas com sobreviventes; 7. O autor  Dan Simmons.

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