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17 de nov. de 2017

Coito interrompido


O mestre do terror consegue, mais uma vez, construir uma atmosfera opressiva de medo em sua obra It – A Coisa. As cenas dramáticas e assustadoras descritas por Stephen King na morte principalmente de crianças e nas descrições de enfrentamentos à Coisa proporcionam inquietantes situações de suspender o fôlego, de entesar os músculos e alterar a respiração. E a personagem aterradora do Mal é a alegre, debochada e extremamente mal cheirosa figura predominante de um palhaço, ora lobisomem, ora múmia, ora outra coisa, dependendo do garoto que se deparava com ela e seus antecedentes de figuras aterradoras.

Isso tudo num livro. Não quero aqui entrar no mérito do filme, mas no de um livro de 1.104 páginas; sem música tenebrosa e outros efeitos sonoros e visuais, é uma magistral consumação do medo, digna de um catedrático no assunto. E, apesar disso, King consegue apresentar-nos belíssimos sete protagonistas, crianças pré-adolescentes, que desenvolvem e expõe o real sentido da amizade, do amor, da confiança absoluta e, claro, do medo.


Some-se ainda a forma narrativa (objetiva e subjetiva), com a alternação da ordem temporal - usando a anisocronia; a construção dos protagonistas e dos demais personagens e antagonistas; os locais, as situações predominantemente tensas, os acontecimentos surpreendentes, as ocorrências que extrapolam os limites da violência, as apavorantes perseguições (e não são poucas), as reviravoltas, os dados históricos e geográficos, e até o lirismo de algumas situações, tudo banhado em muita insegurança, sangue e medo. Aqui, nada é previsível e tudo é inusitado. Quem gosta do gênero e do estilo de King não conseguirá largar o livro.

Todo esse crescente terror a buscar um ápice na apoteose da obra, presume-se, em seu quinto final, onde, inevitavelmente o Bem enfrentará o Mal de forma decisiva. E aí? O Bem vencerá o Mal? Ou tudo se converterá naquela babaquice de que algo sobre para um retorno do Mal numa próxima aventura? Aí não seria King.

Mas, por incrível que possa parecer, apesar da continuidade de todas as qualidades aterrorizantes descritas anteriormente até o fim da narrativa, King tropeça. E a sensação é a mesma de um coito interrompido por uma circunstância esdrúxula. Você começa a brochar e resta apenas continuar curtindo o texto, sempre muito bom do autor, até o final, por que o enredo foi comprometido.



O encontro apoteótico do Bem com o Mal decepciona. Era de se esperar algo mega-assustador. E o que se encontra é medíocre diante do brilhantismo das situações anteriores já descritas. King partiu para uma solução metafísica e foge totalmente do âmago da obra, saindo do clima aterrorizante para entrar numa atmosfera fantasiosa, com situações meramente forçadas, sem brilho, descrições cansativas e, o pior, sem o apreciado terror kinguiniano, sem a múmia, sem o lobisomem e sequer o esperado embate com o palhaço, ícone ilustrativo de todo o Mal da obra que se transforma numa ridícula e imensa aranha coadjuvada por uma milenar e filosófica tartaruga.



Enfim, é uma obra artística e como tal deve ser respeitada. E com toda minha reverência por Stephen King, acredito que esta crítica positiva é cabível, pois ele é o único responsável pelo que transmite ao leitor. E ninguém é perfeito. Nem eu, que me atrevi a escrever esta crítica.

Por Valdemir Martins
Novembro de 2017.

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19 de ago. de 2017

A história essencial da grande celebridade musical

Afinal, o que é música para você? Talvez aquele som agradável, rítmico, cantado ou não, que o (a) faz dançar, cantar e lhe traz alegria, tristeza, recordações; ou então outro som harmonioso, gerado por um, poucos ou muitos instrumentos e/ou vozes, com características e variações técnicas que mexem com seu âmago, seus sentimentos, transmitindo-lhe as mais diversas sensações, como alegria, tristeza, suspense, flutuação, sonhos, uma história.

