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28 de mai. de 2023

As estúpidas rãs e a estupidez humana.

Livros de autores chineses que li sempre me agradaram bastante. Cito obras maravilhosas como As Boas Mulheres da China e O que os Chineses não Comem (Xinran), A Montanha e o Rio (Da Chen – veja meu comentário em https://contracapaladob.blogspot.com/2022/01/a-montanha-e-o-rio-nivelados-pela-vida.html ), Adeus, China – O Último Bailarino de Mao (Li Cinxin), Azaléia Vermelha ( Anchee Min), entre outros. Todos, de modo geral, têm as mesmas características ambientais, principalmente porque se passam, via de regra, nos milhares de povoados espalhados pelo território chinês.

Outra obra com as mesmas características, porém com a adição inteligente e recheada de história, mitos populares e contemporaneidade, é a laureada As Rãs, do Prêmio Nobel (2012) Mo Yan. Seu estilo é comparado ao realismo mágico do colombiano Gabriel García Márquez, mas obviamente sem latinidades e com muito das riquíssimas cultura e história da China.

Boa parte das obras chinesas contemporâneas transcorre – ou faz um pit stop - nos períodos de mudanças mais recentes do sistema político chinês e principalmente durante a chamada Revolução Cultural. Neste caso, em narrativa epistolar, Yan principia celebrando a vida numa época de mudanças importantes das práticas médicas ocidentais invadindo a China. E assim este brilhante livro começa a discorrer insistente e ironicamente sobre a vida.

O exaustivo discurso comunista de que o Ocidente liderado pelos norte-americanos é mau e vai invadir a China a qualquer momento é resiliente. Mas, faz parte intrínseca da história da China. No entanto, de forma brilhante Yan coloca-nos rigorosamente defronte à estupidez humana, seja pela guerra entre nações, seja pelo extremismo de ditaduras radicais ou mesmo pela própria cobiça e egoísmo humanos.

O controle da natalidade chinês com a política de filho único vigorou por 43 anos, de 1970 a 2013, quando foi liberada para dois filhos, devido ao envelhecimento populacional. O controle foi rigoroso, trágico e violento e é sobre essa dramática e homicida cicatriz na história da China que trata este romance incrível de Mo Yan. Segundo os chineses esse capítulo contribuiu para o desenvolvimento não só da China como de todo o mundo, pois afinal todos dependem dos recursos naturais do planeta e uma superpopulação seria desastrosa para a sobrevivência dos povos.

E é a partir desse princípio dantesco (sempre criticado pelos ocidentais) que se baseia hoje toda a orientação política da Nova Ordem Mundial e dos megacapitalistas - ironicamente antagônica aos eurasianos da China e da Rússia - que prevê uma drástica redução populacional no mundo para que se obtenha um controle mais efetivo dos recursos naturais e, claro, da própria população. Calcula-se que mais de 450 milhões de pessoas deixaram de nascer na China naquele período, nação que hoje abriga mais de 1,3 bilhões de pessoas, a segunda maior população mundial após a Índia (1,4 bilhões).

Assim torna-se importante a leitura de As Rãs para termos um parâmetro talvez de nosso futuro refletido a partir da política do filho único chinês, claro, sem os provincianismos brilhantemente elaborados pelo autor.

De um passado recente aos dias atuais, a obra inicia sua segunda parte com os protagonistas já idosos e, como no peso da idade, a narrativa torna-se mais lenta e ingressa, em alguns trechos, numa fase de romance de formação, com extensas narrativas sobre situações, locais, alimentos e personagens. E, a seguir, a um aborrecido texto de teatro que, ao passar para um surrealismo mais dinâmico, via realismo mágico, resume o âmago da obra e finaliza com um julgamento de uma das principais protagonistas da trama. E, inegavelmente, à política do filho único implantada pelo governo comunista chinês, trazendo as estúpidas rãs simbolizando a estupidez humana.

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Valdemir Martins

26.05.2023 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Localização de Gaomi, cidade natal do autor; 3. A campanha de filho único da Revolução Cultural; 4. A tia obstetra do Partido; 5. Mao Tse Tung; 6. O ranário; 7. Gaomi hoje; Mo Yan.