Seja música popular ou erudita, ambas são incrivelmente benéficas para nós. Mas apesar de a música erudita – que nos faz bem à alma – não ter a preferência da maioria, tem popularmente o nome destacado de compositores como Bach, Beethoven, Chopin e Mozart pelo fato de algumas de suas obras serem mais utilizadas midiaticamente em eventos, filmes, televisão e até em comerciais. Algumas até caíram no gosto popular, seja por sua beleza, seja pela repetição. Mas, excetuando-se os estudiosos, poucos sabem quem é ou o que representa o genial e brilhante maestro Liszt para a música de verdade.

Seja como for, para ler “Rapsódia Húngara”, do escritor húngaro Zsolt Harsányi, completamente ignorado por aqui, você vai precisar conhecer um pouquinho sobre música e, principalmente, gostar dos assuntos música clássica e história. Trata-se de um livro de rara beleza estética, pois nos insere numa reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico, assim como um fato filosófico, gerado por consagrados compositores do século XIX, época de ouro da música erudita. E, para não parecer radical, confesso que o livro pode ser lido também pelos que gostam de biografias, romances de amor ou simplesmente de história, mesmo sem embasamento musical. Aliás, este foi o livro favorito de Anne Frank em seu cativeiro, fato que me levou a lê-lo.

A obra leva-nos à biografia de Franz Liszt. E, como Liszt, seu autor era húngaro e, apesar de desconhecido no presente, criou um livro muito bem escrito, com grande valor literário e histórico. Harsányi ressuscita o grande músico, pintando-o com carinhosa naturalidade, fazendo-o viver com todas as suas humanas virtudes e fraquezas. Afinal Lizt foi um dos mais importantes compositores e singular virtuose do piano de todos os tempos. A vida de Liszt é um verdadeiro romance e Zsolt soube recriá-lo em toda sua pulsante realidade, como um psicólogo de arguta penetração.

Nascido em Raiding no interior da Hungria, em 1811, aos nove anos Liszt já dava seu primeiro concerto e tinha catorze apenas quando escreveu para a ópera um trabalho em um ato, “Dom Sancho ou O Castelo do Amor”.  Aos 11 anos, num concorrido concerto em Viena, foi aplaudido e cumprimentado pessoalmente pelo já veterano Beethoven. Católico fervoroso, cresceu, estudou, enriqueceu e evoluiu como artista e líder viajando toda por toda Europa. Como pouco viveu na Hungria, não sabia sua língua natal. Sua base de vida maior foi Paris, onde fez grande amizade com George Sand, Victor Hugo, Lamartine e, sobretudo, com os inseparáveis parceiros Chopin e Berlioz. Foi admirado e reverenciado por inúmeros músicos, pela nobreza européia e até por monarcas de diversas nações.
Em 1847 Liszt, convidado pelos soberanos alemães, aceitou o cargo de mestre de capela em Weimar, cidade de Goethe e de Schiller. Lá criou o poema sinfônico e escreveu considerável número de obras, entre as quais seus 14 poemas sinfônicos. Empregou toda a sua autoridade para tornar conhecidas as obras de Wagner, seu idólatra, cujo “Lohengrin” fez representar pela primeira vez. Wagner o venerava e Liszt apostava nele como um revolucionário da música, promovendo, apoiando e prestigiando-o sempre que possível.

Dentre sua principais obras estão 19 rapsódias húngaras, sendo que a Rapsódia nº 2 ( https://www.youtube.com/watch?v=goeOUTRy2es ), a mais tocada delas, tornou-se muito popular até como trilha sonora de desenhos animados. De suas magníficas peças para piano destaca-se a peça nº 3, conhecida como “Liebestraum”, a qual faz parte do repertório de aclamados pianistas de todos os tempos ( https://www.youtube.com/watch?v=KpOtuoHL45Y ).

Era um cobiçado homem bonito e não resistia a uma bela mulher. Casou-se não oficialmente com três delas, lindas e de forte personalidade. A música sempre o separou de seus filhos. E, Cósima, uma de suas filhas, casou-se atribuladamente com Wagner, dando-lhe, além dos netos, inúmeros aborrecimentos. Passou seus últimos anos entre Roma, Weimar e Budapeste, festejado como nunca o fora nenhum outro músico. Morreu em  Bayreuth, na Baviera, aos 74anos.

Não há, infelizmente, novas edições para este valioso livro. Apenas as editoras Globo (RS 1944) e Melhoramentos (Coleção Caminhos da Vida, volume 28, de 1954). E por incrível que pareça, vários exemplares podem ser encontrados no site Estante Virtual, a partir de – acredite – R$ 4,00. Se você gosta de música e de história, não perca esta chance.

Valdemir Martins

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26 de abr. de 2017

Um filme da esquerda


A criança não acompanha o pai. Fica, ajoelhada, fazendo carinho na terra que acaba de cobrir o corpo da sua mãe. Esta é uma linda cena e uma das várias emocionantes deste grande filme “Colheita Amarga” que deveria ser assistido por todos os jovens e, especialmente, por todos os simpatizantes das correntes chamadas de esquerda, seja socialista ou comunista.

A Ucrânia historicamente sempre foi um competente estado agrícola. Com o assassinato do Czar pelos bolcheviques em fevereiro de 1917, no início da revolução comunista na Rússia, os ucranianos respiraram alguns anos de independência fictícia. A partir de 1920, para atender a necessidade de maiores suprimentos de alimentos e para financiar a industrialização, Stálin estabeleceu um programa de coletivização da agricultura pelo qual o Estado combinava as terras e rebanhos dos camponeses em fazendas coletivas, principalmente visando a força agrícola da Ucrânia. O processo era garantido pela atuação dos militares e da polícia secreta: os que resistiam eram presos e deportados. Ou sumariamente executados in loco. Os camponeses viam-se obrigados a lidar com os efeitos devastadores da coletivização sobre a produtividade agrícola e as exigências de quotas de produção ampliadas. Tendo em vista que os integrantes das fazendas coletivas não estavam autorizados a receber grãos até completaram as suas impossíveis quotas de produção, a fome tornou-se generalizada. Este processo histórico, conhecido como Holodomor, levou milhões de pessoas a morrer de fome e muitas enterradas ainda vivas, paralisadas pela inanição, em grandes valas comuns ou amontoadas ao relento.
O quase desconhecido Holodomor matou de sete a dez milhões de ucranianos entre 1933 e 1934, bem mais que os seis milhões do super divulgado Holocausto judeu pelos nazistas e dos demais conhecidos genocídios por Idi Amin Dada, Pol Pot, Mao Tsé Tung e dos paraguaios pelos brasileiros na Guerra do Paraguai.

Colheita Amarga é uma história de amor e fé durante esse período. O amor profundo, de infância, entre dois jovens; o amor familiar e o fraterno da coletividade. Um filme canadense rodado na própria Ucrânia, com uma fotografia e figurinos impecáveis, e com as interpretações marcantes de Max Irons, Samantha Barks e do veterano Terence Stamp. A competentíssima direção é do canadense, nascido alemão, George Mendeluk, de descendência ucraniana. A ideia do filme, além de homenagear e honrar as vítimas dessa carnificina, é também mostrar como Stalin massacrou uma população estrangeira inteira em nome do seu poder e do comunismo, fazendo-o de uma forma extremamente cruel.

Não consegui descobrir se o filme entrou no circuito nacional, uma vez que foi lançado ainda em fevereiro deste ano e não há registros na internet. Mas quem quiser assisti-lo, com legendas em português e imagem HD pode entrar no link https://www.megafilmesserieshd.com/colheita-amarga/  * e ver até mesmo no computador ou via Bluetooth na TV.

Em Curitiba há o Memorial Ucraniano em homenagem à cultura ucraniana. Lá também tem uma lápide que é uma réplica da que existe em Kiev, em homenagem às vítimas do Holodomor.