10 de mai. de 2023

Acreditar em esquerda x direita é não ter a menor noção do que acontece hoje no mundo.

 “A guerra na Ucrânia e a Nova Ordem Mundial”: um livro assombroso, lógico e atualíssimo; uma obra importante por despertá-lo e por abalar suas estruturas pessoais.

Preocupação com filhos e netos e até com o próprio futuro dos seres humanos leva-nos a ler e estudar assuntos que geralmente só são tratados por especialistas. Mas neste caso, como se versa de matéria que nos transpassa imperceptivelmente no cotidiano, a Guerra na Ucrânia e o Globalismo passam a ser assuntos emergenciais, urgentes e inadiáveis.

A grande maioria das pessoas, mesmo as cultas, não se apercebeu ainda da gravidade da situação mundial hoje, onde estão em confronto ideológico – e não só bélico – por poder e pelo domínio da gestão mundial, três grandes grupos constituídos pelos ocidentais (globalistas da Nova Ordem Mundial), os russos (eurasianistas e islâmicos) e os chineses. O mundo mudou. E apenas uma minoria notou isso. Estamos mais próximos das configurações de George Orwell, em sua obra máxima “1984”, do que imaginamos: a divisão do mundo em três grandes grupos fortes e radicais.

Assim, a descoberta do livro “A Guerra na Ucrânia e a Nova Ordem Mundial”, um debate do jornalista Cristian Derosa e do estudioso e empreendedor Jonas Fagá Jr, lançamento da Editora Danúbio, tornou-se fundamental para deixar de me achar ludibriado por figuras grotescas como Lula da Silva e sua trupe apoiada pelo narcotráfico, Alexandre de Moraes e seus algozes travestidos de ministros, juízes e políticos do teatro das tesouras, a imprensa panfletária, os perdulários artistas festivos e militantes e as hordas de inócuos, deslumbrados e traídos patriotas desinformados e desatualizados que infestam as redes sociais. Claro, além dos eleitores, ignorantes inocentes úteis, e dos demais alienados que só olham para seus umbigos.

Um livro inteligente, atualíssimo, que deve ser lido, refletido e assimilado parágrafo a parágrafo. Nele descobrimos as “origens do Mal”, seus líderes e objetivos, os manipuladores e suas táticas, com o destaque para o uso da pandemia (Covid 19) e políticas de vacinação em massa (OMS) para indiretamente controlar governos, instituições, religiões e a população de modo geral, tendo o aliciamento e domínio da justiça, da educação, da mídia e das big-techs como a grande estrada.

Apesar de não ter a China como fulcro do debate, os autores subentendem nas entrelinhas a grande força desse país e seus afluentes. Assim, assimila-se que as três potências mundiais (a Nova Ordem Mundial – NOM no Ocidente; a Rússia - e a China – no Oriente) têm o mesmo objetivo de governar o mundo, todavia com estratégias bastante distintas. A dos Ocidentais (NOM) é a mais complexa e abastada; a dos Eurasianistas (Rússia e China), sendo a da Rússia, como sempre, a mais direta e brutal e a da China, a mais pragmática e eficiente.

Deste modo, claramente se constata que a China está presente nos quatro cantos do globo, dominando uma série de atividades estratégicas, enquanto os globalistas, através de inúmeras narrativas imundas, tentam o domínio gradual sem sujar as botas na lama. E os russos, como habitualmente, parecem o rinoceronte na loja de cristais, sem respeitar as barreiras para abater os donos, os funcionários e os clientes. Isso tudo inspirado no fascismo russo criado pelo ideólogo Alexandr Dugin, guru inspirador de Putin, que utiliza estrategicamente o ocultismo misturado a uma estética nazista para seduzir uma juventude cansada da burocracia ocidentalizante do governo russo pós-URSS.  