Em tempos de bolivarianismo e lulapetismo, movimentos e tendências políticas inspiradas na revolução socialista bolchevique de Vladmir Lênin, tornada totalitária por Joseph Stálin, será sempre oportuno conhecer um pouco mais da realidade histórica. Não quero aqui provocar discussões doutrinárias. A História não mente. Ela está escrita, documentada e testemunhada. Só não entende quem realmente for obtuso, insensível ou mal-intencionado.




Por Valdemir Martins

26 de abril de 2017.

* Para assistir o filme, tecle Ctrl, segure e clique no link.

11 de mar. de 2017

O Pintassilgo: uma monumental montanha-russa

Acabei de ler um livro monumental. Digam o que quiserem meia dúzia de críticos que não conseguem escrever o próprio nome e precisam depreciar para pretensamente serem apreciados.

A obra-prima ‘O Pintassilgo’*, da norte americana Donna Tartt, é uma raridade literária moderna, estando a autora, para a literatura atual, como George Gershwin está para a música clássica contemporânea. A rigor, um clássico moderno. E consagrado por colegas escritores e pela nata da crítica literária internacional.

Como ‘O Pintassilgo’, há livros que nos fazem imergir em suas linhas e entrelinhas, impactando-nos imensamente com a criação de certa dependência da leitura enquanto não terminada. Comigo aconteceu com ‘O Vermelho e o Negro’, de Stendhal, ‘Servidão Humana’, de W. Somerset Maugham, ‘Crime e Castigo’, de Dostoiévski, ‘Os Pilares da Terra’, de Ken Follet, ‘A Catedral do Mar’, de Ildefonso Falcones, ‘Ana-não’, de Agostin Gomes Arcos, entre outros.

Mas o livro de Tartt é insuperável no seu envolvimento emocional, levando-nos, como sempre acontece com as obras-primas, a escrever mentalmente para o autor o que virá a seguir, segundo gostaríamos. E somos sempre surpreendidos por viradas espetaculares de situações, por refluxos de emoções e pela magistral criatividade aliada ao conhecimento técnico do que está sendo abordado. Em “O Pintassilgo” o leitor faz viagens incríveis pelo mundo da pintura, da restauração e do mobiliário clássico, das drogas e do álcool, da alta e baixa Nova Iorque, do desmoronamento de famílias, do amor e das amizades sinceras. Tudo na contemporaneidade de e-mails e celulares, banhado pelo medo, solidão, traição, profundo amor inconsciente, confiança mútua e separações. Uma leitura como num filme de suspense – por suas impecáveis descrições -, onde o leitor navega por caminhos tortuosos e retos, altos e baixos, numa permanente viagem de montanha russa.

Tudo começa quando o garoto Theo Decker, de treze anos, sobrevive milagrosamente a um acidente que mata sua mãe. Abandonado pelo pai, Theo é adotado pela família rica de um amigo. Estranho em seu novo lar na Park Avenue (NY), perseguido por colegas de escola com quem não consegue se comunicar e, acima de tudo, atormentado pela ausência da mãe, ele se apega a uma pequena, misteriosa e cativante pintura que acabará por arrastá-lo, mais tarde, ao submundo da arte. Antes disso, seu pai reaparece, mudando radicalmente sua vida ao levá-lo para Las Vegas, onde Theo conhece um menino russo que se torna seu amigo íntimo e será responsável por virar a vida do protagonista de cabeça para baixo. Já adulto, Theo circula com desenvoltura entre os salões nobres e o empoeirado labirinto da loja de antiguidades de um “amigo tutor” onde vem a trabalhar. Apaixonado e em transe, ele será lançado ao centro de uma perigosa conspiração internacional.


Em ‘O pintassilgo', Donna Tartt não se limita a contar esta história com grande qualidade literária, como por exemplo, a descrição de uma chuva torrencial ambientando uma cena no começo da obra que faz o leitor sentir-se inteiramente molhado. Mas, ela também nos leva a incríveis reflexões sobre a vida, a sociedade, as trocas e perdas, o amor e a família. Enfim, “é uma hipnotizante história de perda, obsessão e sobrevivência; um triunfo da prosa contemporânea que explora com rara sensibilidade as cruéis maquinações do destino.


*‘O Pintassilgo’ (The Goldfinch) é o nome de uma obra rara do pintor holandês Carel Fabritius (1654), discípulo de Rembrandt e mestre de Vermeer.

**O livro foi vencedor do Prêmio Pulitzer de 2014, categoria Ficção.

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13 de dez. de 2016

A Melhor Defesa de Deus.

Pare de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a Minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti. 


Baruch Spinoza, ou Bento Espinosa em sua língua mãe, fundador do racionalismo e da moderna filosofia, sempre foi um contestador das religiões. Não por ser ateu. Ele sempre acreditou no Criador, mas de uma forma natural, pura, sem vícios humanísticos como a prevalente nas igrejas, templos e sinagogas. Filho de família judaica portuguesa, nascido e criado em Amsterdã, favorito do rabino por sua inteligência, desde cedo começou a contestar as cerimônias da sinagoga e a dar interpretações corretas, simples e racionais aos textos religiosos. Excomungado do judaísmo holandês, viveu como artesão, professor livre de teologia e como filósofo. Por seu racionalismo, fundou o criticismo bíblico moderno. Sua definição de Deus – abaixo reproduzida - deixa bem claro o posicionamento de sua escola. O difícil, sem dúvida, é contestá-lo sem esbarrar na religiosidade e, portanto, no sentimentalismo religioso e no interpretativo fantasioso.

Esta introdução faz-se imperativa para abordarmos mais uma obra excepcional de Irvin D. Yalom intitulada “O Enigma de Espinosa”. Este escritor judeu americano, psicoterapeuta e fascinado estudioso de filosofia que escolheu estudar medicina por se sentir mais perto de Dostoievsky ou de Tolstoi, não poderia deixar de ser, assim, um grande escritor.

De fato, nesta obra adentramos nas vidas de duas personagens centrais – e reais -, por um lado temos Bento Espinosa – como dito acima - e por outro, Alfred Rosenberg, um forte ideólogo e criador de algumas das principais crenças do Nazismo, com uma estranha fascinação por Espinosa. Ambos, com o liame do grande poeta Goethe como um enigma. Os capítulos vão alternando entre as vidas dos dois protagonistas e, ao explorar a de Spinoza, nos é permitido penetrar em seus pensamentos e ideias, como também mergulhar numa época conturbada, com a inquisição perseguindo os judeus por toda a Europa, mas especialmente pelos governos ibéricos e luteranos alemães. Já na abordagem da vida de Rosenberg, é explorada a sua personalidade e pensamentos, a sua interação com Hitler, além de episódios decisivos para a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha. A forma que o autor cria diálogos ficcionais entre as personagens (que retratam pessoas reais) é credível, a narrativa explora diversos tópicos, onde podemos encontrar filosofia, psicologia, teologia, historia e política, além de termos apresentada uma dualidade de conceitos, pelo meio da narrativa, e ainda nos deparamos com fatos históricos passados no século XVII e no século XX.

Desta forma, Yalom explora a mente de dois homens separados por trezentos anos, dois homens que mudaram o rumo do mundo, as vidas interiores de Espinosa, o virtuoso filósofo secular, e de Rosenberg, o ímpio assassino de massas. Yalom tem um talento único para personificar de forma inesquecível os maiores pensadores da História. Deixa-nos fascinados e os seus livros marcam-nos para sempre, como são o caso dos best-sellers “Quando Nietzsche Chorou” e “A Cura de Schopenhauer”.


O Deus cósmico e universal de Espinosa

Em seu “Livro I da Ética e no Tratado sobre a Religião e o Estado”, Espinosa delineia a sua concepção de um Deus despersonalizado e geométrico, contrária a todas as formas de se idealizar Deus como uma espécie de entidade, oculta e transcendente, que age conforme os seus desígnios e a sua vontade suprema. Vejamos:
“Pare de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que eu fiz para ti.
Pare de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pare de me culpar da tua vida miserável: eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pare de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho..., não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor. Pare de me pedir perdão. Não há nada a perdoar.
Se eu te fiz, eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se eu sou quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse, como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pare de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pare de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pare de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.
Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações? Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... Aí é que estou batendo dentro de ti.