A partir da década de 1990, os russos continuaram utilizando as sujas artimanhas criadas pela KGB para prosseguir influenciando a maioria dos seus países satélites com algum sucesso. E isto nos faz refletir sobre os atos como o do governo de Lula da Silva em 8 de janeiro deste ano que infiltrou elementos maleficamente orientados para depredações visando incriminar e aniquilar os movimentos de direita persistentes pós eleições fraudadas, podendo acusá-los assim de terroristas. A diferença é que as operações da KGK nunca falharam, pois não são improvisadas e jamais deixaram rastros. Com os russos, quem não é bem sucedido, mesmo que minimamente, é morto “acidentalmente”. Por aqui, vira uma tragicomédia bufona e injusta.

Assim, o mundo hoje é constituído pelos ocidentais da NOM que acabam de lançar mais uma campanha de terror - pela mesma mídia militante e as big-techs que nos “informaram” sobre a Covid-19 e suas vacinas -, apregoando que essa guerra se trata de uma primeira investida dos russos de um projeto expansionista que utilizará se necessário armas termonucleares; e os eurasianos que acreditam e difundem que Putin está apenas iniciando uma cruzada na defesa dos valores conservadores contra um ocidente imoral e decadente, tendo a China como sua aliada.

Não existem mais essas narrativas idiotas de comunismo e socialismo e esquerda x direita. Isso é coisa de países subdesenvolvidos, como os do centro e sul americanos. São sistemas políticos superados, abandonados por disfuncionalidade e que passaram a ser coadjuvantes para as nações onde existem dinheiro, inteligência e força.


Também passam a ser histórias da carochinha, após a leitura desta obra, todos os conceitos maravilhosos impingidos à burguesa e maçônica Revolução Francesa e às demais derrubadas dos impérios germânico, austro-húngaro, otomano e dos czares russos, bem como o Iluminismo e a criação da ONU, berço do arrangement do movimento metacapitalista da oligarquia de bilionários que hoje domina e controla o mundo. Poucos no Ocidente estão realmente conscientes da realidade e do perigo representado pelo projeto (Agenda 2030) metacapitalista (ou Globalista) que apregoa falsamente a defesa da Liberdade e da Democracia.

Por seu lado, os eurasianos, liderados pelos russos, refletem as intenções de Putin de retomar criteriosamente suas antigas áreas de domínio em épocas de União Soviética – como é o caso da Ucrânia – sem deixar que o Ocidente (ou os Globalistas) passe a controlá-los.  Sempre com o falso argumento do resgate dos valores conservadores e da moralidade.

Este livro tem muita informação atualíssima, além de considerar bases históricas e geoeconômicas de fatos e, portanto, é muito difícil comentá-lo com poucas palavras. E não se limita apenas a considerar a guerra na Ucrânia. Na verdade é um verdadeiro compêndio – sem sê-lo – da História Contemporânea. Tem tudo que a gente precisa para ser o chato da rodinha ou o estraga prazeres; ou então, a cara que vai concentrar a atenção num círculo de pessoas mais cultas e independentes.

A guerra beneficia o Ocidente e sua NOM a partir do momento em que desvia a atenção de suas máculas, como as fraudes nas eleições norte americanas e brasileiras; a divulgação dos relatórios negativos sobre as vacinas e ações da pandemia; a fragilidade econômica manipulada a favor das oligarquias; a lenta, gradual e quase imperceptível degradação da educação e da cultura.

E quem paga a conta é a população mundial produtiva, ocupada em trabalhar para sobreviver e resolver seus problemas, sem se aperceber das sombras que os envolvem. Assim como as populações enredadas nos conflitos, que pagam com suas vidas, destruídas sem piedade, para alimentar a ânsia de poder de meia dúzia de psicopatas instalados nos tronos do mundo.

Na segunda parte do livro inicia-se um debate entre os autores, onde os mesmos fazem comentários e contestações das análises de cada um. É muito interessante, mas torna-se um pouco mais pesado na leitura. Mas, vale à pena, pois acabamos aprendendo bastante sobre história, política, religião e filosofia.

E então, o livro entra na fase de réplicas em sua segunda parte e torna-se um pouco chato por conta de contraposições teóricas que acabam levando-nos a trechos de leitura um pouco aborrecidos. Mas, sem deixar de trazer-nos revelações surpreendentes. Acredito que a grande ausência do livro – e talvez do próprio debate – é o fato de os autores debatedores não considerarem devidamente a força da China, presente nas principais localizações produtivas, de transporte e de comunicação no globo. Portanto, a terceira maior força econômica, política e militar do planeta fica fora deste importante debate sobre as grandes forças que lutam para dominar o mundo.