Baruch de Espinosa (1632-1677)

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2 de dez. de 2016

A 25ª hora é a do começo ou a do fim?


“A Sociedade Técnica reintroduziu o desprezo pelo ser humano. Hoje, o homem se limita à sua dimensão social... Talvez devêssemos partir. Já é tarde.

- Meu relógio parou – disse. - Pode me dizer a hora, pai?

- É a vigésima quinta hora!

- Não entendi – estranhou o filho.

- Acredito piamente em você. Ninguém quer entender. É a vigésima quinta hora. A hora da civilização europeia.”

(Época: período das atrocidades recorrentes do pós II Guerra Mundial.)


Por aqui, queriam eliminar a importante história das Guerras Mundiais do currículo escolar. Na Europa, berço dessas beligerâncias, aprende-se na escola. Sem reconhecer os fatos históricos desses períodos será impossível conhecer o Homem pré-contemporâneo, responsável principal pelo que o mundo é hoje. A ganância humana pelo poder e, para isso, o uso indiscriminado da força, levou as tradicionais civilizações europeias ao caos. Sob múltiplas justificativas - ameaça territorial e econômica, supramacia política, limpeza étnica e religiosa, e ambições inúmeras – foram liberadas as bestialidades humanas da inteligência e do corpo.
Impossível de se ensinar e de se demonstrar nas escolas a selvageria humana que transcendeu as guerras. Nos livros didáticos, tudo cabe num relato bastante simplificado e muito mais comportado do que numa descrição mais detalhada dos fatos, assim, para não assustar as crianças ou os adolescentes. Ou mesmo, para não incutir-lhes violência, segundo algumas correntes pedagógicas.
Daí a importância de se ler e recomendar a leitura – responsabilidade de pais e educadores - de obras de historiadores sérios e mesmo alguns romances históricos baseados em pesquisas de fatos reais e depoimentos de testemunhas. E esse, dentre tantos outros, é o caso do livro “A 25ª Hora”, do romeno Virgil Gheorghiu.
Escrito durante seu cativeiro, quando Gheorghiu foi preso pelas tropas norte-americanas no fim da Segunda Guerra Mundial, este livro narra a história de Iohan Moritz, um camponês romeno que é equivocadamente denunciado como judeu por um gendarme que lhe cobiça a esposa. E sua odisseia, a partir daí, é indescritível: trabalhos forçados, prisioneiro, soldado, desertor, ferido, herói, prisioneiro, prisioneiro... enfim, prisioneiro, condição que lhe é imposta sucessivamente por vários governos, por vários domínios, por vários exércitos. Consegue sobreviver graças à sua ingenuidade e à companhia de seu amigo intelectual romeno Traian Koruga – o personagem escritor que deu o título ao livro.


Queira-se ou não, este é praticamente um documento histórico. Ambientado num cenário sufocante, irrespirável, narra as barbaridades humanas contra o meio ambiente e principalmente, contra a própria humanidade e seus valores mais pessoais e íntimos. Mais do que em qualquer aula de história, o “professor” Gheorghiu nos ensina sobre todas as desavenças e as barbáries perpetradas em função da cobiça, da ambição política, da conquista e da preservação do poder, da supremacia em todas as circunstâncias e até da soberba e da saciedade sexual. Isso tudo, no período pós-guerra, tão brutal e estúpido quanto ela própria, e pouco conhecido, pelo menos por aqui. Especificamente, o autor nos apresenta a brutalidade e selvageria não dos nazistas, mas dos bolcheviques russos, turbas de ferozes, cruéis e sanguinários soldados do nordeste europeu.
     O









O livro teve várias edições brasileiras por diversas editoras. A edição atual é da Intrínseca, detentora dos direitos de publicação.