De qualquer forma, os autores debatedores convergem e defendem a preservação dos valores cristãos na sociedade. Seja qual for a tendência político-social prevalente, é fundamental que se mantenham esses valores para o equilíbrio no convívio entre os povos. São colunas fundamentais para sustentar a família, a história, a cultura e a religiosidade cristãs, as quais preservam os denodos combatidos tanto pelos globalistas como pelos eurasianistas.

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Valdemir Martins

07.05.2023 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Zelensky, Macron (NOM) e Putin; 3. Os autores debatedores Derosa e Fagá; 4. Alexandr Dugin; 5. Bilderberg, o clube dos metacapitalistas; 6. O Federal Reserve; 7. Jeff Bezos; 8. Os Rothschild; 9. George Soros; 10. ONU; 11. Zuckerberg do Facebook; 12. O poderoso Xi Jinping; 13. Reunião do Foro de São Paulo; 14. Os poderosos narcotraficantes; 15. A dupla brasileira comandada pela NOM.

Obs: o livro pode ser lido virtualmente no site da Editora Danúbio: 
https://editoradanubio.com.br/catalogo/a-guerra-na-ucrania-e-a-nova-ordem-mundial/



1 de abr. de 2023

O Caminho de Casa

Nunca teremos a dimensão plena da diáspora africana ocorrida em função do uso abusivo da mão de obra escrava para o desenvolvimento das novas colônias europeias, uma vez que o negro africano nunca foi bem visto ou aceito nos países e comunidades europeias, a partir do século XVII. Mas, graças à Literatura e às boas pesquisas realizadas por alguns escritores, podemos pelo menos ter uma noção do que foi essa barbárie. É o caso da obra O Caminho de Casa, livro de estreia da ganesa Yaa Gyasi.

Nascida em Gana e criada nos Estados Unidos, a jovem Gyasi tornou-se um dos nomes mais comentados na cena literária norte-americana em 2016. Este seu romance recebeu resenhas estreladas dos mais importantes jornais e revistas daquele país, alcançou a disputada lista dos mais vendidos do The New York Times, foi incluído na prestigiosa lista dos 100 livros notáveis do ano do mesmo jornal e conquistou o prêmio PEN/Hemingway de melhor romance de estreia.

Com uma narrativa poderosa e envolvente que começa no século XVIII, numa tribo africana, e vai até os Estados Unidos dos dias de hoje, Gyasi apresenta-nos, de forma bastante realista, as consequências da captura principalmente de jovens ganeses e do respectivo comércio de escravos dos dois lados do Atlântico ao acompanhar a trajetória de duas meias-irmãs desconhecidas uma da outra, e das gerações seguintes dessa linhagem separada pela escravidão.

As narrações das aldeias e famílias ganesas são muito cativantes, criativas e comoventes. Levam-nos aos ambientes caseiros e comunitários das tribos, suas lutas, paixões, traições e tragédias; sonhos e costumes. Já as narrações dos dramas vividos nas prisões e junto às hostes dos comerciantes e seus mancomunados agentes europeus são na maioria bastante chocantes.

Tudo isso depois é transposto para as fazendas norte-americanas onde os suplícios se acentuam de forma bastante trágica. A trama nos é contada de forma dinâmica e num ritmo denso o suficiente para absorvermos a grande quantidade de personagens diversificados, sem perder seus liames.

E, de emoção seguida de emoção, sete gerações são envolvidas numa grande obra que reflete os sofrimentos e alegrias de incomensurável número de pessoas que tiveram suas origens na África e foram dispersas em vidas sofridas, heroicas e até bem sucedidas por todas as Américas.

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Valdemir Martins

31.03.2023

Fotos: 1. Capa do livro:; 2. Aldeia típica; 3. A captura; 4. Símbolo de lutas na América; 5. Os negros bem sucedidos; 6. Yaa Gyasi

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21 de fev. de 2023

Desonra, uma reflexão sobre o que nos honra na vida.