Além de seu valor como documento histórico impressionante, o livro nos traz a crítica do autor, às vezes até utópica, mas correta e honesta em sua essência, no que diz respeito ao que ele designa a "sociedade técnica ocidental", ou seja, num conceito mais contemporâneo, a sociedade tecnológica ou pela tecnologia dominada como hoje, e isso, surpreendentemente escrito na década de 1940.
“A 25 a hora” revela-se uma condenação não só do nazismo e do militarismo, como de todo tipo de totalitarismo, além da sociedade tecnológica. Um romance emocionante, com reflexões atuais e necessárias.
“O título do livro faz alusão a um momento onde todas as alternativas de socorro já não são mais possíveis, a última hora do dia já passou, não há mais nada que possa evitar a destruição do homem.” (Frase do prof. Elvis Fernandes – FAM).

Virou um filme clássico

Em 1967, o diretor turco, radicado na França, Henri Verneuil, numa produção ítalo/francesa/iugoslava, lança o filme A 25ª Hora (La vingt-cinquième heure), estrelado por nada menos que o fantástico Anthony Quinn, como Johann Moritz, e pela belíssima e talentosa Virna Lisi, como sua esposa Suzanna. Considerado hoje um clássico, o filme é referência às interpretações soberbas de Anthony Quinn.
Se quiser, você pode baixar o filme gratuitamente: http://www.filmesclassicosraros.com.br/a-vigesima-quinta-hora/

Por Valdemir Martins, em 02/12/2016.

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27 de out. de 2016

The Rose Joplin

She gave,  and  gave, and gave. And now have not to give.

Janis Joplin. Um nome. Muito falado e pouco conhecido, principalmente por aqui. Os mais jovens, então, nunca devem ter ouvido falar desta personagem de voz e performances celestiais. Um ser lindo, com história depressiva e até deprimente, mas insuperável em seu típico talento musical.
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Foto: Ricky Ferreira/revista Trip
Amada e muito reverenciada pelos fãs e principalmente críticos e músicos da década de 1960 – Jim Morrison, Bob Dylan, Jimi Hendrix, Kris Kristofferson, entre outros – foi considerada uma das 100 maiores artistas de todos os tempos pela revista Rolling Stones e destacou-se internacionalmente como maior intérprete de rock, blues e soul music, em especial nos Estados Unidos, mas muito pouco por aqui nas plagas tupiniquins, curtida apenas por uma elite cultural e musical.
Assim, quem não conhece sua curta história musical (basicamente apenas quatro anos), ou quem já ouviu e gostou de sua música e voz, deve ler esta matéria chocante da revista Trip para conhecer, ironicamente, o inferno e o paraíso na vida de uma pessoa por aqui desconhecida:
Morta em 4 de outubro de 1970, em Los Angeles, Califórnia, por overdose de heroina, com apenas 27 anos – coincidentemente como seus contemporâneos Brian Jones (Rolling Stones), Jimi Hendrix, Jim Morrison (The Doors), Pete Ham (Badfinger) e outros roqueiros famosos mais atuais como Kurt Cobain (Nirvana) e Amy Whinehouse – Joplin viveu toda a efervescência do movimento hippie, das cantigas de protestos, da descoberta do psicodelismo, das drogas e do Zen, e da marcante geração da Guerra do Vietnã.
Nascida Janis Lyn Joplin em Port Arthur (Texas) em 1943, cresceu ouvindo blues e folk music. Entrou para a Universidade do Texas onde adotou as vestes dos chamados “poetas da geração beat” e começou a usar drogas, principalmente a heroína, e a beber, preferencialmente licor de frutas e uísque. Conheceu a banda Big Brother and The Holding Company onde se destacou, em 1967, com uma performance brilhante  no Festival Pop de Monterey,  cantando Ball and Chain
(https://www.youtube.com/watch?v=r5If816MhoU ) No final de 1968 formou o grupo Kozmic  Blues Band para se apresentar no histórico e lendário Festival de Woodstock. No ano seguinte formou a banda Full Tilt Boogie Band e com eles gravou o seu mais primoroso álbum (LP na época) Pearl de 1971, lançado após sua morte, e que teve, como destaque, as canções "Me and Bobby McGee" (de Kris Kristofferson) e   "Mercedes-Benz", escrita pelo poeta  beatnik Michael McClure (https://www.youtube.com/watch?v=sfjon-ZTqzU  e   (https://www.youtube.com/watch?v=Qev-i9-VKlY  

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As últimas gravações que Janis fez foram Mercedes Benz e Happy Trails, sendo a última feita como um presente de aniversário para John Lennon, que faria aniversário em 9 de outubro.      ( https://www.youtube.com/watch?v=S6ThBBYUmEI )  Em entrevista, Lennon contou que a fita chegou em sua casa após a morte de Janis.
Vale à pena, ainda, ouvir sua fantástica interpretação do clássico Summertime, gravado em 1969, um ano antes de sua morte: https://www.youtube.com/watch?v=bn5TNqjuHiU

Filme

Resultado de imagem para cartaz filme A Rosa The RoseBaseado em sua vida, mas com muitas diferenças, o filme The Rose (A Rosa), com a extraordinária performance de Bette Midler e a participação de Alan Bates, foi lançado em 1979 – veja o trailer https://www.youtube.com/watch?v=DKir4VZKd4g , onde uma cantora pop (Bette Midler) sucumbe às pressões das diversas apresentações e se torna viciada em drogas e na bebida. Dyer (Frederic Forrest), sua paixão que também é seu motorista, tenta salvá-la da autodestruição, mas enquanto isto Rudge (Alan Bates), seu empresário inglês, é no final das contas o principal culpado por não preveni-la da inevitável decadência que sua carreira sofreria se vivesse no esquema do "sexo, drogas e rock'n roll". A história reflete os cantores populares que caíram vítimas do excesso de sucesso. Se quiser ver o filme, tente baixá-lo no site Filmes Cult (http://filmescult.com.br/a-rosa-1979 ). E bon voyage!

Livros

Três livros em português destacam-se para abordar tão delicada e conturbada biografia:

Resultado de imagem para livros janis joplin- “Com Amor, Janis Joplin”, escrita por sua irmã Laura, que imortalizou sua memória nas páginas do livro baseando-se nas cartas – muitas inéditas – sempre assinadas “Com amor, Janis Joplin”. Aqui, se revela também, o lado mais humano da cantora. Livro esgotado, lançado pela Editora Madras em 2007, e que pode ser adquirido no site de sebos Estante Virtual, entre outros.
Resultado de imagem para livros janis joplin- “Janis Joplin Por Ela Mesma”, Editora Martin Claret, livro do brasileiro Atanasio Cosme baseado nas notícias internacionais sobre a cantora (livro-clipping). Sinopse da editora: Janis Joplin, com pouco mais de 17 anos, já cantava em bares de beira de estrada em troca de bebida ou droga. Rebelde e atormentada, cantou com o mesmo fervor a violência do rock e o desespero do blues. Consagrada após o Festival de Monterey, em 1967, tornou-se uma superestrela do rock mundial. Seu primiero disco, 'Cheap Thrills', vendeu um milhão de cópias. Foi a única cantora branca capaz de cantar blues com sentimentos e  garra. 
Resultado de imagem para livros janis joplin Enterrada Viva” , escrita por Mira Friedman, editora Civilização Brasileira. A autora conta neste livro a história de toda uma geração. E foi coerente com ela: em seu livro não há bordados desnecessários, não há dècor, não há nada que lembre Hollywood. É um livro sofrido, angustiante. Mas de uma honestidade sensível, para com Janis, para com os freaks de San Francisco, para com a geração que viveu a época do sonho. Ela a considerava a intérprete mais profunda do apogeu da música popular internacional a partir do surgimento dos Beatles.



Brinde: música Move Over, do álbum Pearl, que foge ao tradicional de Joplin.
https://www.youtube.com/watch?v=eihw2hu65S0&list=PL52D3C98D22C1519B19B