Apesar de sabermos, até vulgarmente, que cada ser é feliz à sua maneira, para o freguês regular de uma meretriz na Cidade do Cabo, “nenhum homem é feliz até morrer”, como na última fala do coro de Édipo. E assim, nesta atmosfera, temos o início do intrigante romance Desonra do consagrado escritor sul africano J. M. Coetzee, laureado com o Nobel de Literatura em 2003, e premiado na França, na Irlanda e em Israel; foi o primeiro autor agraciado duas vezes com o Man Booker Prize.

E a felicidade do professor protagonista, encontrada somente nos momentos de alcova com suas conquistas - ou com qualquer outra mulher, pois ele não tem limites - é suspensa quando, arrogante, é desmascarado pelo seu próprio círculo de trabalho.

O excêntrico protagonista sempre esteve cercado de mulheres desde a infância. É um mulherengo incontrolável e Coetzee, inspirado num poema do britânico Lord Byron, cria um enredo brilhante para este incontrolável namorador, um “espírito errante” como na composição byroniana.

Num momento de confronto entre a obra do poeta e esta do romancista, cria-se um ato de colisão do personagem de Byron com o de Coetzee, e é intenso e primoroso. Revela também aqui, sem dúvidas, a genialidade literária do autor. Como o Lúcifer do poeta, o protagonista de Coetzee não age por princípios, mas por impulsos.

E, mais uma vez, um literato traz à baila o degenerado jeito de ser da imprensa moderna: baseado num pretenso fato, traçar narrativas para demolirem-se reputações. Tudo para, irresponsavelmente, garantir audiências e visualizações e, portanto, verbas publicitárias para sobrevivência da corrosiva mídia. Segundo o texto, os jornalistas agem como “caçadores que encurralaram um animal estranho e não sabem como acabar com ele.”

Finalmente, depois de longa procrastinação, o protagonista inicia ensaios para escrever uma ópera sobre Byron na Itália. O que alcança, consciente ou não, são encenações de flashes de sua própria vida como se fossem as do poeta, mudando apenas os personagens e os lugares. E como sua vida, fica incompleta. Assim, como tudo em sua existência, deixa de viver a felicidade, mesmo antes de morrer, corroborando o pensamento de Sófocles.

O livro é uma lição literária e o texto conciso de Coetzee torna-se mais mordaz quando se embrenha nas relações branco-negros no pós-apartheid envolvendo a família do professor, em partes marcantes e decisivas do livro. A violência percorre toda a obra deixando suas marcas tóxicas nos principais relacionamentos e nos abusos, sejam de pessoas ou de animais.

Envolto em sua teimosia e arrogância, o protagonista caminha para a velhice percebendo-a verdadeiramente num confronto direto com sua vida, em uma encruzilhada que lhe ocorre quando tenta conviver com a filha. O que construiu de sólido? E esta é a grande reflexão que a obra nos leva a fazer sobre nossas próprias vidas. Principalmente aos que já suplantaram a chamada meia idade. Somos honrados? O que nos restou de tudo o que fizemos?

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Valdemir Martins

20.02.2023

Obs: Mesmo não tendo a menor sombra de preconceito em seu texto, o livro teve uma forte repercussão na África do Sul, apenas por abordar a existência de conflitos ainda como ranço do apartheid, obrigando Coetzee a abandonar sua terra natal e se estabelecer em Adelaide, na Austrália.

Fotos: 1. Capa do livro:; 2. A Universidade do Cabo; 3. A aula fatídica; 4. A fazenda; 5. A feira; 6. O sacrifício de cães; 7. J. M. Coetzee.

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8 de fev. de 2023

A Segunda Espada: uma história de maio.

Numa narrativa alucinante e riquíssima em referências pessoais, num texto claro e brilhante, o escritor pós-modernista austríaco de descendência eslovena Peter Handke, Prêmio Nobel de Literatura de 2019, leva sua obra A Segunda Espada – uma história de maio a uma das mais brilhantes narrativas do individualismo e da neurose solitária, enquanto, ao descrever seu mundo, o desconstrói através das palavras.

Num texto que inicialmente parece ir tornando-se confuso, aos ajustes primorosos de Handke - um mestre das palavras - vão encaixando-se as situações, os lugares, o tempo, os personagens e os questionamentos. Trechos lembram até divagações de mentes de idosos em suas indefectíveis reminiscências.

Na primeira frase da obra, Handke consegue apreender toda a sensação permanente de solidão que transmite o protagonista, porquanto só ele tem em seu âmago ferido os motivos da demanda: “Então, essa é a face de um vingador!”, quando se olhou no espelho pela manhã. E o motivo do vingador é a disseminação de uma mentira.

Como em outras obras atuais, mais uma vez apresenta-se aqui uma crítica de um literato ao sensacionalismo jornalístico de uma imprensa que apenas procura seus interesses militantes e comerciais sem escrúpulos, deixando de prestar sua principal função que é a de informar a verdade. E as consequências são inúmeras e muitas vezes fatais, como é o caso desta história. E aqui se torna o fulcro do enredo, como numa caixa de surpresas.

Sua crítica política e pregação pela liberdade são sutis: “Mas há uma coisa que eu sei e sempre soube: quero levar uma vida cavalheiresca. E isso é algo que aqueles lá, do outro lado das montanhas não permitem, sequer conhecem algo assim, não têm a menor ideia do que seja une vie chevaleresque. Libertar-se – mas como? Livrar-se dos assassinos dos andares superiores e ingressar no mundo dos cavalheiros – mas como?”

A meta na vida presente do personagem vem de uma inspiração bíblica de longa data, segundo Handke, onde Deus pede vingança para si e para seu povo, concedendo-lhe, assim, o direito – como membro do seu povo – de também pleitear vingança. E, portanto, o autor explora a subjetividade do personagem ao extremo. As divagações pessoais e até filosóficas inundam o texto, a partir de reminiscências desde a infância.

Assim, encontramos aqui mais um grande mestre na digressão no enredo, como o fizeram consagrados nomes (citados por ele), de Homero a Tolstoi, passando por Cervantes. E ao analisar profundamente o sentimento das pessoas que viajavam com o protagonista em um bonde, Handke até transita pelo surrealismo, descrevendo um leitor com o livro de ponta-cabeça e uma pessoa falando ininterruptamente ao celular inoperante, e o comportamento controverso de outros passageiros no veículo. E, de forma recorrente e inteligente, constrói uma história divagando e tergiversando.

Então, Handke nos traz a história de um homem solitário com uma meta na vida. Um solitário que convive com outros na mesma condição. E cada encontro é uma história, um pensamento, uma reflexão. E esta, corroborada por sua qualidade literária e estilo original, é a condição do livro. Uma obra forte, sucinta e sempre ambivalente. Essa solidão – imensa – nos é relatada nas diversidades do cotidiano, onde Handke chega ao extremo de divagar, séria e filosoficamente, sobre a solidão de insetos, animais e até atletas, comparando-os, inclusive, com marionetes. Como ele escreve: “E todos pareciam ocupados em seus silêncios”.

Ao final, Handke tece uma eloquente narrativa da solidão sentida, onde se á vulnerável e ao mesmo tempo invisível. Aquele despercebido das multidões só é notado e valorizado pelo próprio protagonista, segundo se subentende, sem mágoas. Condição que é difícil de aceitar, sem condicionar-se ao desprezível, ao frágil e ao insignificante. No entanto, enquanto todos passam precipitados em seus egos e devaneios, ele estava feliz, pois era o único a caminhar sob um belíssimo céu azul.

A tudo isso, some-se a permanente expectativa pelo deslanche e pelo desfecho da história, deixando, quem se deleita com um bom texto literário, preso atentamente à leitura.

Este é um livro surpreendente, mais que recomendado para quem procura deleite literário e não apenas uma história bem escrita. Uma obra fadada a ser um clássico.

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Valdemir Martins

08.02.2023

Fotos: 1. Capa do livro:; 2. Olhando-se no espelho; 3. Solitários no bar; 4. Picardia, na Île-de-France; 5. Ruinas de Port-Royal des Champs; 6. Peter Handke.

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13 de jan. de 2023

Nunca deixe de ler Nunca

Nesta que talvez seja a obra mais política e crítica de todas as que li do consagrado Ken Follett, desde seu princípio uma simples palavra incomodou-me como se estivesse lendo com cisco nos olhos. Trata-se do vibrante romance Nunca, onde um de seus principais personagens é Pauline Green, então presidente dos Estados Unidos, mas tratada irritantemente, ao longo das 624 páginas, pelos tradutores, na publicação da Editora Arqueiro, como “presidenta”. Por não ser usual e ter seu curso restrito no idioma em se tratando de Brasil, essa palavra incomodou-me bastante.

Mas, apartando o incômodo, o livro surpreende – como sempre, em se tratando de Follett -, ao trazer-nos a intriga internacional desta vez envolvendo, americanos, franceses, chineses, sul e norte-coreanos, jihadistas, chadianos, sudaneses e japoneses. Os serviços secretos, marca central de boa parte de seus livros, faz-se presente com força neste trabalho, com todas as suas modalidades de atuação, desde a mais inteligente até a mais brutal. É, com certeza, a obra mais ficcional de Follett.

A ideia deste enredo, segundo o autor, surgiu a algum tempo, quando pesquisava dados para escrever Queda de Gigantes, primeiro livro da espetacular trilogia O Século (veja comentário em https://contracapaladob.blogspot.com/2018/07/o-mundo-que-ainda-nao-terminou-1.html ). Como nesse livro, este trata de uma guerra indesejada, mas que tornou-se inevitável. O que nos alerta para repensar as dimensões da atual guerra entre Rússia e Ucrânia, bem como a de Israel contra o Irã (e seus apadrinhados grupos terroristas Hamas e Hezbollah) como presságios terríveis, tornando a obra uma leitura indispensável.

Numa narrativa simples, com ritmo inicialmente lento que vai progredindo até uma narrativa avassaladora e angustiante, a obra abrange política internacional, armamentos modernos, tráfico de pessoas, drogas e armas, bem como trata de xenofobia, terrorismo e estratégias e táticas militares. Os personagens são muito bem desenvolvidos e extremamente instigantes.

As revelações de esquemas e procedimentos escusos e inescrupulosos de ditaduras africanas e asiáticas, bem como a violência dos governos socialistas e comunistas pelo mundo, são outro ponto forte na trama, já que Follett é um profundo pesquisador para sempre embasar suas histórias em dados reais, suas colocações são perfeitamente críveis.

Por ser um romance atual, contemporâneo, a competência de Follett leva-nos a reflexões importantes sobre a inescrupulosa imprensa sensacionalista e militante, algo bastante atual e presente nas importantes democracias ocidentais. Não sem motivos, a personagem presidente é uma inteligentíssima e sensível democrata do partido Republicano ianque que sofre ataques idiotas de políticos e da imprensa domésticos. Algo também hoje comum no mundo ocidental.

Ao introduzir mais uma presidente de uma república asiática, igualmente volta a ser usada a palavra anômala “presidenta”, ali colocada pelos tradutores. E o autor reforça, a seguir, sutilmente a irresponsável atuação da imprensa sensacionalista ao redor do mundo, sempre fomentando discórdia para manter alta audiência.

Follett leva-nos para uma crise política mundial sem paralelo ou imaginação anterior, obrigando-nos a não largar a leitura, tamanha a ansiedade. Apenas abranda-a com flashes familiares e românticos como só ele sabe fazer.  E nesse tom, leva tudo, tudo ao seu limite, tornando o final do livro uma agonia insuportável. E seu final é surpreendente e exatamente compatível com o teor da trama.

Leitura fortemente recomendável por suas qualidades de construção, diálogos inteligentes e dinâmicos, graus de informações atualizadas e níveis de sensações emocionais de alto volume.

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Valdemir Martins

12.01.2023

Ilustrações: 1. Capa Editora Arqueiro; 2. Salão Oval da Casa Branca; 3. Lago Chade; 4. Congresso do Partido Comunista Chinês; 5. O Deserto do Saara; 6. Sede do Governo da Coréia do Norte; 7. Explosão nuclear; 8. Ken Follett.

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